O Recomeço de Sofia no Café
img img O Recomeço de Sofia no Café img Capítulo 1
2
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 1

O cheiro de terra molhada e café recém-coado era o perfume da minha vida agora. Enchia a cozinha da nossa casa de fazenda todas as manhãs, uma promessa simples e honesta de que o dia seria bom. Do lado de fora, eu ouvia a risada do meu filho, Miguel, de quatro anos, correndo atrás das galinhas no quintal, e o som dos passos firmes do meu marido, Lucas, que já lidava com o trabalho no campo.

Essa era a minha paz, construída com as próprias mãos, longe do barulho e do brilho falso de São Paulo.

Eu estava terminando de assar um pão de queijo quando o som de um motor diferente, potente e estranhamente fora de lugar, quebrou a sinfonia da manhã. Não era o barulho da caminhonete do Lucas, nem do trator, nem dos carros velhos dos vizinhos. Era um som liso, caro, arrogante.

Espiei pela janela da cozinha, secando as mãos no avental. Um sedã preto, tão brilhante que refletia as nuvens, parou em frente à nossa porteira de madeira. Por um momento, pensei que alguém tivesse se perdido, mas então a porta do passageiro se abriu.

Uma mulher desceu. Alta, magra, vestida com um terninho de linho bege que custava mais do que a nossa colheita de um mês. O cabelo perfeitamente alinhado, os sapatos de salto fino afundando um pouco na terra.

Meu coração parou. Eu a reconheci no mesmo instante.

Dona Clara Moraes. Mãe de Pedro.

Ela não deveria estar aqui. Ninguém daquela vida deveria estar aqui.

Ela me viu na janela e seu rosto, antes tenso, suavizou-se em um sorriso que não alcançou seus olhos. Ela caminhou com uma hesitação calculada até a porta da frente. Eu não me movi. Fiquei ali, paralisada, sentindo um frio que não vinha do clima.

Ela bateu na porta. Uma, duas, três vezes.

Respirei fundo, tirei o avental e fui abrir. O cheiro de café foi substituído pelo perfume caro dela, uma fragrância floral e invasiva que me transportou para cinco anos atrás, para um mundo que eu tinha me esforçado tanto para esquecer.

"Sofia. Eu sabia que te encontraria."

Sua voz era a mesma, suave, polida, com um tom de quem está acostumada a conseguir o que quer.

"Dona Clara. O que a senhora faz aqui?" Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.

Ela olhou por cima do meu ombro, para dentro da minha casa simples, com os móveis de madeira rústica e os desenhos de Miguel presos na geladeira. Seus olhos tinham uma mistura de pena e incredulidade.

"Eu preciso conversar com você. É sobre o Pedro."

O nome dele. Só o nome dele foi o suficiente para trazer tudo de volta. A igreja lotada, o vestido branco, o silêncio chocado, a humilhação pública.

"Nós não temos nada para conversar sobre o Pedro." Eu disse, minha mão já no batente da porta, pronta para fechá-la.

"Por favor, Sofia." A polidez em sua voz começou a rachar, revelando um desespero por baixo. "Ele não está bem. Ele precisa de você."

Eu ri. Foi um som curto, sem humor.

"Ele precisa de mim? Depois de tudo? A senhora tem ideia do que está dizendo?"

"Eu sei o que aconteceu," ela insistiu, dando um passo à frente. "Foi um erro terrível. Ele foi manipulado, todos nós fomos. Aquela mulher... a Patrícia... ela o destruiu. E agora ele está se destruindo."

Eu olhei para ela, para aquela mulher que um dia me chamou de "querida" enquanto planejava sutilmente minar minha carreira. A mulher que ficou em silêncio enquanto seu filho me destruía na frente de centenas de pessoas.

"Isso não é mais problema meu, Dona Clara. Eu tenho a minha vida agora."

"Que vida?" ela perguntou, o desprezo vazando em sua voz, olhando ao redor para a simplicidade da fazenda. "Isso? Você era para ser uma das maiores chefs do país. Desistiu de tudo por... isso?"

Naquele exato momento, como se o destino quisesse dar a resposta por mim, Lucas apareceu na porta dos fundos, tirando as botas sujas de barro. Ele sorriu ao me ver, um sorriso genuíno que aquecia tudo por dentro. Ao seu lado, Miguel correu na minha direção, com as bochechas vermelhas e um sorriso banguela.

"Mamãe, mamãe! A galinha botou um ovo azul!"

Eu me abaixei e o peguei no colo, beijando seu cabelo cheirando a sol. Miguel abraçou meu pescoço com força. Lucas se aproximou, colocou uma mão protetora nas minhas costas e olhou para a mulher desconhecida na nossa porta.

"Amor, está tudo bem?" ele perguntou, sua voz calma e grave.

Eu me levantei, com Miguel seguro nos meus braços. Olhei diretamente nos olhos chocados de Dona Clara, que encarava Lucas e Miguel como se fossem fantasmas.

"Está tudo ótimo." Eu disse, com a voz clara como cristal. "Dona Clara, este é Lucas, meu marido."

Lucas acenou com a cabeça, sério, sem estender a mão.

"E este," eu continuei, apertando meu filho um pouco mais forte, "é o Miguel. Nosso filho."

O queixo de Dona Clara caiu. A cor sumiu de seu rosto. A compostura de mulher rica e poderosa se desfez em um instante, deixando para trás apenas uma mulher mais velha, pálida e derrotada pela realidade.

"Marido? Filho?" ela sussurrou, as palavras mal saindo. "Mas... como? E o Pedro?"

"O Pedro," eu respondi, sentindo o peso de cinco anos de dor finalmente se transformar em força, "faz parte de um passado que não existe mais."

            
            

COPYRIGHT(©) 2022