"Graças a Deus você está bem," ele disse, a voz embargada, tentando pegar a mão dela.
Ela puxou a mão de volta, o gesto frio e deliberado.
O rosto dele se contraiu de dor.
"Maria Antônia, me perdoe. Eu entrei em pânico. Leo estava se afogando, eu..."
"E eu estava sangrando em um barco que afundava," ela o cortou, a voz sem emoção. "Onde ele está?"
Ricardo hesitou. "No quarto ao lado. Ele engoliu muita água, mas está fora de perigo."
"Bom para ele."
O sarcasmo dela era uma lâmina afiada.
"Eu juro, meu amor, isso nunca mais vai acontecer," ele prometeu, os olhos cheios de lágrimas. "Eu vou dar um jeito no Leo. Vou afastá-lo de nós para sempre."
As palavras dele eram vazias. Promessas quebradas sobre uma fundação de mentiras.
Foi então que ela notou.
Na lateral do pescoço de Ricardo, logo abaixo da orelha, havia uma marca avermelhada, inconfundível.
Um chupão.
Não era antigo. Era recente.
A imagem se formou em sua mente com uma clareza nauseante.
Ricardo "salvando" Leo, o tirando da água, o levando para a segurança... e depois?
A intimidade do momento, o alívio, a adrenalina.
A marca no pescoço dele era a resposta.
Uma onda de repulsa física a percorreu.
Ela sentiu vontade de vomitar.
Toda a dor, toda a raiva, toda a decepção se solidificaram em uma certeza fria e pesada em seu peito.
Acabou.
Ricardo ficou ao lado dela, insistindo em cuidar dela, trocando sua água, tentando conversar.
Ele parecia um cão culpado, tentando se redimir.
Mas Maria Antônia não sentia nada.
Era como observar um estranho.
A performance dele de marido devotado era patética.
Ela olhava para o rosto dele, para os gestos dele, e via apenas a falsidade.
Ele não estava ali por ela. Ele estava ali para aliviar a própria culpa.
No dia seguinte, a porta do quarto se abriu com um estrondo.
Leo entrou, vestindo um roupão de hospital, com um acesso intravenoso ainda preso ao braço.
Seu rosto estava contorcido em uma máscara de fúria e desespero.
"Você está tentando roubá-lo de mim!" ele gritou para Maria Antônia.
Ricardo se levantou de um salto, tentando conter Leo.
"Leo, o que você está fazendo? Volte para o seu quarto!"
"Não! Ele é meu! Ele me ama!" Leo gritava, os olhos injetados de sangue.
Então, em um ato de puro desespero teatral, Leo arrancou o acesso de seu braço, fazendo o sangue espirrar.
Ele pegou um caco de vidro de um copo quebrado no chão - ela nem tinha visto quando ele o quebrou - e o pressionou contra o próprio pulso.
"Se você ficar com ela, eu me mato! Aqui e agora!"
O caos se instalou.
Enfermeiras correram para o quarto.
Ricardo, em vez de proteger sua esposa recém-operada do louco que a ameaçava, correu para o lado de Leo.
"Leo, não faça isso! Por favor, solte isso!"
A preocupação na voz de Ricardo era genuína.
Mais genuína do que qualquer preocupação que ele havia demonstrado por ela.
Ele segurou o rosto de Leo entre as mãos, falando com ele em um tom baixo e apaziguador, como se estivesse acalmando um animal assustado.
Ele pegou o caco de vidro da mão de Leo com cuidado e o abraçou, guiando-o para fora do quarto, prometendo que tudo ficaria bem.
Maria Antônia assistiu a tudo, sentada na cama do hospital, o braço quebrado latejando.
Ela ouviu os murmúrios das enfermeiras no corredor.
"Coitada da esposa. O marido parece mais preocupado com o outro."
"Dizem que eles têm um caso. O artista é obcecado por ele."
As palavras eram sussurradas, mas para Maria Antônia, soavam como um veredito gritado em um tribunal.
Ela era a tola. A esposa enganada que se recusava a ver o óbvio.
A humilhação era um gosto amargo em sua boca.
Naquele momento, toda a dor se transformou em uma força fria e implacável.
Ela apertou o botão de chamada.
Quando a enfermeira chegou, Maria Antônia disse, com a voz firme:
"Eu quero a minha alta. Agora."
"Mas, senhora, você precisa de observação..."
"Eu não preciso de nada. Apenas dos papéis da minha alta."
Vinte minutos depois, Ricardo voltou ao quarto, o rosto aliviado.
"Consegui acalmá-lo. Ele já tomou um sedativo e vai dormir."
Ele parou ao vê-la vestida com suas próprias roupas, a bolsa no ombro.
"O que você está fazendo?"
"Indo embora," ela disse, caminhando em direção à porta.
"Esperae! Você não pode ir assim! Você precisa de mim para cuidar de você!" ele disse, tentando segurar seu braço bom.
Ela se desvencilhou dele com uma força que o surpreendeu.
Ela olhou diretamente nos olhos dele, e pela primeira vez, ele viu o abismo que havia se aberto entre eles.
Não havia amor, não havia raiva, não havia nem mesmo tristeza.
Havia apenas um vazio gélido.
"Eu não preciso de você para nada, Ricardo. Especialmente para cuidar de mim."
E com isso, ela se virou e saiu do hospital, sem olhar para trás, deixando-o parado no meio do quarto, finalmente entendendo que havia perdido algo que nunca mais conseguiria recuperar.
---