Capítulo 2 O Câncer e o Abandono

Capítulo 2 – O Câncer e o Abandono

Os corredores do hospital tinham aquele cheiro gelado de limpeza que grudava na pele como um lembrete constante de que ali se tratava mais de sobrevivência do que de cura.

Júlia caminhava devagar, apoiando-se na parede como se seus ossos estivessem prestes a se desmanchar.

Era a terceira sessão de quimioterapia.

E, mais uma vez, ela estava sozinha.

Rodrigo dissera que "tentaria ir", mas como nas vezes anteriores, não apareceu. Nem ao menos mandou mensagem. Bárbara, por sua vez, simplesmente sumira.

Desde que Júlia confessara seu diagnóstico com voz embargada, a "melhor amiga" se tornara cada vez mais difícil de encontrar sempre "ocupada", sempre "correndo com o trabalho".

Sentada na poltrona fria da sala de aplicação, Júlia sentia o soro pingar lentamente no cateter enfiado em seu braço. O líquido gelado queimava, mas o que doía mesmo era o vazio.

Ela olhou para o lado. Uma senhora de cabelos grisalhos cochilava, com uma filha segurando sua mão. Na poltrona seguinte, um adolescente ouvia música com os olhos fechados, e o pai acariciava seus cabelos curtos.

Todos tinham alguém. Todos, menos ela.

Fechou os olhos, lutando contra as lágrimas. Ela não chorava pela dor física, nem pela náusea constante, nem pelos enjoos que a deixavam deitada por horas. Chorava pela ausência.

Pela indiferença. Pela certeza de que, se morresse ali, naquele momento, Rodrigo não sentiria falta.

Bárbara talvez soltasse uma lágrima falsa em algum velório abafado, e no dia seguinte tomaria café da manhã com ele, rindo da nova liberdade.

Foi ali, naquela poltrona de hospital, com o corpo enfraquecido e a alma em ruínas, que Júlia começou a se perguntar o que fizera para merecer tudo aquilo. Sempre fora leal. Sempre colocara os outros em primeiro lugar. Sempre cedeu. Sempre perdoou.

Mas o mundo não recompensava a bondade. Recompensava os espertos. Os frios. Os que sabiam jogar.

- Você está se sentindo bem? - perguntou uma enfermeira gentil, aproximando-se com um sorriso preocupado.

- Estou - mentiu ela, devolvendo um sorriso frágil.

No caminho de volta para casa, o mundo parecia girar mais rápido do que suas forças podiam acompanhar. O metrô estava lotado, o sol pesava sobre sua cabeça raspada coberta apenas por um lenço azul, e cada passo doía.

Ao entrar no apartamento, sentiu de imediato o perfume amadeirado de Rodrigo misturado ao mesmo doce que sentira dias antes. Ela congelou.

Não estava sozinha.

Do corredor, escutou uma risada feminina abafada, seguida por um sussurro masculino.

O coração de Júlia batia devagar, pesado. Não precisava ver. Já sabia. Ele a trouxera para casa.

Ela caminhou até a porta do quarto, que estava entreaberta, e viu o suficiente.

Bárbara, deitada na cama que foi deles. Rodrigo por cima, os dois rindo como adolescentes apaixonados. E, por um instante, Júlia não sentiu raiva. Sentiu apenas... um silêncio absoluto dentro de si. Como se algo tivesse morrido ali. E talvez tivesse mesmo.

Ela se afastou sem fazer barulho. Trancou-se no banheiro, encarou o próprio reflexo por longos minutos. As olheiras, o lenço cobrindo os cabelos que já caíram, a pele pálida, os olhos fundos.

- Eu estou morrendo - sussurrou para o espelho. - E ninguém se importa.

Ali, sentada no chão frio do banheiro, Júlia tomou uma decisão. Não iria mais implorar por amor, nem por compaixão. Se a vida não lhe dava escolha... então ela faria as suas próprias regras.

Se o destino ousasse lhe dar outra chance, ela reescreveria cada passo.

Cada. Um. Deles.

            
            

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