Capítulo 3

A manhã seguinte raiou, clara e cheia de promessas. Para Isabela, era a promessa de um novo começo. Para Lucas, era o dia do juízo final, embora ele ainda não soubesse.

Isabela estava na cozinha, tomando café da manhã com seus pais. O clima era tranquilo. Eles já tinham impresso uma nova cópia de sua ficha de inscrição e conversavam sobre os detalhes da seletiva dela. A paz foi abruptamente quebrada por batidas frenéticas na porta da frente.

Era a mãe de Lucas, Sônia. Seu rosto estava contorcido de pânico, o cabelo perfeitamente arrumado em desalinho.

"Isabela! Graças a Deus! Você viu o Lucas? Ele não está em casa, não atende o celular! A audição dele é em menos de uma hora!" ela disparou, a voz esganiçada.

Isabela a encarou com uma calma estudada. "Bom dia, Sônia. Não, eu não o vejo desde ontem à tarde. Pensei que ele estivesse com a Mariana, na festa de aniversário dela."

Ela usou as mesmas palavras que Lucas usara, uma faca sutilmente girada na ferida.

"Festa? Que festa? Ele tinha que descansar! Ele tinha que estar focado!" Sônia estava à beira da histeria. "Você tem que saber onde ele está! Vocês dois são inseparáveis!"

A mãe de Isabela se aproximou, colocando uma mão protetora no ombro da filha. "Sônia, acalme-se. A Isa já disse que não sabe."

"Mas ele a ama! Ele nunca faria nada para preocupá-la!" Sônia insistiu, agarrando-se a uma versão do filho que só existia em sua mente.

O pai de Isabela interveio, sua voz firme. "Acho que você deveria procurar por essa amiga dele, a Mariana. Pelo que parece, ela foi a última a vê-lo."

Sônia olhou de um rosto para o outro, sentindo a frieza incomum na recepção. Com um bufo de frustração, ela se virou e saiu correndo, o som de seus pneus cantando na rua enquanto acelerava.

O pai de Isabela olhou para ela, uma sobrancelha arqueada. "O que aconteceu entre você e o Lucas, filha?"

Isabela deu um pequeno sorriso, o primeiro sorriso genuíno em muito tempo. "Aconteceu que eu finalmente abri os olhos, pai."

Enquanto isso, no conservatório de música, a tensão era palpável. A sala de espera estava cheia de jovens músicos afinando instrumentos, aquecendo as vozes. O nome de Lucas foi chamado uma vez. Nenhuma resposta. Foi chamado uma segunda vez, o examinador já impaciente.

Sônia chegou correndo, o rosto suado e manchado de rímel. "Ele está vindo! Ele está a caminho! Por favor, só mais um minuto!"

Mas o tempo de Lucas havia acabado. O próximo candidato foi chamado, e a porta da sala de audição se fechou. O sonho de Lucas, a obsessão de sua vida, evaporou naquele momento.

Sônia soltou um grito de angústia, um som que fez todos na sala se virarem. Ela caiu de joelhos, batendo no chão com os punhos. "Meu filho! O futuro do meu filho! Acabou!" Era uma cena de desespero total, um colapso público e humilhante.

Foi nesse exato momento que a porta principal do conservatório se abriu. Lucas entrou, cambaleando. Suas roupas estavam amassadas e cheiravam a álcool e fumaça de cigarro. Ao seu lado, Mariana parecia igualmente exausta, mas havia um brilho de satisfação mal disfarçado em seus olhos.

Lucas viu sua mãe no chão, viu a porta da audição fechada, viu as caras de pena e desprezo ao seu redor. A realidade o atingiu como um soco no estômago. O pânico tomou conta de seu rosto, seguido por uma fúria cega. E então, seus olhos encontraram Isabela, que havia chegado silenciosamente e observava a cena de um canto, junto com seus pais.

A culpa era uma coisa pesada demais para ele carregar. Então, ele fez o que os fracos sempre fazem: ele a transferiu.

Apontando um dedo trêmulo na direção dela, ele reuniu todo o ar em seus pulmões e rugiu, a voz cheia de veneno e falsa acusação.

"FOI ELA!"

O salão ficou em silêncio absoluto. Todos os olhos se viraram para Isabela.

"FOI ELA! ELA ME SABOTOU! ELA ME DROGOU PARA EU PERDER A AUDIÇÃO! ELA É UMA PSICOPATA CIUMENTA!"

A acusação era tão absurda, tão chocante, que por um momento ninguém se moveu. Lucas, vendo que tinha a atenção de todos, avançou na direção de Isabela, o rosto transformado numa máscara de ódio. O caos estava prestes a começar.

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