Minha tia Lúcia veio me abraçar, apertando com força. Ela era uma figura tradicional, de bom coração, mas com a boca maior que o juízo.
"Você sumiu, menino! Cinco anos! Nem parece que cresceu aqui."
Meu primo Tiago, um pouco mais novo que eu, se aproximou com um sorriso torto. Um toque de inveja sempre esteve presente em seu olhar.
"E aí, primo. Cansou da vida longe? Voltou com o rabo entre as pernas?"
Ignorei a provocação. Estava acostumado com o jeito dele.
"Consegui uma transferência, Tiago. Um bom cargo."
Tia Lúcia me puxou para a mesa, me fazendo sentar.
"Que bom que voltou, meu filho. Sabe, outro dia mesmo eu encontrei a Sofia. Ela virou uma mulherão, sabia? Famosa na internet, linda de doer. Ela perguntou de você."
O nome dela bateu em mim com a força de uma porta se fechando na minha cara. Sofia. O ar ficou pesado. O barulho da sala pareceu diminuir.
Uma memória veio sem ser convidada. O dia em que tudo acabou. O dia em que eu tinha conseguido minha primeira grande chance, uma vaga de trainee na filial da TechCorp em outra cidade. Eu estava radiante, pronto para contar a ela, para dizer que nosso futuro estava começando.
Mas ela me esperava na praça, não com um sorriso, mas com uma expressão fria. Ao lado dela, estava Pedro, seu primo. Rico, influente, sempre me olhando de cima.
Sofia nem me deixou falar.
"Ricardo, eu não posso mais esperar por você. Você não tem nada. O Pedro, ele pode me dar o mundo."
Ela disse isso na frente de todos os nossos amigos. Cada palavra foi uma humilhação pública. O anel de noivado que eu planejava dar a ela parecia queimar no meu bolso.
Pedro sorriu, um sorriso vitorioso.
"Ela precisa de um homem, não de um projeto de homem."
Eu fui embora daquela cidade com o coração em pedaços e a humilhação gravada na pele. Aceitei o emprego e jurei nunca mais voltar.
Agora, cinco anos depois, a vida me trazia de volta.
Tia Lúcia continuou, sem perceber a nuvem que se formou sobre mim.
"Vocês dois tinham um namoro tão bonito, desde crianças. Todo mundo achava que iam casar. Uma pena o que aconteceu. Ela era a moça certa para você, Ricardo."
Tiago riu baixo.
"Pois é, mas ela preferiu quem tinha grana. O Pedro deu um carrão pra ela logo que começaram a namorar. Você não tinha nem uma bicicleta, primo."
A raiva subiu pela minha garganta, mas eu a engoli. Eles não sabiam. Eles não sabiam da dor, das noites em claro, do esforço que fiz para me reerguer do nada em uma cidade onde eu não conhecia ninguém.
Eles não sabiam o mais importante.
Eu olhei para minha tia, para o meu primo, e dei um sorriso calmo. Um sorriso que eu não tinha cinco anos atrás.
"Tia, eu agradeço a preocupação. Mas a Sofia é passado."
"Ah, meu filho, não diga isso. Um amor de infância..."
Eu a interrompi, com a voz firme.
"Eu sou casado, tia Lúcia."
O silêncio na mesa foi total. Até o barulho da cozinha pareceu parar. Tia Lúcia me olhou com os olhos arregalados. Tiago parou de rir.
"Casado? Como assim, casado?"
"Casei há quatro anos."
Eu continuei, saboreando a surpresa no rosto deles.
"E eu tenho uma filha. O nome dela é Lia, e ela tem três anos."
A bomba explodiu na sala de jantar da minha tia. A expressão de choque deles era quase cômica.
Minha mente, por um instante, voltou ainda mais no tempo. Para quando tudo era simples. Eu e Sofia, sentados na beira do rio, com os pés na água. Ela tinha uns quinze anos, eu dezesseis.
"Quando a gente crescer, você vai ser um grande engenheiro e vai construir uma casa pra gente aqui, de frente pro rio", ela disse, com a cabeça no meu ombro.
"Eu vou", prometi. "Uma casa com uma varanda bem grande."
Nós éramos jovens, cheios de sonhos. Nosso amor era a coisa mais pura e certa do mundo para mim. Eu estudava programação dia e noite, não só porque eu amava, mas porque eu queria dar a ela a casa com a varanda grande.
A chegada de Pedro mudou tudo. Ele era mais velho, primo dela que morava na capital e veio passar umas férias na cidade. Ele tinha carro, dinheiro, e um jeito de falar que encantava a todos. Menos a mim.
Ele olhava para Sofia de um jeito que me incomodava. E ele me olhava como se eu fosse um inseto.
As pessoas começaram a comparar. "O Ricardo é um bom menino, mas o Pedro... o Pedro tem futuro", eu ouvia pelos cantos. Sofia começou a passar mais tempo com ele. "Ele é meu primo, Ricardo, para de ser bobo", ela dizia quando eu reclamava.
Mas eu sentia a distância crescendo. Aquele sentimento ruim no estômago, de que eu estava perdendo algo que era meu por direito.
O auge foi na festa de aniversário da cidade. Uma tradição nossa era dançar a primeira valsa juntos. Eu cheguei com o convite na mão, um convite simples que eu mesmo tinha desenhado.
Quando cheguei na casa dela, a porta estava aberta. Ouvi risadas. Pedro estava lá. Sofia olhou para o meu convite e depois para o convite luxuoso, com letras douradas, que Pedro tinha trazido para ela.
"Ricardo, desculpa. Eu já prometi a primeira dança pro Pedro."
Aquela foi a primeira facada. Mal sabia eu que a pior ainda estava por vir.