No dia seguinte, Isabela acordou e me viu arrumando a mala.
O pânico tomou conta de seu rosto.
"Diogo? O que você está fazendo?"
"Estou indo embora, Isabela."
"Embora? Para onde? Nós vamos viajar?"
Sua negação era patética.
"Não, Isabela. Eu estou indo embora. De você."
Ela começou a chorar. "É por causa do Luan? Eu juro, não é nada disso! Ele é um louco, um perseguidor!"
"Eu sei o que ele é", respondi, fechando o zíper da mala. "O que eu não sei é o que você se tornou."
Ela tentou me abraçar, mas eu a empurrei.
"Não me toque."
Ela recuou como se eu tivesse lhe dado um tapa.
Naquele momento, ela me pareceu uma estranha. Uma mulher desesperada tentando salvar um castelo de cartas que já tinha desmoronado.
Ela tentou uma última cartada.
"Vamos para Trancoso este fim de semana. Só nós dois. Como nos velhos tempos. Eu arrumo tudo."
"Não, obrigado."
Ela insistiu, me seguindo pela casa enquanto eu pegava minhas últimas coisas.
"Por favor, Diogo. Um fim de semana. Se depois disso você ainda quiser ir embora, eu não vou impedir."
Eu sabia que era uma armadilha. Mas algo em mim, talvez uma curiosidade mórbida, me fez concordar.
"Tudo bem. Um fim de semana."
Chegamos em Trancoso na sexta-feira. A casa que ela alugou era espetacular, de frente para o mar.
Ela preparou um jantar romântico. Velas, vinho, tudo do jeito que eu gostava.
Ou do jeito que ela achava que eu gostava.
Para a sobremesa, ela trouxe um bolo de chocolate com morangos.
"Seu favorito", ela disse, sorrindo.
Eu a encarei. "Isabela, eu sou alérgico a morangos."
O sorriso dela morreu.
"O quê? Não, você não é. A gente sempre come..."
"Não, Isabela. Eu sou alérgico desde criança. Você nunca soube disso?"
O silêncio que se seguiu foi mais revelador que qualquer discussão. Em três anos de casamento, ela não sabia de um detalhe tão básico sobre mim. A desconexão era abissal.
Na manhã seguinte, o celular dela tocou.
Era Luan.
"Estou com febre... Acho que o corte no pulso infeccionou", ele choramingou.
Isabela olhou para mim, depois para o telefone.
"Tome um antitérmico e vá a um posto de saúde, Luan. Estou ocupada."
Ela desligou, mas a preocupação estava lá, em seus olhos.
Vinte minutos depois, ela disse que precisava ir à farmácia na vila para comprar um protetor solar.
Eu sabia que era mentira.
Esperei cinco minutos e a segui.
Ela não foi para a farmácia. Dirigiu até uma pousada barata na entrada da cidade.
Fiquei do outro lado da rua, observando.
Minutos depois, Luan saiu de um dos quartos, sem camisa.
Isabela estava logo atrás dele.
Ele se virou, e eu vi.
Nas costas dele, uma tatuagem enorme, recém-feita, ainda vermelha e inchada.
Era o rosto de Isabela.
Um retrato perfeito, com um sorriso que ela só dava para mim.
Ela estendeu a mão e tocou a tatuagem. Seus dedos traçaram os contornos do seu próprio rosto na pele dele, com uma mistura de horror e fascínio.
Então, ela se inclinou e o beijou.
Um beijo apaixonado, desesperado.
A traição consumada.
Desta vez, a ânsia de vômito veio com força total.
Virei-me e vomitei na calçada, sem me importar com quem via. Era uma purgação.
Voltei para a casa na praia.
Juntei todas as minhas roupas, meus livros, meu notebook.
Peguei o relógio caro que ela me deu e o deixei sobre a cama.
Liguei para um antiquário em São Paulo e vendi por telefone todos os móveis e obras de arte que eu tinha comprado para o nosso apartamento.
Liguei para o meu advogado e dei as instruções finais.
Eu estava me desfazendo de tudo.
Limpando a minha vida dela.