Passos correram pelo corredor. Portas se abriram. Vozes de enfermeiras e médicos se sobrepuseram, urgentes e confusas.
"O que aconteceu?"
"É o cachorro dela!"
"Meu Deus, o que é isso?"
Eu podia ouvir os soluços desesperados de Mariana, quase como um animal ferido.
"Prince! Prince, o que há de errado com você, meu bebê?!"
Eu fechei os olhos por um momento, imaginando a cena. Imaginei o pequeno cachorro, o amado Prince, se contorcendo no chão. Eu não sabia exatamente o que havia no suco, mas pela reação, era algo rápido e devastador. Na minha vida passada, a dose que tomei foi diluída, projetada para me enfraquecer lentamente. A dose concentrada que o cachorro ingeriu teve um efeito muito mais dramático.
Mais gritos. Desta vez, da minha tia Clara.
"Filha, se acalme! Alguém ajude!"
O caos aumentou. Ouvi o som de um carrinho de emergência sendo empurrado às pressas, o barulho metálico ecoando pelo corredor. Eles provavelmente pensaram que um paciente estava passando mal, apenas para encontrar um cachorro em agonia.
"Saiam da frente! O que está acontecendo aqui?" A voz de um médico, firme e irritada.
"É o meu cachorro! Ele está morrendo! Façam alguma coisa!" Mariana gritava, sua voz rouca de desespero.
"Senhora, este é um hospital. Não podemos tratar um animal aqui. Por favor, retire-se do corredor."
"Não! Eu não vou a lugar nenhum sem ele! Prince!"
Eu me levantei e caminhei lentamente até a porta, abrindo uma pequena fresta para espiar.
A cena era exatamente como eu imaginei, só que pior.
Mariana estava de joelhos no chão, o cabelo bagunçado, o rosto coberto de lágrimas e ranho. Ela segurava o corpo mole de Prince, que tremia violentamente. Uma espuma branca saía de sua boca, e seus olhos estavam vidrados. Seus pelos, antes tão bem cuidados, pareciam opacos e sem vida.
Minha tia Clara tentava puxá-la, mas Mariana se agarrava ao cachorro com uma força desesperada. Enfermeiras e alguns curiosos de outros quartos formavam um círculo ao redor delas, chocados e sem saber o que fazer. A equipe de segurança do hospital chegou, tentando controlar a situação.
"Senhora, por favor, levante-se. A senhora está perturbando os pacientes."
"Ele comeu alguma coisa," Mariana balbuciou, olhando para as mãos, como se a resposta estivesse ali. "Ele estava bem há um minuto... ele comeu alguma coisa..."
Seus olhos, selvagens de pânico, varreram o corredor e por um instante, encontraram os meus através da fresta da porta.
Havia confusão em seu olhar. Suspeita. Mas como ela poderia provar? Eu estava no meu quarto o tempo todo. Eu era a vítima frágil, recém-saída de um parto. Ninguém jamais suspeitaria de mim.
Aquele momento de contato visual foi quebrado quando o corpo de Prince deu um último espasmo e ficou imóvel.
Um silêncio terrível caiu sobre o corredor, quebrado apenas pelo choro de Mariana. Um choro baixo, gutural, o som de uma perda real e profunda. Por um momento, eu quase senti pena dela. Ela amava aquele cachorro.
Mas então eu me lembrei do olhar dela para o meu filho. Lembrei-me da minha vida de miséria nas ruas. Lembrei-me da minha morte solitária.
Qualquer vestígio de pena se transformou em gelo.
Ela estava apenas provando uma pequena fração da dor que me causou. E isso era só o começo.
Fechei a porta suavemente, antes que alguém notasse que eu estava observando.
Voltei para a minha poltrona, peguei meu celular e disquei o número da enfermaria.
Uma enfermeira atendeu, a voz ofegante. "Enfermaria do terceiro andar, pois não?"
"Olá," eu disse, minha voz soando sonolenta e um pouco irritada. "Aqui é Sofia do quarto 304. Está tudo bem aí fora? Há uma gritaria, está difícil descansar."
"Oh, Sra. Sofia, me desculpe pelo barulho," disse a enfermeira, apressada. "Tivemos um... incidente infeliz no corredor. Já estamos resolvendo. Desculpe pelo incômodo."
"Incidente? Alguém se machucou?" Eu perguntei, injetando a quantidade certa de preocupação na minha voz.
"Não, não um paciente. Foi... um animal de estimação de uma visitante. Mas está tudo sob controle agora. Por favor, tente descansar."
"Ah, entendi," eu disse. "Que estranho. Bom, obrigada por avisar."
Desliguei o telefone.
Recostei-me na poltrona confortável. Do lado de fora, o caos começava a diminuir, substituído por murmúrios e pelo som de Mariana sendo levada, provavelmente para uma sala de espera para se acalmar.
Eu olhei para o berço onde meu filho dormia, sereno e seguro.
Ele estava a salvo.
Eu estava no controle.
O primeiro ataque de Mariana falhou. E o meu primeiro contra-ataque foi um sucesso absoluto.
Um sorriso lento se formou em meus lábios. Eu estava em meu confortável quarto de hospital, enquanto Mariana, a grande predadora, estava lá fora, de joelhos, chorando a morte do único ser que ela talvez tenha amado de verdade.
A vingança era mesmo um prato delicioso.