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Aquele não era bem um passeio turístico. Dentro daquela lata
velha – com sofás rasgados, odor de mofo e pequenas crateras no
piso oriundas da ferrugem, por onde se via nitidamente o asfalto
a correr –, não havia cicerones, e sim bandidos. O guia não estava
ali para mostrar as atrações da cidade, mas para intimidar ao má-
ximo a sua vítima. Mostrar quem estava no comando.
- Faz esse filho da puta falar a senha do cartão. A gasolina
vai acabar, porra! – gritava Lúcia com seu charuto poluindo o
meio ambiente, quase lhe saltando pela boca – bem diferente daquela sogra amável e cortês que recebera Roberto no aeroporto.
O velho Chevrolet Opala entrou em alta velocidade numa
curva e Dirce, ainda com a arma apontada para a cabeça do sequestrado, disse em tom debochado:
- Tem jeito não, tia. Vamu tê que "apagá" esse desgraçado
aqui mesmo.
- Vamos levar ele pro barraco! Lá, ele vai ter que "cantar"
– sugeriu Lúcia com o carro já próximo de um matagal.
- Tomara que esse maldito tenha muito dinheiro pra compensar o trabalho que tá dando – disse Carlão.
Dirce concordou, enfática:
- Tomara mesmo! E que dê, pelo menos, pra pagar o tempo que fui obrigada a ouvir o monte de merda que esse miserável
cuspia pelo telefone – completou, pressionando o gatilho.
- Pelo amor de Deus, não me mate!!! – implorou Roberto,
apertando os olhos.
- Então fala a senha do cartão, porra!!!
E foi assim que, horas depois, Roberto, de apaixonado a refém, estava metido num barraco sujo e fétido, dormindo ao ladode ratos e baratas. Dali, através da fresta da porta, podia observar
uma luz intermitente vinda de um computador em que Amanda,
sentada numa cadeira de rodas, teclava em busca de um novo otá-
rio. A próxima vítima. Ou ela estava em busca de um novo namorado, já que de seu "ex", Roberto, ela não tinha mais notícias.
Será que Amanda também era bandida? Quem sabe? Hoje
em dia não se pode duvidar de nada. Por certo, ela vigiava o
cativeiro enquanto seus comparsas davam um jeito de sacar ou
gastar o máximo de dinheiro; Roberto, por sua vez, preparava-se
para o pior. Havia passado a senha errada do cartão para seus sequestradores e, quando voltassem, certamente não o perdoariam.
Estava cansado. Tudo que ele queria era tomar um banho
quente, matar a saudade de comer um pastel de queijo, tomar
um caldo de cana e depois descansar em uma cama macia. A
viagem tinha sido longa. Ele precisava dormir. Mas como fazer
isso naquele lugar tão imundo? Gritar por socorro, nem pensar.
O jeito era esperar.
Foi aí que, como um milagre, ele sentiu uma fresta de luz
em seus olhos. A porta de seu cativeiro se abriu. Diante dele, a
imagem frontal daquela com quem teclou durante mais de um
ano: a verdadeira Amanda. "Sim, é ela mesma!", pensou Roberto emocionado.
Apesar de esconder sua limitação física, Amanda postava
sua verdadeira foto em seu perfil – rosto bonito, cabelos loiros,
pele clara, olhos azuis, corpo perfeito da cintura pra cima. Estava sentada em uma cadeira de rodas eletrônica, controlada por
botões. Roberto já sabia que ela não conseguia se comunicar.
Por isso, ele entendeu que, dali pra frente, o único meio de comunicação seria a linguagem de sinais.
O primeiro sinal foi com os olhos. Ela olhou em direção à
porta. Roberto entendeu: o caminho estava livre. Depois, fez um
segundo sinal, indicando para a esquerda. Naquela direção, ele
avistou seus poucos pertences sobre um criado-mudo; motiva-do, foi até lá. Não havia mais os cartões. No entanto, todos os
seus documentos pessoais estavam ali. "O resto, Deus ajeita",
pensou.
- Obrigado, Amanda! – disse, dando um beijo carinhoso
nos lábios delicados da moça que, emocionada, pronunciou uma
nova frase que havia aprendido:
- Te... a... mo.
Logo depois, o rapaz franzino saiu em disparada. Passando
por um terreno baldio, chegou a uma mata.
Por volta das oito e meia da noite, Roberto finalmente avistou uns faróis. Estava em algum ponto de uma via expressa.
"Ufa! Dessa escapei por pouco", pensou, aliviado.
Andou alguns metros até conseguir uma carona que o deixasse próximo ao terminal rodoviário. Lá, compraria uma passagem com destino a Belo Horizonte, onde pegaria outro ônibus
para sua terra natal, Governador Valadares. Dinheiro não seria
problema. Felizmente, levava consigo alguns dólares escondidos na roupa de baixo, que os larápios não deram conta.
***
Roberto chegou ao Terminal Rodoviário de Goiânia ao entardecer. Primeiro, registrou um B.O.14 em um posto policial.
Depois, procurou uma agência de câmbio para trocar os dólares.
Por fim, chegou ao guichê para comprar sua passagem.
- Só tem pra amanhã – informou a atendente. – Mas você
pode tentar comprar na hora, no terminal de embarque. Sempre
tem alguma desistência. Roberto seguiu imediatamente para lá.
Chegando ao terminal de embarque, percebeu um sujeito
falando ao celular que desistira de viajar. "Essa é minha chance,
não posso deixar escapar."- Ei, amigo! – tocou o tal sujeito no ombro. – Poderia vender sua passagem pra mim?
- Só se for agora – respondeu afirmativamente.
Pouco depois, Roberto estava dentro do confortável ônibus,
com ar condicionado. Sentou-se na poltrona do canto. Através
das gotas de orvalho que escorriam pela janela, observou as
pessoas na área de desembarque. Algumas delas retirando suas
coisas no bagageiro. Pais e filhos, irmãos, amigos, casais apaixonados... um vai, outro chega. A vida, seus encontros e despedidas. "É, e eu aqui, sozinho, sem pai, sem mãe, sem amigos...",
pensou, desanimado, prevendo como seria quando chegasse a
Governador Valadares, um estranho em sua própria terra, sem
ninguém à sua espera. "Amizade é como planta, deve ser cultivada." Assim dizia o ditado, mas Roberto só tinha amigos virtuais, aos milhares, pessoas que ele nunca viu pessoalmente, mas
que curtiam suas fotos, escreviam comentários e até se solidarizavam com ele nos momentos difíceis. Porém, nenhum deles
poderia lhe dar as boas-vindas.
Filho único, seus pais já haviam partido. A grande maioria de seus amigos e parentes foi tentar a vida no exterior; dos
poucos que ficaram, tinha perdido o contato. Restava-lhe agora
o difícil recomeço; novo lugar, novas amizades e, quem sabe,
nova família.
"O importante agora é aprender com as lições do passado e
fazer de tudo para não errar outra vez", pensou. Em seguida, inclinou o assento ao máximo e, minutos depois, adormeceu. Estava tão exausto que praticamente dormiu toda a viagem. Apenas
acordou com o motorista sacudindo seu ombro.
- Ei, rapaz. A viagem termina aqui.
- Já chegamos a Belo Horizonte? – perguntou Roberto.
- Belo Horizonte?! – indagou o condutor encabulado. –
Estamos em São Paulo, capital. Aqui é a parada final.
"Putz! E agora?".