A memória do meu último encontro com Ricardo na masmorra voltou com uma clareza dolorosa. Seu rosto contorcido de desprezo, suas palavras venenosas ecoando nas paredes de pedra. "Você nunca foi boa o suficiente para mim."
Essa lembrança não me trouxe dor. Trouxe fúria. Uma fúria fria e concentrada que alimentou minha determinação.
Eu olhei para a mão dele, ainda no ombro de Verônica.
Sem pensar duas vezes, agi.
Minha mão se moveu como um raio, agarrando o pulso de Ricardo. Ele era mais forte, mas foi pego de surpresa. Com um puxão violento, eu o arranquei de perto de Verônica.
"Não toque nela com essa mão" , eu disse, minha voz baixa e perigosa.
Então, antes que ele pudesse reagir, eu o empurrei. Com força.
Ricardo tropeçou para trás, seus olhos arregalados de choque. Ele não esperava resistência física de mim. Ninguém esperava.
"Como ousa?" , ele sibilou, recuperando o equilíbrio.
"Eu ouso porque eu posso" , respondi, dando um passo em sua direção. "Deixe-me lembrá-lo de sua posição, Ricardo. Você é o filho de um Marquês. Um título nobre, sem dúvida. Mas eu sou a filha de um Duque. Neste salão, nesta casa, sua posição é inferior à minha. Você se dirige a mim com respeito."
O rosto de Ricardo ficou vermelho de humilhação. Ele abriu a boca para protestar, mas eu não lhe dei a chance.
Virei-me novamente para a multidão, que assistia a tudo, petrificada.
"A lei do Império de Valéria é clara" , declarei, minha voz ressoando com uma autoridade que eu não sabia que possuía. "Artigo 17 do Código Imperial: qualquer um que se aproprie indevidamente de um presente imperial comete um crime de lesa-majestade. A punição é de cinquenta chibatadas em praça pública."
Um suspiro coletivo percorreu o salão. O que antes era um drama familiar agora se tornara um crime federal.
"E mais" , continuei, meu olhar fixo em Verônica, que agora tremia incontrolavelmente. "Artigo 28: uma pessoa de nascimento ilegítimo que se passa por um herdeiro legítimo para obter vantagens ou enganar a nobreza comete o crime de fraude de identidade. A punição é o exílio."
Eu fiz uma pausa, deixando o peso das minhas palavras assentar.
"Verônica não apenas roubou um presente do Imperador. Ela tem se passado por minha irmã, enganando a todos vocês. E Ricardo, ao defendê-la, se torna cúmplice."
O silêncio era pesado, carregado de medo. Ninguém queria ser associado a um crime contra o Imperador. Os nobres que antes cochichavam agora evitavam meu olhar. As damas que estavam ao lado de Verônica deram alguns passos para trás, distanciando-se dela como se ela tivesse uma praga.
Eu sorri por dentro. Era isso. O poder da lei era maior que o poder dos sentimentos ou das alianças sociais.
"Agora" , eu disse, minha voz voltando a ser um comando gelado. "Pela última vez. Ajoelhe-se."
Verônica olhou para Ricardo, buscando ajuda. Mas até ele estava pálido, chocado com a reviravolta dos acontecimentos. Ele sabia que eu estava certa. As leis eram absolutas.
Lentamente, com as pernas tremendo, Verônica começou a se dobrar. Sua humilhação era palpável. Era a primeira gota da minha vingança.
Eu me aproximei, pronta para arrancar o grampo de seu cabelo e selar sua derrota.
Mas, de repente, um som agudo cortou o ar.
SWISH!
Um zumbido passou perto do meu rosto, tão perto que senti o vento.
Instintivamente, joguei-me para o lado.
THUNK!
Uma flecha preta cravou-se na parede de madeira atrás de mim, a poucos centímetros de onde minha cabeça estivera. As penas na extremidade da flecha tremiam com a força do impacto.
O salão explodiu em gritos de pânico. As pessoas se empurravam, tentando fugir.
Meu coração batia descontroladamente. Alguém tentou me matar.
Virei-me na direção de onde a flecha veio. Na entrada do salão, parado com um arco na mão, estava um guarda do ducado.
E atrás dele, com uma expressão de fúria glacial, estava meu pai.
Duque Afonso de Valéria.