"Eu não causei confusão nenhuma, André, eu apenas relatei o desaparecimento dos meus documentos, o que é verdade, já que eu não sabia onde eles estavam, nem que você os tinha entregue para a sua colega."
"Não é 'colega', Sofia, o nome dela é Clara! E ela é uma mãe solteira, uma mulher lutando para dar uma vida melhor para a filha! Você não tem um pingo de compaixão? Tudo isso por causa de uma vaga na escola? Nosso filho nem tem idade para ir para a escola ainda!"
A maneira como ele a acusava, como defendia Clara com tanta paixão, transformou a tristeza de Sofia em uma náusea gelada. Ele estava tentando fazê-la parecer a vilã, a mulher mesquinha e sem coração.
"Ela não é uma coitadinha, André, ela é uma mulher que usou meus documentos e minha casa para conseguir algo ilegalmente, e você foi cúmplice disso."
"Cúmplice? Eu estava fazendo caridade! Algo que, aparentemente, você não entende o que é! Eu esperava mais de você, Sofia, achei que você tivesse um coração maior."
As palavras dele a atingiram, não como uma facada aguda, mas como um peso que esmagava seu peito lentamente. Ele não via o que tinha feito, não entendia a profundidade da sua traição. Para ele, a dor dela era um exagero, um capricho egoísta.
"Você esperava mais de mim?", ela finalmente respondeu, a voz baixa e perigosa. "Eu esperava respeito de você, André, esperava que meu marido, o pai do meu filho, me consultasse antes de colocar o nome de outra mulher e outra criança em nossos documentos de família, documentos dos quais eu sou a titular, a propósito."
"É só um pedaço de papel!"
"Não, não é! É a nossa vida, a nossa segurança, o futuro do nosso filho! Mas parece que a única coisa que importa para você é bancar o salvador da Clara."
Ela fez uma pausa, respirando fundo antes de dar o golpe final.
"A propósito, espero que você e a Clara encontrem um bom advogado, vocês vão precisar, porque a polícia levou a sério a minha denúncia de falsidade ideológica e uso de documento alheio."
Um silêncio pesado caiu do outro lado da linha, Sofia podia quase ouvir os pensamentos frenéticos de André.
"O que... o que você está dizendo?"
"Estou dizendo que a sua 'caridade' pode ter consequências criminais, e como a escritura da casa e o registro de família estavam em meu nome, eu sou a vítima no processo, vocês são os suspeitos."
O som da respiração pesada dele era o único ruído. Depois de alguns segundos, ele desligou o telefone na cara dela, sem dizer mais uma palavra.
Sofia olhou para o celular em silêncio, uma sensação amarga de vitória se misturando ao vazio em seu peito. Ela sabia para onde ele estava indo, sabia quem ele iria consolar. Ele não a escolheu, ele escolheu Clara.
Mais tarde naquele dia, ela recebeu uma mensagem de uma amiga que trabalhava na secretaria da escola do bairro.
"Amiga, você não vai acreditar na confusão que deu aqui hoje. Uma mulher, Clara, tentou finalizar a matrícula da filha, mas o sistema barrou por causa de uma denúncia na polícia, aparentemente os documentos eram roubados. A diretora teve que chamar a polícia escolar, foi um vexame."
Sofia leu a mensagem e um sorriso sem humor tocou seus lábios, era a confirmação de que sua ação tinha sido precisa e eficaz. Ela não sentiu alegria, apenas a satisfação fria de quem retoma o controle da própria vida.