Meu estômago se revirou violentamente.
Na minha vida passada, eu estava lá. Vi o caos se instalar, vi o pânico nos olhos das pessoas quando o primeiro tiro soou. Vi meu irmão, Pedro, cair no chão, uma mancha vermelha se espalhando rapidamente em sua camisa branca.
Lembro de ter gritado o nome dele, de ter corrido até ele, de ter pressionado minhas mãos trêmulas sobre o ferimento, tentando inutilmente estancar o sangue. Lembro de ter ligado para minha mãe, Dra. Lúcia, a melhor cirurgiã cardíaca do país, implorando para que ela viesse ao hospital.
A voz dela no telefone ainda assombra minhas noites. Fria, distante, cheia de irritação.
"Maria, que exagero. Deve ser só um arranhão. Estou aproveitando o dia na praia com a Sofia, não me incomode com bobagens."
Ela desligou.
Pedro morreu naquela noite na mesa de operação, esperando por uma cirurgiã que nunca chegou.
Depois, o inferno. A família inteira se voltou contra mim. Minha mãe, meu pai, meus avós. Todos eles me culparam.
"Se você tivesse insistido mais, Maria!"
"Se você tivesse descrito a gravidade da situação direito!"
"A culpa é sua. Você não conseguiu convencer sua mãe a salvar o próprio filho."
Eu me tornei a assassina do meu irmão aos olhos deles. A dor e a culpa me consumiram até que, alguns anos depois, eu também morri, sozinha e esquecida em um apartamento frio, com o coração partido.
Mas agora, eu estava aqui. Viva. O despertador marcava sete da manhã. O dia estava apenas começando.
Um calafrio percorreu minha espinha. A memória da camisa branca de Pedro manchada de vermelho vivo era tão nítida, tão real, que senti o cheiro metálico de sangue no ar. O som do tiro ecoou em meus ouvidos.
Eu me levantei da cama, minhas pernas fracas. Fui até o banheiro e joguei água fria no rosto, tentando afastar as imagens.
Desta vez, eu não vou intervir.
A decisão se formou na minha mente, fria e dura como uma pedra de gelo.
Não adiantaria. Eu tentei. Eu implorei. E a única coisa que consegui foi ser o bode expiatório para a dor e a negligência de todos. Eles preferiram me odiar a admitir que a mãe perfeita, a médica renomada, falhou. Eles precisavam de um culpado, e a filha que ela nunca amou era o alvo perfeito.
Não.
Desta vez, eu não vou para o protesto. Não vou ver Pedro ser baleado. Não vou ligar para a minha mãe. Não vou dar a eles a chance de me destruírem novamente.
Desta vez, eu vou me salvar.
Vesti uma roupa qualquer, peguei minha bolsa e minhas chaves. Não tomei café da manhã. Eu só precisava sair daquele apartamento, sair da universidade, ir para o mais longe possível daquele protesto.
Enquanto descia as escadas do prédio, minhas mãos tremiam tanto que mal consegui segurar o corrimão. Cada passo era uma luta contra o instinto de correr para a universidade, encontrar Pedro, arrastá-lo para longe dali.
Mas a lembrança do olhar de ódio da minha mãe no funeral, a lembrança do meu pai se recusando a olhar para mim, a lembrança dos meus avós sussurrando pelas minhas costas... tudo isso era uma âncora me prendendo a essa nova decisão.
Eu não vou passar por aquilo de novo.
Cheguei à rua e comecei a correr. Corri sem rumo, sem direção. Apenas corri, com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, o som da minha própria respiração ofegante abafando os fantasmas do passado.
Eu corri para longe do meu irmão, para longe da minha família, para longe da vida que me matou.