Depois, evoluiu para aparições inesperadas em seus locais de trabalho.
Maria Antônia, a princípio, não deu importância.
Ela confiava em Ricardo.
Afinal, ele carregava o trauma da infidelidade do próprio pai, uma traição que implodiu sua família e o deixou com uma aversão quase patológica a qualquer tipo de mentira.
"Eu nunca serei como meu pai," Ricardo costumava dizer, com uma sinceridade que desarmava qualquer dúvida.
A confiança dela era o pilar da relação.
Até a noite do terceiro aniversário de casamento deles.
Ricardo organizou uma festa luxuosa em uma galeria de arte, um gesto grandioso para celebrar o amor deles.
O salão estava repleto de amigos, familiares e sócios, todos erguendo taças ao casal perfeito.
No meio do discurso emocionado de Ricardo, Leo surgiu do nada.
Ele caminhou lentamente até o centro do salão, segurando um microfone que havia arrancado das mãos de um músico.
O silêncio caiu como uma guilhotina.
"Ricardo," a voz de Leo ecoou, melosa e cortante. "Você fala de amor, mas se prende a uma farsa. Essa mulher ao seu lado não te entende como eu."
O constrangimento era palpável.
Os convidados se entreolhavam, sussurrando.
Ricardo ficou pálido, a raiva endurecendo suas feições.
"Seguranças! Tirem esse homem daqui agora!"
Leo sorriu, um sorriso que não alcançava seus olhos perturbados.
Ele ignorou os seguranças que se aproximavam e olhou diretamente para Maria Antônia.
"Ele me pertence. E eu sempre consigo o que quero."
Os seguranças o arrastaram para fora, mas o estrago estava feito. A festa acabou ali.
Dias depois, a confiança de Maria Antônia sofreu o primeiro abalo sério.
Ela decidiu fazer uma surpresa para Ricardo, levando seu prato favorito para o almoço em seu escritório.
Ao abrir a porta sem bater, a cena que encontrou a paralisou.
Leo estava lá.
Não apenas estava lá, mas estava de joelhos no chão, com a cabeça no colo de Ricardo, que estava sentado em sua imponente cadeira de couro.
Ricardo passava a mão pelos cabelos de Leo, um gesto que poderia ser de consolo, mas que na ótica de Maria Antônia, era de uma intimidade insuportável.
O som da porta fez os dois se sobressaltarem.
Ricardo empurrou Leo com força, levantando-se de um salto.
"Maria Antônia! O que você está fazendo aqui?"
A voz dele era uma mistura de pânico e irritação.
Leo, por outro lado, levantou-se com uma calma teatral, ajeitando as roupas amassadas e sorrindo para ela.
"Ele estava apenas me consolando," disse Leo, com uma voz falsamente frágil. "Tive uma crise de ansiedade."
Maria Antônia sentiu o estômago revirar.
Ela olhou para Ricardo, esperando uma negação, uma explosão de raiva contra Leo, qualquer coisa que reafirmasse sua lealdade.
Mas Ricardo apenas gaguejou.
"É... é isso. Ele não estava bem. Eu estava apenas ajudando."
A desculpa era tão fraca que chegava a ser um insulto.
Maria Antônia não disse nada.
Ela apenas se virou e saiu, deixando o almoço sobre uma mesa na recepção.
A mudança sutil na atitude de Ricardo nos dias seguintes foi o que mais a aterrorizou.
Ele se tornou mais distante, passava horas no celular e evitava seu olhar.
A confiança dela, antes um rochedo, agora era areia escorrendo por entre seus dedos.
A gota d'água veio na forma de um presente.
Uma pequena caixa de veludo sobre a cama deles.
Dentro, um pincel de aparência cara, mas visivelmente usado, com cerdas manchadas de tinta seca.
Um bilhete acompanhava o objeto, com a caligrafia elegante de Leo.
"Para que você se lembre da arte que podemos criar juntos."
Maria Antônia sentiu uma onda de náusea.
Ela confrontou Ricardo quando ele chegou em casa.
"O que é isso?" ela perguntou, a voz fria.
Ricardo olhou para o pincel e seu rosto se contraiu.
"Ele deixou na minha mesa. É só um pincel, Maria Antônia. Não significa nada."
"Não significa nada? Um pincel 'usado' por ele? E você o aceitou? Você o trouxe para a nossa casa? Para o nosso quarto?"
"Eu não queria criar mais problemas! Ele é instável, você viu o que ele fez na nossa festa!"
A justificativa dele era a confissão que ela temia.
Ele estava cedendo.
Estava com medo de Leo, ou pior, estava sendo seduzido por aquela obsessão doentia.
Naquele momento, a imagem da mãe de Ricardo veio à sua mente.
Uma mulher que definhou em um casamento falido, que aceitou a infidelidade do marido em silêncio, murchando dia após dia até não sobrar nada de si mesma.
Maria Antônia sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
Não.
Ela não teria o mesmo destino.
Ela não se tornaria uma sombra de si mesma, vivendo de migalhas de um amor contaminado.
Ela era Maria Antônia. Uma mulher forte, independente, uma chef de cozinha que construiu seu próprio nome.
Ela não precisava daquilo.
Naquela noite, enquanto Ricardo dormia, ela relembrou todos os anos em que esteve ao lado dele.
Lembrou-se de quando o negócio dele quase faliu e foi ela quem vendeu seu primeiro restaurante para injetar o dinheiro que o salvou.
Lembrou-se das noites em que ele chorava, amaldiçoando o pai, e ela o abraçava, prometendo que o amor deles seria diferente.
"Eu nunca vou te trair, Maria Antônia. Eu morreria antes de te fazer passar pelo que minha mãe passou."
A lembrança daquela promessa agora soava como uma piada cruel.
Com uma determinação gélida, ela se levantou.
Foi até o cofre e pegou o acordo pré-nupcial que eles assinaram.
Uma cláusula específica, que ela mesma insistiu em incluir, lhe garantia a maior parte dos bens de Ricardo em caso de infidelidade comprovada.
Na época, ele riu e disse que aquela cláusula nunca seria usada.
Com o documento em mãos, ela pegou o celular.
Discou um número que estava guardado há muito tempo, um contato que ela esperava nunca precisar usar.
Do outro lado da linha, uma voz masculina, calma e poderosa, atendeu.
"Lucas? É a Maria Antônia. Esposa do Ricardo."
Houve uma pausa. Lucas era o maior rival de Ricardo no mundo da tecnologia, um magnata conhecido por sua astúcia e frieza nos negócios.
"Maria Antônia," ele disse, o tom revelando surpresa. "A que devo a honra?"
"Eu preciso de um favor," ela disse, a voz firme. "E acho que você é a pessoa certa para me ajudar a acelerar um processo. Um processo de divórcio."
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