Lembro-me da minha infância. Beatriz sempre foi a favorita. A filha bonita, a filha inteligente. Eu era a sombra, a irmã sem graça. Minha mãe nunca me deu o mesmo carinho. Ela me olhava com uma crítica velada, sempre me comparando a Beatriz. "Por que você não pode ser mais como sua irmã?"
Eu passei a vida inteira buscando um amor que nunca recebi. Da minha mãe, da minha irmã e, finalmente, de Ricardo.
Basta.
Eu me levanto, uma nova determinação endurecendo meu coração. Se eu nunca fui amada, então não devo amor a ninguém. Nem à minha mãe, nem a Beatriz, nem a Ricardo.
Nem mesmo a Pedro.
O pensamento dói, uma pontada aguda no peito, mas eu a esmago. Ele me rejeitou. Ele escolheu Beatriz. Ele não é mais meu filho.
Com o dinheiro da indenização, um valor que a maioria das pessoas nunca veria em dez vidas, decido queimar tudo. Eu mereço isso. Pela dor, pela humilhação.
Vou a um lugar conhecido como o paraíso dos ricos, um clube exclusivo onde o dinheiro compra qualquer coisa. As luzes de néon, a música alta, o cheiro de perfume caro e álcool. Eu entro e peço a mesa mais cara, a bebida mais exclusiva.
Gasto milhões em uma única noite. Compro carros de luxo que mal sei dirigir, joias que nunca usarei, roupas que só servem para chocar. A notícia dos meus gastos extravagantes se espalha. A mídia me pinta como uma mulher louca e gastadora, a ex-esposa amarga que enlouqueceu.
Eu não me importo. Cada real gasto é um grito de liberdade.
Em uma dessas noites, no meio do clube barulhento, eu os vejo. Ricardo e Pedro. Beatriz não está com eles.
Ricardo me vê do outro lado da sala. Sua expressão é uma mistura de raiva e desprezo. Ele marcha em minha direção, puxando Pedro pela mão.
"O que você está fazendo aqui?", ele rosna, sua voz mal se sobressaindo à música.
"Me divertindo", respondo, dando um gole no meu champanhe.
"Você está dando um péssimo exemplo para o Pedro! Olhe para você, agindo como uma..."
"Como o quê, Ricardo? Uma mulher livre?", eu o interrompo, meu tom gelado.
Pedro olha para mim com olhos cheios de acusação. "Você é uma mãe má. Você nos abandonou."
As palavras dele ainda machucam, mas eu não demonstro.
"Eu não abandonei vocês", digo calmamente. "Vocês me expulsaram. Lembre-se."
Ricardo me agarra pelo braço. "Você vai se arrepender disso, Ana Lúcia. Sua reputação está arruinada."
"Minha reputação?", eu rio, um som amargo. "Você a destruiu no momento em que me transformou em piada nacional. Eu não tenho mais nada a perder."
Eu me solto de seu aperto e me viro, ignorando-os. A cena, é claro, foi capturada por dezenas de celulares. No dia seguinte, as manchetes são ainda piores.
"EX-ESPOSA DE RICARDO EM ESCÂNDALO DE GASTOS E COMPORTAMENTO IMPRÓPRIO. HUMILHA O PRÓPRIO FILHO EM PÚBLICO."
Os ataques online se intensificam. Ameaças de morte começam a aparecer.
Então, meu telefone toca. É um número que eu não via há muito tempo. Minha mãe.
Eu atendo, por curiosidade mórbida.
"Ana Lúcia! Você enlouqueceu? O que você está fazendo? Está envergonhando a família inteira!", a voz dela grita do outro lado da linha.
"Que família?", pergunto, minha voz monótona. "A família que sempre preferiu a Beatriz? A família que me renegou?"
"Sua irmã está sofrendo por sua causa! Ricardo está furioso! Você tem que parar com isso! Peça desculpas a eles!"
"Não."
"O quê? Você é uma ingrata! Depois de tudo o que fizemos por você..."
"Vocês não fizeram nada por mim. Adeus, mãe."
Eu desligo o telefone e bloqueio o número. A contagem regressiva na minha visão continua. 25:10:45:30.
Eu respiro fundo. Só mais alguns dias.
Eu me forço a ignorar o barulho. Vou ao banco e começo o processo de transferir a maior parte do dinheiro para contas offshore, sob um novo nome que o sistema me forneceu. O resto, eu continuarei a queimar.
Eles queriam me apagar? Ótimo. Eu vou desaparecer, mas não antes de me divertir um pouco mais.