"Ricardo, seu pai... ele teve um ataque cardíaco. Estamos no hospital."
Meu mundo parou. A euforia se transformou em pânico. Corri para o hospital, a carta de aprovação esquecida na mesa. Meu pai estava na UTI, os médicos diziam que era grave.
Naqueles dias de angústia, eu precisei de Sofia mais do que nunca. Liguei para ela, mandei mensagens. Ela respondeu com frases curtas. "Estou ocupada." "Força." "Depois a gente se fala." Nenhuma vez ela apareceu no hospital.
Uma semana depois, meu pai melhorou. Saiu da UTI. A tensão diminuiu, e eu finalmente pude respirar. Foi quando eu soube. Um amigo em comum me contou, com pena no olhar.
"Cara, você não sabe? A Sofia e o Pedro. Eles vão anunciar o noivado hoje. Numa festa na casa dele."
O chão sumiu dos meus pés. Noivado. Enquanto meu pai lutava pela vida, ela estava planejando seu futuro com outro.
A raiva me consumiu. Uma raiva cega, primal. Dirigi até a casa de Pedro. A música alta, as luzes, as risadas... tudo parecia uma afronta à minha dor.
Entrei sem ser convidado. E lá estavam eles, no centro da sala, de mãos dadas. Pedro ergueu a mão dela, onde brilhava um anel de diamante enorme.
"Eu e Sofia, estamos noivos!"
Os aplausos ecoaram. Eu caminhei até eles, abrindo caminho entre as pessoas. A música parou. Todos olharam para mim.
"Sofia", eu disse, a voz rouca. "O que é isso?"
Ela me olhou, não com culpa, mas com frieza. Uma frieza que congelou meu sangue.
"Isso é o meu futuro, Ricardo. Algo que você nunca poderia me dar."
Pedro me olhou com desprezo.
"Você ainda não entendeu? Acabou. Ela me escolheu."
"E o nosso amor? As promessas?", eu gritei, sentindo as lágrimas quentes no meu rosto. "E o seu pai que me adorava? E a sua mãe? E tudo o que a gente viveu?"
Sofia riu. Uma risada amarga, cruel.
"Amor? Ricardo, acorda. Eu estava esperando você crescer, mas você é só um garoto. Um garoto com sonhos que não pagam as contas. Eu preciso de segurança. Eu preciso de um homem."
E então, ela fez algo que me quebrou para sempre. Na frente de todos, ela me deu um tapa no rosto. O som estalou no silêncio da sala.
"Nunca mais fale o nome dos meus pais. Você não é nada. Nunca foi."
A humilhação foi absoluta. Os cochichos, os olhares de pena, a satisfação no rosto de Pedro. Eu era o palhaço do circo. O perdedor da história.
Eu dei as costas e saí. Cada passo era uma tortura. A dor era física. Eu não era mais o Ricardo que sonhava com uma casa na beira do rio. Eu não era mais nada.
Naquela mesma noite, tomei minha decisão. Liguei para meu chefe na TechCorp.
"Eu aceito a vaga", eu disse, com a voz morta. "Mas eu quero ir para a filial mais distante possível. A mais isolada. Eu preciso sumir."
Meu chefe, um homem compreensivo, entendeu. Ele me ofereceu uma vaga em uma unidade pequena, em uma cidade fria e remota no sul do país. Um lugar onde ninguém me conhecia. Onde eu poderia lamber minhas feridas em paz.
O mundo corporativo funciona de maneiras estranhas. Minha história, a humilhação pública, de alguma forma chegou aos ouvidos da alta gestão. Talvez por pena, talvez por verem em mim uma dedicação desesperada, eles concordaram.
"A vaga é sua, Ricardo. Vá e recomece."
E foi o que eu fiz. Parti sem me despedir de ninguém. Deixei para trás minha cidade, minha família, e os destroços do meu coração. Fui para o exílio, para o lugar mais frio que pude encontrar, torcendo para que o frio de fora congelasse a dor que me consumia por dentro.