Capítulo 5 Cap4

Nada como um dia após o outro.

Então, em vez de lamentar, Roberto viu naquele erro uma

oportunidade. E assim se instalou na capital paulista. Encontrou

um hotel, próximo do terminal, e por lá pernoitou.

Pela manhã, andou pela cidade; foi ao shopping, comprou

roupas e perfume. À noite estava pronto pra balada. Um último

retoque no cabelo, pronto! Era só sair para o abraço, ou seja,

para a noite de São Paulo! O meio de condução escolhido foi o

Uber – transporte alternativo ao velho táxi, o qual, como vantagem, não tinha a temida "bandeira 2", que tanto encarecia as

corridas. O problema agora seria escolher o local aonde ir. Tarefa difícil para quem chega a uma megalópole como São Paulo,

meio perdido, sem saber o que fazer.

- Tem o Cabanas Boliche, no Bexiga. – sugeriu o motorista.

- É um bairro de imigrantes italianos, certo?

- Sim. E hoje é sexta-feira. Com certeza, vai estar lotado.

- Opa!... Então, vamos pra lá!

Não demorou muito e o veículo chegou ao local indicado.

Olhando aquela multidão do lado de fora, Roberto comentou,

desanimado:

- Acho que não encontrarei mesa.

- Entre lá e terá uma surpresa.

Logo que saiu do carro, questão de segundos, Roberto virou-se para pedir ao motorista que o aguardasse. Para sua surpresa, o carro não estava mais ali, misteriosamente sumiu.

Quando adentrou o local – um ambiente à meia-luz em

agradável decoração retrô, com carros antigos e cartazes da

década de 50 do século passado –, foi recebido por uma belaatendente, de rosto e olhos claros, cabelos negros e sorriso

perfeito.

- Boa noite! Seja bem-vindo ao Cabanas Boliche, lugar da

boa comida e da boa música! Em que posso ajudar?

- Gostaria de escolher uma mesa... mas parece que vai ser

impossível – disse o tímido rapaz. O local estava tão lotado que

mal podia se mexer.

- Parece que você está com sorte. Tem uma mesa desocupando ali perto do caixa.

Roberto então acompanhou a moça.

- É a primeira vez que vem ao Cabanas? – perguntou a

atendente, que era realmente linda.

- Sim. Sou, digamos, turista.

- Hum... veio de onde?

- Estados Unidos.

- Nossa! Meu sonho é conhecer Nova Iorque! – disse ela,

enquanto ajeitava a mesa.

- Quando o lugar é bom a gente nunca esquece. Eu morava em Boston. Conhece?

- Hum... Já ouvi falar... – Em seguida, a moça entregou-

-lhe o cardápio e perguntou: – O que vai beber?

- Algo bem brasileiro, e que não seja alcoólico – disse Roberto.

- Temos açaí, especialidade da casa.

- Pode ser.

- Algo mais? – perguntou ela, olhando compenetradamente nos olhos de Roberto, que ficou estático.

"Meu Deus! Será?"... pensou ele, impressionado com a

atendente que tinha praticamente a mesma fisionomia de Amanda, sua ex-virtual, diferenciada apenas pela cor dos cabelos, intensamente negros.

- Algum problema? – quis saber a garçonete, trazendo Roberto para a realidade.

- Não. Tudo bem. Só estou um pouco cansado – respondeu ele, no momento em que tocava a música "Don't Stop Believing", do grupo Journey.

Bastou a moça se retirar para Roberto sair novamente do

mundo real, pensando em sua antiga paixão cibernética: cabelos

loiros, rosto bonito, pele sensível e macia. Isso ele pôde comprovar quando colocou a mão em seu rosto, no dia em que ela o

libertou do cativeiro. Jamais esqueceria aquele momento, a troca

de olhares, o beijo sincero e, por fim, as palavras de amor ditas

com dificuldade, mas parecendo bem verdadeiras.

Infelizmente Roberto não pôde levar adiante aquele relacionamento, não pela incapacidade física da menina, que vivia em

uma cadeira de rodas, mas devido ao relacionamento dos dois

ter sido baseado em uma mentira montada por uma quadrilha

que tinha como principal finalidade extorqui-lo e que, de certa

forma, teve a conivência de Amanda, sua ex-namorada virtual.

Talvez um dia ela entenda que o melhor a fazer é se libertar,

denunciar os crimes dessa quadrilha que, infelizmente, é formada por sua própria família e, por último, se apresentar ao mundo

virtual como ela realmente é. Só assim ela poderá encontrar um

verdadeiro amor. Já o Roberto estava prestes a encontrar o seu.

Uma garçonete que ele nem sabia o nome.

Aquele momento de sublime atração seria uma conspiração

do universo, com direito a uma revoada de anjos prontos para

flechar aqueles dois corações? Ou uma simples coincidência,

obra do acaso, podendo ser ainda a possibilidade de mais um

fracassado encontro? Seja lá o que for, ele só saberia se tentasse.

Assim, durante o tempo em que esteve ali, não escondeu suas

intenções, lançando olhares constantes para a bela moça, tendo

na primeira oportunidade iniciado uma aproximação, contando,

dentre outras coisas, um pouco de sua tragédia.

- Olha! Já vi sogra não gostar de genro, mas, desse jeito,

é a primeira vez! – brincou a moça ao saber sobre Lúcia, a ex-

-sogra golpista de Roberto. – Vou atender outra mesa. Mas, pre-cisando de mais alguma coisa, é só me chamar – dizendo isso,

deu uma piscadinha pro rapaz.

Enquanto a bela garçonete se distanciava, passou ali por

perto um senhor bigodudo, com uma pança enorme (quase saindo da camisa), falando uma conversa muito estranha ao telefone.

- Coisa de primeira... tenho certeza de que o senhor ficará

muito satisfeito. Me dá uns quinze minutinhos que mando levar

aí...

De costas para Roberto, o sujeito caminhava, olhando ao

redor, até localizar quem ele procurava.

- Amanda!!! Poderia dar uma chegadinha no meu escritó-

rio, por favor?

"Amanda, ela se chama Amanda! Meu Deus! Isso é coisa

do destino!", pensou Roberto, eufórico, ao ver que se tratava da

bela atendente de sua mesa.

Coincidentemente, naquele exato momento, começou a tocar a música "Amanda", do grupo Boston. No mesmo instante,

Roberto atendeu o seu celular, que acabara de tocar.

- Oi, Zé! Tava precisando falar contigo. Pegou minha

mensagem?

- Peguei agorinha. Ontem não pude atender. Trabalhei a

noite toda limpando supermercado. Cara, aqui tá um frio de doer

os ossos.

Naquele momento, Zé tomava seu café enquanto aguardava

o ônibus para ir ao seu outro trabalho, um part-time15 na Sullivan

Station, em Somerville, sob um frio de 25 graus negativos.

- Passei maus bocados ontem. Por isso te liguei, pra desabafar – disse Roberto.

- Pela sua mensagem, deu pra imaginar. Dessa vez você

passou dos limites, garoto. Onde já se viu? Você já parou pra

pensar que a essa hora poderia estar morto?

- "Morrer de amor é viver dele..."1- Lá vem você com essas frases de livros...

- Tá bom, tá bom – sorriu. – Eu disse isso só pra descontrair um pouco nossa conversa. Mas já tomei jeito. E, olha, vou

te dizer uma coisa: namoro virtual nunca mais!

- Espero mesmo. E depois dessa lição tomara que tenha

chegado ao fim sua busca por Amanda...

- Sei não, amigo. Acho que ela acaba de recomeçar... –

disse Roberto no momento em que a garçonete Amanda retornava do escritório do patrão.

- Hã?! Como assim? – perguntou o Zé, do outro lado do

telefone, sem entender nada.

- Depois te conto as novidades. Um abraço!

"Ai, ai, ai... lá vai ele se meter em confusão de novo", pensou Zé, do outro lado, desligando o celular.

- Falando com a namorada?... – perguntou Amanda, curiosa.

- Um amigo apenas – respondeu Roberto.

Do caixa, o senhor bigodudo chamou novamente:

- Amanda, não demore, o cliente está esperando.

- Tô indo, senhor Paco! – Voltando-se para Roberto, ela

disse: – Tenho que dar uma saidinha... Com licença... Volto já.

Duas horas se passaram e a moça simplesmente desapareceu. Roberto começava a ficar preocupado. Foi aí que uma atendente loira se achegou para servi-lo.

- Posso ajudar?

- Ah, sim! A moça que estava me atendendo sumiu... Sabe

por onde ela anda?

- Possivelmente ela deve estar em outra estação; trabalhamos com rotatividade de atendentes.

- Ah, tá. Eu gostaria de fechar a conta.

- Posso fechar pra você.

De repente, Amanda surgiu por detrás da tal loira e disse:

- Pode deixar, minha querida! Eu atendo... aliás, depois

você me explica essa tal "rotatividade de atendentes".- Ah, é algo novo que pensei em testar com os clientes... –

justificou-se a moça, sem graça.

- Então vai testar isso lá pro diabo que te carregue!

A loira saiu com a cara fechada.

- Onde você estava? – perguntou Roberto para Amanda,

em tom sério.

- Olha! Isso é um assunto particular... Não gostaria de falar sobre isso agora... quem sabe em outra hora... – disse, meio

desconcertada.

- Tudo bem. Se não quer falar, é um direito seu. Gostaria

de pagar a conta. Quanto deu?

- São 50 reais. – Após receber o dinheiro, ela perguntou

ao rapaz: – Conversamos por horas e não me disse o seu nome.

- Roberto.

- Prazer, Amanda. Já deve saber meu nome, por certo.

- Sim. Ouvi seu patrão te chamar. Aliás, sobre isso, tenho

uma coisa muito interessante para te contar.

- Sério? Então me conta, que estou curiosa...

- É uma história muito longa... prefiro falar em outro lugar, quem sabe em um jantar? Poderia me passar o número do

seu celular?

- Claro que não! Isso é antiprofissional. Nem meu amigo

você é. Se quiser ir a um local para sair com a atendente, procure

um cabaré.

Já não havia quase ninguém no salão. Apesar disso, o rapaz

ficou profundamente sem graça quando percebeu que os poucos que ali estavam testemunharam o tremendo fora que ele havia levado. Enquanto isso, Amanda foi ao caixa. Pouco depois,

voltou com uma expressão séria e, de forma bem profissional,

entregou-lhe o troco e o cupom fiscal.

- Olha, sinceramente me desculpe – disse Roberto, sem

graça.

Em seguida, saiu cabisbaixo e, do lado de fora, pensou:"Droga, dei a maior atenção para ela, e o que levei? Um pé no

traseiro. Nunca mais volto a esse lugar".

Ia amassar o papel do cupom fiscal quando, repentinamente, percebeu que havia um bilhete dentro dele: "Desculpe a encenação. Meu patrão estava de olho na gente. Aceito seu convite

pra jantar. Me liga amanhã... (seguido do número do telefone)

Amanda".

Ia amassar o papel do cupom fiscal quando, repentinamente, percebeu que havia um bilhete dentro dele: "Desculpe a encenação. Meu patrão estava de olho na gente. Aceito seu convite

para jantar. Me liga amanhã... (seguido do número do telefone)

Amanda".

                         

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