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Capítulo 5 – Contrato Rasgado
Narrado por Renato
A luz da tela do computador iluminava o meu rosto com um brilho frio e impiedoso. A madrugada mergulhava São Paulo num silêncio luxuoso, cortado apenas pelo zumbido constante do ar-condicionado da cobertura do hotel Tivoli. A mesma onde, poucas horas antes, Marina se despiu na minha frente com a lentidão calculada de uma mulher que sabia exatamente o que estava fazendo.
Ela tinha acabado de deixar o quarto.
Ainda sentia seu perfume impregnado nos lençóis: jasmim, poder e crueldade.
Peguei a taça de uísque e me levantei, observando a cidade por trás dos vidros altos. Lá embaixo, carros seguiriam indiferentes, sem saber que o rei da NavTech estava em coma, respirando por aparelhos, e que o trono agora tremia.
Sorri.
Leonardo Navarro
O homem que sempre teve tudo: o nome, o carisma, o talento, a porra do olhar magnético que fazia até investidores da Nasdaq quererem apertar sua mão. Enquanto eu, o cérebro por trás de metade das ideias da empresa, vivia à sombra do queridinho da mídia.
Mas agora... agora ele estava imóvel, entubado, frágil.
E eu? Eu estava pronto.
Voltei à mesa. A tela exibia o novo contrato de acionistas, já com as cláusulas modificadas. Um documento elegante, limpo, com a assinatura digital do nosso advogado - um verme caro, porém extremamente eficiente. A cláusula de incapacidade de liderança por inaptidão física estava ali. Substituição imediata em caso de impossibilidade permanente. E, com os laudos médicos certos, Leonardo se tornaria... apenas uma memória.
- Um brinde à oportunidade - murmurei, bebendo o último gole do uísque.
A porta bateu com um clique seco. E Marina reapareceu, vestindo apenas um robe de seda preto que mal disfarçava as curvas. Os cabelos loiros escorriam pelos ombros como um veneno doce.
- Você não perdeu tempo, não é? - ela disse, caminhando até mim, os olhos brilhando mais de cobiça do que de prazer.
- Não vim até aqui para brincar de luto, Marina.
Ela riu, aquele som oco de quem nunca chorou por nada além da própria vaidade.
- Ele vai morrer?
- Talvez não. Mas, mesmo que viva... não andará. Não liderará. E, mais importante: não assinará mais nenhum contrato.
- E a irmã dele? Aquela médica metida a besta?
- Helena não tem poder societário. Não pode fazer nada. E, se tentar... - ergui os ombros - ...lidaremos com isso depois. No máximo, podemos acalmar a irmãzinha com promessas vazias de que manteremos o legado do pobre irmão em reabilitação.
Ela se sentou de frente para mim, cruzando as pernas lentamente. Aquela mulher sabia como usar o corpo como uma arma. Mas eu a conhecia. Marina não amava Leonardo. Nunca amou. Ela o queria porque ele era um troféu. E, agora que o troféu estava quebrado... ela queria o ouro fundido.
- Você tem certeza que não há nenhuma cláusula escondida, Renato? Leonardo era paranoico.
- Já revisei tudo. Três vezes. Os contratos de 2018 foram reescritos quando fizemos a expansão internacional. A cláusula de veto individual foi extinta. Com ele fora de cena, os votos majoritários são meus e seus.
Ela sorriu, felina.
- E se ele acordar?
- E daí? - dei de ombros. - Acordar não é o mesmo que caminhar. Ou comandar. O mercado vai aceitá-lo como um símbolo. Vamos deixá-lo numa cadeira de rodas nos vídeos institucionais, se for preciso. Chorando pelo futuro verde da tecnologia. Mas quem vai assinar os cheques, Marina... somos nós.
Ela levantou-se e caminhou até mim. Colocou-se entre minhas pernas e sentou-se em meu colo, o robe deslizando até a metade das coxas. As mãos dela tocaram meu peito, e os lábios se aproximaram do meu ouvido.
- Está mesmo preparado para apagar o homem que construiu tudo isso?
Respondi com um beijo demorado, cheio de desejo reprimido e ambição.
- Eu construí junto. Apenas nunca deixaram que brilhasse.
- E agora? Vai brilhar?
- Agora, querida... vamos incendiar.
Ela me beijou de volta. O corpo dela se encaixava com perfeição no meu, como se o plano todo estivesse se consumando ali, entre suspiros e delírios.
Transamos ali mesmo, na cadeira, com papéis confidenciais voando ao redor. O som de nossas respirações abafando o tilintar da taça que caiu no chão. Não era amor. Não era paixão. Era poder. E desejo. Pela coroa. Pela fortuna. Pela destruição.
Horas depois, no início da manhã, estávamos na sede da NavTech.
A equipe ainda caminhava em silêncio, em luto parcial, como se todos soubessem que algo grave havia acontecido, mas não tivessem coragem de perguntar. Perfeito. O medo era sempre meu aliado.
Na sala de reuniões do décimo segundo andar, o advogado aguardava. Marcos Albuquerque, especialista em direito empresarial e especialista ainda maior em ética moldável. Um homem que sabia calar por um preço.
- Está tudo pronto - ele disse, empurrando para mim uma pasta com os documentos definitivos. - Com a junta médica confirmando a inaptidão, Leonardo será afastado. E a presidência executiva será assumida por... você.
Assinei. Com a calma de quem esperou uma década por aquele momento.
Marina, sentada ao lado, analisava as cláusulas finais com um olhar afiado. Deu o sinal com a cabeça. Marcos guardou os papéis.
- Em vinte e quatro horas, o conselho será informado. Até lá, é essencial que não haja vazamentos - ele alertou.
- Ninguém vai saber de nada. Até ser tarde demais - respondi, levantando-me.
O céu de São Paulo clareava por trás dos vidros. Mas dentro de mim, um outro tipo de sol nascia. Um sol frio. Racional. Poderoso.
Peguei meu celular. Liguei para um número salvo sem nome, só com um emoji de faca. Voz rouca atendeu do outro lado.
- Está na hora - eu disse. - Quero os acessos do Leonardo apagados. Contas, senhas, servidores. Tudo.
- Vai sumir como se nunca tivesse existido.
- Exatamente - murmurei, sorrindo. - Vamos apagar ele de vez.
E desliguei.