A garota era linda, com um sorriso doce e olhos brilhantes. E ela se parecia assustadoramente com Clara, uma versão mais jovem e saudável dela mesma. Era como olhar para um fantasma do seu próprio passado. Clara entendeu na hora. Aquela era a nova substituta, a nova ferramenta de tortura. Heitor a chamou de Sofia.
"Clara, que bom que você chegou," disse Heitor, o tom falsamente casual. "Sofia estava experimentando uns sapatos. O pé dela é do mesmo tamanho que o seu. Ajude-a a calçar este." Ele apontou para um par de scarpins de salto agulha, vermelhos como sangue.
A humilhação era palpável. Ele queria que ela se ajoelhasse aos pés da sua nova amante. Clara se lembrou de uma vez, anos atrás, quando Heitor, ainda pobre, insistiu em se ajoelhar para engraxar as botas dela que tinham sujado na lama, dizendo que seus pés eram preciosos demais para tocar o chão sujo. A ironia era esmagadora.
Com o olhar frio de Heitor sobre ela, Clara se abaixou. Ela pegou o sapato delicado e o pé de Sofia. A garota sorriu, um sorriso que não alcançava os olhos.
"Obrigada," disse Sofia, a voz melosa. "Heitor me disse que você é muito boa em servir."
Clara não respondeu. Ela se concentrou na tarefa, o coração batendo forte de raiva e vergonha. Depois que o sapato estava calçado, Heitor tirou um maço de notas da carteira e o jogou no colo de Clara. "Pelo seu serviço."
O dinheiro caiu sobre ela, as notas de cem reais espalhando-se pelo seu vestido. O rosto de Clara queimou. Não era a primeira vez. Ele fazia isso com frequência, transformando qualquer ato em uma transação, lembrando-a de que, para ele, ela não valia nada além do que o dinheiro podia comprar.
De repente, Sofia soltou um gritinho agudo e se jogou para o lado, caindo no tapete macio. "Ai! Você me empurrou!" ela exclamou, os olhos se enchendo de lágrimas.
Clara a encarou, chocada. Ela mal a tinha tocado. A máscara de doçura de Sofia caiu, revelando uma malícia fria e calculista. Ela estava armando para ela.
Heitor reagiu instantaneamente. Ele se levantou e ajudou Sofia a se levantar, lançando um olhar fulminante para Clara. "Qual é o seu problema? Peça desculpas a ela. Agora."
"Eu não a empurrei," disse Clara, a voz firme.
"Não me interessa," Heitor retrucou, o tom perigoso. "Peça desculpas, ou eu juro que vou mandar aquele seu gato vira-lata para o abrigo hoje mesmo."
O medo gelou o sangue de Clara. Milo. Seu único companheiro, o único ser vivo que lhe dava um pingo de conforto naquela casa fria. Heitor sabia que ameaçar Milo era a única maneira de realmente atingi-la.
O corpo dela tremia, não só pela doença, mas pela raiva e pelo desespero. Ela olhou para Sofia, que a encarava com um sorriso triunfante. Ela olhou para Heitor, cujo rosto era uma máscara de desprezo. Ela não tinha escolha.
Com a dignidade em frangalhos, Clara se ajoelhou no chão. Uma dor aguda perfurou seu estômago no mesmo instante. Ela sentiu algo quente e úmido escorrer de seu nariz. Sangue. Ela tentou limpá-lo discretamente com as costas da mão, mas a tontura a atingiu com força.
"Me... desculpe," ela sussurrou, as palavras presas na garganta. A humilhação era um gosto amargo em sua boca.
Ela tentou se levantar, mas o mundo girou violentamente. A luz da loja pareceu explodir em um clarão ofuscante. A última coisa que ela viu antes de a escuridão a engolir foi o rosto de Heitor. A expressão dele, que era de fria indiferença, se desfez em choque e um pânico crescente ao ver o sangue e o colapso dela no chão.