Em outra época, seu coração teria acelerado.
Agora, ela sentia apenas um vazio gelado.
O gesto parecia uma tentativa desesperada de comprar seu silêncio, seu perdão.
Ela aceitou a caixa com um aceno de cabeça.
"Obrigada. É lindo."
Ela colocou a caixa de lado, sem sequer experimentar a joia.
"Eu também tenho um presente para você," ela disse, a voz monótona.
O rosto de Ricardo se iluminou.
"Sério? O que é?"
"Você só poderá abri-lo daqui a uma semana. No dia exato em que assinamos nosso acordo pré-nupcial, lembra?"
Ele franziu a testa, confuso com a condição, mas concordou, ansioso.
"Claro, meu amor. O que você quiser."
O presente era um envelope pardo, lacrado. Dentro, os papéis do divórcio.
No dia seguinte, um sábado, Ricardo insistiu que eles precisavam sair, "para espairecer".
Ele a levou para um passeio de barco, um de seus programas favoritos no início do namoro.
Ele falava sem parar, apontando para a paisagem, contando piadas sem graça, tentando arrancar um sorriso dela.
Maria Antônia permaneceu em silêncio na maior parte do tempo, o olhar perdido no horizonte.
O som do celular de Ricardo tocando quebrou a farsa de normalidade.
Ela viu o nome "Leo" brilhar na tela.
Ricardo olhou para o celular e depois para ela, o pânico estampado em seus olhos.
Ele rejeitou a chamada apressadamente.
"Quem era?" ela perguntou, embora já soubesse a resposta.
"Número desconhecido. Vendedores. Você sabe como é."
O celular tocou novamente.
E de novo.
E de novo.
A insistência era enlouquecedora.
Ricardo, suando frio, desligou o celular.
"Droga de telemarketing!" ele praguejou, a voz um pouco alta demais.
Maria Antônia o observou. Ele não havia bloqueado o número. Apenas rejeitado as chamadas e, por fim, desligado o aparelho.
Ele não queria cortar o contato. Ele só não queria que ela visse.
"Ricardo," ela disse, a voz calma, mas firme. "Ele não vai te deixar em paz, não é?"
"Do que você está falando?" ele tentou se fazer de desentendido, mas seu corpo o traía. As mãos tremiam levemente, e ele não conseguia sustentar o olhar dela.
"Eu não sou idiota."
A tensão no barco era quase insuportável.
Ele estava prestes a responder quando o motor do barco engasgou e morreu.
Eles estavam à deriva.
Ricardo, aliviado por ter uma distração, foi até a casa de máquinas para verificar o problema.
Enquanto ele estava ocupado, Maria Antônia viu outro barco se aproximando em alta velocidade.
Era Leo.
Ele parecia descontrolado, manobrando a lancha de forma perigosa.
Ele estava vindo diretamente na direção deles.
"RICARDO!" ela gritou.
Ricardo saiu da casa de máquinas, os olhos arregalados de terror ao ver a lancha de Leo vindo como um míssil.
Não havia tempo para desviar.
O impacto foi brutal.
Maria Antônia foi arremessada contra a lateral do barco, sua cabeça batendo com força na amurada de metal.
A dor foi aguda, seguida por uma escuridão que a engoliu.
A última coisa que ela ouviu antes de perder a consciência foi o som de madeira se partindo e o grito desesperado de Leo.
Quando ela abriu os olhos, sua visão estava turva.
Havia água por toda parte. O barco deles estava afundando.
Ela sentiu uma dor lancinante no braço e viu um corte profundo jorrando sangue.
Ricardo estava de pé, aparentemente ileso, olhando freneticamente ao redor.
"Ricardo..." ela chamou, a voz fraca. "Me ajuda..."
Ele se virou para ela, o rosto uma máscara de pânico.
Mas então, seu olhar se desviou para o outro barco, onde Leo se debatia na água, gritando.
"Ricardo, me salve! Eu não sei nadar!"
O grito de Leo era histérico, desesperado.
Maria Antônia viu a hesitação no rosto do marido.
Um momento de escolha.
Ela, sua esposa, sangrando e ferida.
Ou ele, o artista obsessivo que havia acabado de causar o acidente.
"Ricardo, por favor, meu braço..." ela implorou.
Mas Ricardo já tinha tomado sua decisão.
Ele se virou de costas para ela e, sem uma segunda olhada, mergulhou na água em direção a Leo.
Ele o alcançou, o envolveu em seus braços e começou a nadar em direção à costa, deixando Maria Antônia para trás no barco que afundava.
Naquele instante, a dor do corte em seu braço não era nada comparada à dor que rasgou seu coração.
Não era apenas traição.
Era abandono.
Era a prova final e irrefutável de que, na lista de prioridades de Ricardo, ela não estava mais no topo.
A água fria subia ao seu redor, e a escuridão ameaçava tomá-la novamente.
Mas uma nova força, nascida da mais pura raiva e do mais profundo desprezo, a manteve consciente.
Ela não ia morrer ali.
Ela não ia dar a eles essa satisfação.
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