"Mas... e a Sofia?", insistiu minha tia, a mente dela ainda presa no passado. "Vocês eram tão perfeitos juntos."
"Tia, isso foi há cinco anos. As pessoas mudam. A vida segue. A Sofia seguiu a dela, eu segui a minha."
Eu queria encerrar o assunto, mas sabia que com minha tia era impossível.
O jantar foi servido. A conversa mudou para outros tópicos, mas eu sentia os olhares curiosos sobre mim. Eles estavam tentando me decifrar, tentando entender como o garoto humilhado e de coração partido tinha voltado como um homem casado e com uma família.
Mais tarde, eu anunciei:
"Amanhã vou trazer a Ana e a Lia para um almoço aqui. Quero que vocês as conheçam."
A ideia de um almoço em família no dia seguinte causou um alvoroço. Tia Lúcia, apesar da surpresa, ficou animada com a perspectiva de conhecer a nora e a sobrinha-neta que ela nem sabia que existiam.
No dia seguinte, cheguei com Ana e Lia. Ana, com sua elegância discreta e sorriso gentil, segurava a mão de Lia, que olhava tudo com seus grandes olhos curiosos.
Quando entramos, o silêncio foi imediato. Tia Lúcia e Tiago olharam para Ana, depois para Lia, e depois para mim. A surpresa era evidente. Eles esperavam... não sei o que esperavam. Talvez uma mulher apagada, uma versão inferior de Sofia. Mas Ana era luz. Uma artista plástica com uma força tranquila que desarmava qualquer um.
Lia, sem cerimônia, correu na direção da minha tia.
"Oi, vovó Lúcia! Papai falou que seu bolo é o melhor do mundo!"
A formalidade se quebrou. Tia Lúcia se derreteu, pegando Lia no colo, e o almoço começou em um clima muito mais leve.
Mais tarde, enquanto ajudava a arrumar a cozinha, subi ao meu antigo quarto para pegar umas caixas que tinha deixado para trás. Em uma delas, encontrei velharias da adolescência. E lá estava. A caixa de madeira com o pente de jade.
Peguei o pente na mão. Era bonito, de um verde profundo. Mas agora, não significava nada. Era apenas um objeto. Dentro da caixa, embaixo de um fundo falso que eu nunca tinha notado, havia um maço de cartas amarrado com uma fita.
Não eram minhas. Eram cartas de Sofia para mim. Cartas que eu nunca recebi.
Abri a primeira, a caligrafia apressada dela enchendo a página.
"Ricardo, meu amor, o Pedro me disse que esse plano de fingir um noivado era o único jeito de fazer você reagir, de te apressar a me pedir em casamento antes que você fosse embora. Eu fui uma tola por acreditar nele. Sinto sua falta. Por favor, me responda."
Abri outra.
"Por que você não me responde? O Pedro disse que entregou minhas cartas. Ele está mentindo? Ricardo, eu te amo. Essa farsa está me matando. Eu não quero casar com ele. Era tudo um jogo estúpido para te ter."
Uma terceira. Uma quarta. Eram dezenas. Cartas desesperadas, cheias de amor e arrependimento. Cartas que Pedro, o mensageiro, nunca me entregou. Ele não apenas a manipulou, mas também me isolou, garantindo que a versão dele da história fosse a única que eu conhecesse.
A raiva que senti foi diferente da raiva da humilhação. Era uma raiva fria, cortante. Fui enganado. Nós dois fomos.
Naquela mesma tarde, coloquei o pente de jade e todas as cartas em uma caixa de presente. Escrevi um bilhete simples: "Isso pertence a você. Adeus, Sofia." Pedi a um serviço de entregas para levar até a casa dela. Ou melhor, a casa de Pedro.
Eu precisava encerrar aquele capítulo. Não por ela, mas por mim. Por Ana. Por Lia.
Dois dias depois, recebi uma ligação de um número desconhecido. Era a empregada da casa de Pedro.
"Senhor Ricardo? Desculpe o incômodo. A senhora Sofia... ela recebeu um pacote seu. E desde então ela não sai do quarto. Está com febre alta, não come, só chora. O senhor Pedro pediu para te ligar, pra saber o que o senhor mandou."
Eu respirei fundo.
"Diga a ele que eu mandei o passado de volta."
Desliguei o telefone. A doença dela não era problema meu.
Mas eu estava enganado. Uma semana depois, um convite chegou. Um convite para a festa de aniversário de Pedro. E um bilhete pessoal de Sofia.
"Ricardo, por favor, venha. Traga sua família. Eu preciso falar com você. Preciso que você entenda."
Ana leu o convite por cima do meu ombro.
"Ela não vai desistir, não é?"
"Não parece", eu disse, amassando o convite.
Mas Ana o pegou da minha mão e o desamassou.
"Então nós vamos. E vamos mostrar a ela que você tem uma família. E que essa família não vai ser abalada por fantasmas do passado."
Na noite da festa, chegamos juntos. O lugar era uma mansão extravagante. Sofia nos recebeu na porta. Ela estava mais magra, com olheiras profundas. Mas o olhar dela, quando viu Ana e Lia, era intenso.
Ela sorriu para Ana, um sorriso forçado.
"Seja bem-vinda. A governanta vai te mostrar a casa, as obras de arte... Tenho certeza que você, como artista, vai adorar."
Era uma desculpa clara para me deixar sozinho com ela. Ana percebeu, mas me lançou um olhar que dizia "eu confio em você" e seguiu a governanta, levando Lia pela mão.
Fiquei sozinho com Sofia. O ar ficou denso.
"Ela é bonita", Sofia disse, sem tirar os olhos do corredor por onde Ana e Lia tinham sumido.
"Ela é a minha esposa", respondi, a voz firme.
Então, o olhar dela se fixou em mim. Um olhar cheio de dor, arrependimento e algo mais. Algo que eu não consegui decifrar. Ela olhou para o meu rosto, depois para as minhas mãos, como se procurasse o garoto que ela tinha conhecido. E então, seu olhar desceu para a pequena figura de Lia, que olhava para trás, curiosa. O olhar de Sofia em minha filha foi longo, intenso, e me causou um calafrio.