Minha mãe, Dra. Lúcia, sempre foi uma figura distante. Para o mundo, ela era uma profissional brilhante, uma salvadora de vidas. Em casa, ela era uma rainha de gelo. Seu carinho era raro e sempre direcionado a duas pessoas: meu irmão, Pedro, o filho de ouro, e Sofia, a filha que ela escolheu.
Sofia foi adotada quando tinha dez anos, depois que seus pais supostamente morreram em um acidente de carro. Desde o primeiro dia, minha mãe a tratou como uma boneca de porcelana. Tudo o que Sofia queria, ela conseguia. As melhores roupas, as melhores escolas, a atenção incondicional de Lúcia.
Pedro era o orgulho dela. Inteligente, popular, seguindo os passos do nosso pai, Carlos, nos negócios da família. Ele era a prova viva do sucesso do casamento deles.
E eu? Eu era a Maria. A filha quieta, a estudante de direito que não tinha o brilho de Pedro nem a doçura fabricada de Sofia. Eu era uma peça de mobília na casa, algo que estava ali, mas que ninguém realmente notava, a menos que tropeçasse.
Cresci à sombra deles, acostumada a ser a segunda, terceira, ou última opção.
Lembro de uma vez, quando eu tinha uns doze anos, caí da bicicleta e quebrei o braço. Liguei para minha mãe no hospital, chorando de dor. Ela me disse para pegar um táxi e ir para a emergência, porque estava no meio de uma reunião importante do conselho. Mais tarde, descobri que a "reunião" era um almoço para comemorar o prêmio de melhor aluna que Sofia havia ganhado.
Essa era a minha vida. Uma sucessão de pequenas e grandes injustiças, de ser constantemente desacreditada e posta de lado. A morte de Pedro foi apenas o ápice, a prova final de que meu valor naquela família era zero.
"Eu não vou me meter", sussurrei para mim mesma, a voz rouca. "Eu não vou. Eu não vou. Eu não vou."
Repeti a frase como um mantra, tentando gravá-la no meu cérebro, no meu coração. A dor de ser culpada pela morte do meu irmão era um fardo pesado demais para carregar duas vezes. Se o destino quisesse que ele morresse hoje, então que assim fosse. Mas eu não seria a mensageira. Eu não seria a culpada.
Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a tremedeira diminuiu. Eu me levantei, limpei o rosto e decidi voltar para casa. Era o único lugar para onde eu podia ir.
Quando abri a porta do apartamento, a primeira pessoa que vi foi Sofia, sentada no sofá da sala, lixando as unhas com uma expressão entediada. Ela me olhou de cima a baixo, um sorriso sutil e maldoso no rosto.
"Olha só quem apareceu. Pensei que você estivesse no protesto com o Pedro. A mamãe vai ficar uma fera se souber que você deixou ele ir sozinho."
A voz dela era melosa, mas as palavras eram afiadas.
Ignorei-a e fui direto para o meu quarto.
"O que deu em você, Maria? Parece que viu um fantasma."
Fechei a porta atrás de mim, bloqueando a voz dela. Deitei na cama e fechei os olhos, o coração ainda pesado. Eu tinha feito a minha escolha. Agora, só me restava esperar o inevitável acontecer.
E a acusação já havia começado.