"Isso é impossível, meu filho acabou de nascer, como a vaga dele pode ter sido usada?"
O funcionário hesitou, depois virou a tela do computador em sua direção.
"A matrícula foi feita com o seu registro de família e a escritura da sua casa, a responsável é a senhora, Sofia, e a criança matriculada é..."
Ele clicou em algo, e um nome apareceu na tela, fazendo o ar desaparecer dos pulmões de Sofia.
"Laura, filha da senhora Clara."
Clara, a colega de trabalho de André, o médico brilhante que era seu marido. Clara, a mãe solteira por quem André sempre pedia que Sofia tivesse compaixão.
Sofia voltou para casa como um autômato, o bebê dormindo tranquilamente em seu colo, alheio à tempestade que se formava no coração da mãe. Quando abriu a porta, encontrou André na sala, assistindo a um jogo de futebol, com uma cerveja na mão.
Ele sorriu ao vê-la.
"E aí, meu amor? Tudo certo? O nosso campeão já é oficialmente um Martins?"
Sofia colocou a bolsa do bebê no sofá com mais força do que o necessário, fazendo André franzir a testa.
"André, por que o nome da Clara e da filha dela estão no nosso registro de família?"
A pergunta saiu seca, direta, despida de qualquer emoção além da mais pura e fria incredulidade.
O sorriso de André vacilou, ele se ajeitou no sofá, desconfortável.
"Ah, isso? Foi só para ajudar, Sofia, a Clara estava com uns problemas, precisava comprovar residência para umas coisas, você sabe como é a burocracia."
"Comprovar residência para matricular a filha na escola do nosso bairro, André? Usando a vaga do nosso filho?"
A voz dela subiu um tom, a calma começando a se estilhaçar.
André se levantou, tentando se aproximar, mas Sofia recuou um passo.
"Calma, amor, não é bem assim, foi só um ato de caridade, a menina não tinha chance de entrar numa escola boa, pense nisso como uma boa ação."
Ele tentou tocar o braço dela, mas seu tom era condescendente, como se estivesse explicando algo óbvio para uma criança.
"Caridade?", Sofia riu, um som sem alegria. "Você chama de caridade usar o futuro do nosso filho para beneficiar a sua colega? Você colocou uma estranha e a filha dela nos nossos documentos, na nossa casa, sem me perguntar, e eu sou a chefe de família nesses papéis, André!"
"Não fale assim da Clara, ela é uma boa pessoa, está passando por um momento difícil."
A defesa imediata dele foi a gota d'água, o mundo de Sofia, que já estava inclinado, desabou de vez. Ela se sentiu uma idiota, uma completa estranha em sua própria casa.
Sem dizer mais uma palavra, Sofia deu as costas, pegou a bolsa e as chaves do carro. André a seguiu, confuso.
"Onde você vai? Sofia, espera, vamos conversar."
"Eu vou resolver isso", ela disse, a voz agora firme como aço.
Sofia dirigiu diretamente para a delegacia de polícia mais próxima, o bebê ainda dormindo no banco de trás. Com uma calma assustadora, ela preencheu um Boletim de Ocorrência, relatando o desaparecimento do seu registro de família e da escritura da casa. Perda ou furto, ela não tinha certeza, mas o resultado legal seria o mesmo.
Depois da delegacia, seu próximo destino foi o cartório onde registrara o filho horas antes.
"Boa tarde, eu gostaria de fazer uma retificação no registro", disse ela ao mesmo funcionário que a atendera mais cedo.
O homem a reconheceu e a olhou com curiosidade.
Sofia empurrou a certidão de volta para ele pelo balcão.
"Quero mudar o sobrenome do meu filho, ele não vai mais se chamar André Martins."
"Qual será o novo nome, senhora?"
Sofia respirou fundo, sentindo um peso enorme sair de seus ombros e ser substituído por uma determinação gélida.
"Ele vai levar o meu sobrenome, apenas o meu."
Naquela noite, ao voltar para casa, encontrou André andando de um lado para o outro na sala, o rosto contorcido de preocupação e raiva. Ele não disse nada quando ela entrou. Sofia subiu para o quarto, cuidou do filho e o colocou para dormir no berço.
Ela olhou ao redor do quarto que dividia com André, as fotos do casamento na parede, os presentes que trocaram, as memórias de uma vida que parecia agora pertencer a outra pessoa. Uma tristeza profunda a invadiu, uma dor pela perda não só da confiança, mas de tudo que eles construíram juntos. Ela se lembrou do dia em que se casaram, da promessa dele de que ela seria sempre sua prioridade, seu mundo.
Com os olhos cheios de lágrimas que se recusava a derramar, Sofia tirou a aliança de casamento do dedo, o ouro parecendo frio e pesado. Ela caminhou até o lado de André na cama e colocou a aliança sobre o travesseiro dele, um aviso silencioso, um ponto final que ele ainda não conseguia ver.