No fundo do seu armário, atrás de uma pilha de ternos caros, encontrei uma caixa de madeira escura. Não era uma caixa qualquer, tinha um entalhe delicado na tampa. Eu nunca a tinha visto antes. Meu coração acelerou um pouco, uma mistura de curiosidade e um mau pressentimento. Abri. Dentro, havia um único álbum de fotos, com uma capa de couro. Na primeira página, em uma caligrafia elegante que eu conhecia bem, a de Pedro, estava escrito: "Para minha Alma Gêmea".
Um sorriso fraco surgiu no meu rosto, mas desapareceu no instante em que virei a página. A foto não era minha. Era de Sofia, a afilhada de Pedro, sorrindo, com o sol em seus cabelos. Virei outra página, e outra. Eram dezenas de fotos, todas de Sofia. Sofia na praia, Sofia no seu aniversário de dezoito anos, Sofia dormindo no sofá, com uma expressão de anjo. Em cada foto, Pedro capturou um olhar, um sorriso, um momento que revelava uma profundidade de sentimento que ele nunca, jamais, demonstrou por mim nos nossos cinco anos de casamento. Ele a chamava de "Alma Gêmea". E eu? Eu era apenas a Estrela Guia, o nome que ele usava para mim, sempre com um tom de formalidade, de dever.
Fechei o álbum com um baque surdo, o som ecoando no quarto silencioso. Meu peito doía, uma dor oca e vazia. Cinco anos. Cinco anos da minha vida dedicados a ele, a cuidar da casa, a organizar jantares de negócios, a ser a esposa perfeita. Abandonei meu sonho de ser chef, minha paixão pela culinária, porque Pedro achava que não era uma profissão adequada para a esposa dele. E tudo isso para quê? Para descobrir que o coração dele sempre pertenceu a outra.
Dois dias depois, o advogado de Pedro me chamou para a leitura do testamento. Eu já não esperava nada, mas a realidade foi ainda mais brutal. Ele leu o documento com uma voz monótona, sem emoção. Pedro deixou toda a sua vasta fortuna, suas ações, suas propriedades, tudo para Sofia. Para mim, ele deixou a casa em que morávamos e uma pensão modesta, o suficiente para "manter meu estilo de vida", como dizia o testamento. Era uma esmola, uma humilhação final. O advogado me olhou com pena, mas eu não conseguia sentir nada além de um vazio gelado. Minha dedicação, meu amor, meu sacrifício, tudo tinha sido apagado, negado, transformado em nada.
Como se não bastasse, o inferno realmente começou na semana seguinte. A empresa farmacêutica de Pedro, a fonte de toda a sua fortuna, foi atingida por um escândalo. Um dos seus medicamentos mais vendidos causou efeitos colaterais fatais em dezenas de pacientes. A notícia explodiu na mídia. E com Pedro morto, o alvo da fúria pública se tornou eu, a viúva.
"Assassina! Cúmplice!"
Os gritos vinham da rua. Olhei pela janela e vi uma multidão. Vítimas, familiares das vítimas, segurando cartazes com os rostos de seus entes queridos. Eles jogavam pedras nas janelas, pichavam os muros da nossa casa. A polícia tentava contê-los, mas a raiva era grande demais. Eu estava presa, uma prisioneira na casa que agora parecia um mausoléu da minha vida fracassada. Liguei para os pais de Pedro, mas eles estavam mais preocupados em salvar a reputação da empresa do que em me proteger. Eu estava sozinha.
A noite caiu, mas a multidão não foi embora. O som de vidro quebrando no andar de baixo me fez pular. Eles tinham entrado. Meu coração batia descontrolado, o pânico subindo pela minha garganta. Corri para o quarto e tranquei a porta, mas sabia que era inútil. Ouvi passos pesados subindo a escada, vozes cheias de ódio. A porta tremeu com o impacto dos chutes.
"Abra a porta, sua desgraçada! Você vai pagar pelo que seu marido fez!"
A madeira estalou e cedeu. Um grupo de homens e mulheres com os olhos injetados de dor e raiva invadiu o quarto. Eu recuei até a parede, tremendo, sem ter para onde fugir. Uma mulher, chorando histericamente, me mostrou a foto de uma menina. "Minha filha morreu por causa do seu remédio imundo!" ela gritou. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, uma dor aguda e queimante atravessou meu abdômen. Olhei para baixo e vi o cabo de uma faca. O mundo começou a girar, as cores se misturando. Caí no chão, o sangue se espalhando pelo tapete claro. Minha última visão foi o rosto distorcido de ódio daquelas pessoas. Meu último pensamento foi um lamento amargo, "Se eu pudesse voltar... eu viveria apenas para mim".
Uma luz ofuscante. E então, escuridão.
Abri os olhos, ofegante. Onde eu estava? Era meu antigo quarto, na casa dos meus pais. A luz do sol entrava pela janela, o cheiro de café vindo da cozinha. Sentei-me na cama, confusa. Minhas mãos, meu corpo... sem ferimentos. Olhei para o calendário na parede. A data me fez congelar. Era uma semana antes do meu casamento com Pedro. Eu tinha renascido. A sensação de choque foi tão intensa que quase vomitei. Era real. Eu tinha uma segunda chance.
A porta do quarto se abriu e Pedro entrou, sem bater, como sempre fazia. Ele usava um terno impecável e seu sorriso era charmoso, mas seus olhos eram frios. Os mesmos olhos frios que me assombraram por cinco anos.
"Estrela Guia, você ainda não está pronta? Temos que encontrar meus pais para o almoço", ele disse, o tom de voz casual, como se estivesse falando com uma funcionária.
Ouvir aquele apelido, "Estrela Guia", me causou um arrepio. Na vida passada, eu achava poético. Agora, soava como uma piada cruel. Eu era apenas um guia, um acessório para iluminar o caminho dele, enquanto a verdadeira estrela do seu céu era Sofia. A decepção e a dor da vida passada voltaram com força total, mas desta vez, misturadas com uma clareza fria.
Eu o encarei, a decisão se formando dentro de mim, sólida e inabalável.
"Pedro, nós precisamos cancelar o casamento."
Ele me olhou, primeiro com surpresa, depois com um leve divertimento, como se eu tivesse contado uma piada sem graça. "Não seja boba. Minha mãe e a sua ficariam arrasadas. Pare de fazer drama e se arrume."
Ele nem sequer perguntou o porquê. Ele não se importava. Para ele, meus sentimentos eram apenas um inconveniente. Naquele momento, todo o amor que eu um dia senti por ele se transformou em cinzas. Eu não ia repetir os mesmos erros. Não desta vez.
"Eu não estou fazendo drama. Eu não vou me casar com você", eu disse, minha voz firme, sem um pingo de hesitação.
Ele franziu a testa, a irritação finalmente aparecendo em seu rosto. "O que deu em você? É por causa da Sofia? Já te disse que ela é como uma irmã para mim."
A menção de Sofia foi como jogar sal na ferida. Ele era cego, completamente cego. Ou talvez ele simplesmente não se importasse em mentir.
"Isso não tem nada a ver com a Sofia", menti. "Tem a ver comigo. Eu não quero mais essa vida."
Ele riu, um som seco e sem humor. "Que vida? Você nem começou a viver. Agora ande logo, estamos atrasados." Ele se virou e saiu do quarto, confiante de que eu o seguiria como um cachorrinho obediente.
Mas eu não o segui. Fiquei ali, parada, sentindo a raiva e a determinação pulsando em minhas veias. Peguei meu celular. Meus dedos tremeram um pouco, mas não de medo. Era de excitação. Rolei pelos contatos até encontrar o número que eu não discava há anos. Chef Dubois, minha antiga mentora. Ela sempre acreditou no meu talento.
O telefone tocou duas vezes antes que ela atendesse, a voz com um forte sotaque francês.
"Alô?"
"Chef Dubois? Sou eu, Estrela", minha voz saiu um pouco embargada.
"Estrela! Mon Dieu! Há quanto tempo! O que aconteceu com você, menina? Pensei que tinha desistido da cozinha."
"Eu nunca desisti", eu disse, as lágrimas finalmente caindo, mas eram lágrimas de alívio, de esperança. "Chef, aquela competição internacional em Paris... a inscrição ainda está aberta?"
Houve uma pausa do outro lado da linha. O casamento seria em sete dias. A competição começava em oito. A urgência da situação me atingiu como um soco. Eu tinha pouco tempo.
"Estrela, a inscrição fecha amanhã ao meio-dia", disse a Chef Dubois. "Você tem certeza?"
"Absoluta", respondi, secando as lágrimas. "Eu vou."
Eu ia viver por mim mesma. E meu primeiro passo seria reconquistar meu sonho.