Um vento forte atravessou o salão quando voltei minha atenção para o serviçal ajoelhado. Com um gesto, envolvi seu corpo com minha magia. Num instante, ele começou a fragmentar-se em pequenos pedaços de luz, desintegrando-se diante dos olhos de todos até que não restasse mais nada.
Gritos de horror ecoaram enquanto ele desaparecia, obliterado pelo meu poder. O medo se instalou. O salão, antes repleto de conversas e celebração, agora estava mergulhado em um silêncio sufocante. As cabeças baixas mal ousavam me encarar, por medo. E eu não tinha orgulho disso, mas como todos os híbridos de Deuses, devemos nos impor e deixar claro que, não importa o quanto sejamos puros, ainda somos os mais poderosos. E é sobre isso que se trata.
Baixei as mãos, meus olhos ainda brilhando com a energia dos deuses.
- Espero que isso tenha sido uma lição. Ninguém deve se atrever a questionar ou levantar acusações e julgamentos antes de coletarem provas, seja em qual for a situação e ainda quando se tratar de mim.
- Perdão, senhor! - diziam com um tom baixo e calmo.
- Podem aproveitar a festa, é motivo de comemoração, já que nesse momento estou casado com a minha Luna, a mulher que eu esperei por milênios.
- Está dizendo que aquela é a lendária Nova? - um deles perguntou ainda sem reação.
- Como assim? A mesma que um dia deu a vida por Kan, arrastando para a morte uma das feiticeiras mais fortes do nosso mundo, pondo fim à guerra que nos castigava por anos naquela era? - Eles se encaravam entre si, surpresos.
- Ela mesma. Cuidem dela. Nova, neste momento, não pode usar seus poderes e nem se lembra de nada. Por isso, quero que tenham paciência até que ela possa lutar ao meu lado. Vocês sabem que, com o meu poder fundido ao dela, somos capazes de abrir a tão esperada passagem para fora deste mundo, assim como um dos líderes conseguiu após gerar um herdeiro com uma das deusas da terra. Isso significa que um herdeiro entre eu e Nova será a porta de saída desse lugar.
De repente, os ânimos mudaram e aos poucos ficaram todos animados com a possibilidade. Da última vez que o portal se abriu, os lobos mais distantes não puderam ir, mas mais uma vez meu clã terá a oportunidade de sair deste lugar e viver no lugar de onde nunca deveríamos ter sido tirados.
- Viva o retorno! - comemoravam, mas algo me dizia que isso ainda estava longe de ser uma realidade.
- As comemorações devem continuar. - Anunciei, levantando uma taça que me foi entregue, mas não a bebi. Chega de vinho por hoje. Em seguida, fui em direção a Mon. - Não deixe ninguém sair ainda. Chame todos os anciões e coloque a frente da entrada. Quero averiguar todas as pessoas que saem. Quero encontrar alguém. Você sabe se alguém saiu da mansão?
- Ninguém saiu desde que os portões foram fechados antes de você desaparecer.
- Então significa que ela está na mansão, em algum lugar. Quero que encontre essa mulher a todo custo. Supostamente, ela pode estar carregando um herdeiro meu. - Finalizei, saindo dali.
Os anciões foram avisados e ninguém ousou questionar-me. Eu, sendo uma mistura de lobo com outras linhagens, deveria ser algo para se questionar, mas eles não ousavam questionar um híbrido que vem da descendência dos deuses.
Subi as escadas em silêncio, sentindo o peso dos olhares dos pais de Maya sobre mim. Estavam ali, parados, com a cabeça baixa, como servos aguardando a permissão de um rei para falar. O medo os consumia, e eu podia ouvir suas respirações descompassadas. Aguardei um instante, deixando o silêncio se estender, apenas para testar sua lealdade.
- Onde está minha esposa? - Perguntei, enfim, minha voz cortante como uma lâmina.
A mãe dela ergueu os olhos rapidamente antes de baixá-los novamente.
- Ela... ela está no escritório, Alpha. Chorando. Queria ir para o quarto, se trancar, mas insistimos para que esperasse você, para que pudesse explicar... - A voz dela vacilou no fim da frase, temendo a minha reação.
Não respondi. Apenas passei entre eles, ignorando qualquer outra tentativa de justificativa. Se Maya estivesse ferida de verdade, se estivesse sofrendo, seria meu dever confortá-la. Mas algo dentro de mim alertava que havia mais naquela história do que aparentava.
Ao abrir a porta do escritório, encontrei-a debruçada sobre a mesa, os ombros tremendo em soluços. Os cabelos caíam sobre o rosto, ocultando sua expressão, mas sua postura era de uma mulher devastada.
Fechei a porta atrás de mim e me aproximei, envolvendo-a pelos ombros, sentindo seu corpo pequeno contra o meu. Encostei os lábios em sua cabeça, suspirando baixo.
- Isso foi um mal-entendido - sussurrei, tentando acalmá-la.
Ela estremeceu e, como se minhas palavras tivessem dissipado a tempestade de dor, ergueu o rosto. Seus olhos brilhavam com um misto de esperança e ansiedade.
- Eles mentiram? - Sua voz ainda carregava um resquício de choro, mas havia uma energia diferente nela. Algo mais afiado.
Mantive minha expressão inalterada.
- Sim, em parte. Eles usaram a influência de uma porção mágica para me fazer ceder depois de milênios te esperando. Mas há outra coisa... - Fiz uma pausa, observando sua reação. - A mulher que estava comigo naquela noite pode estar grávida.
O silêncio se abateu entre nós. O semblante de Maya se contorceu por um instante, mas logo se refez. Seu olhar deslizou para o chão antes de se erguer novamente, fixando-se em mim com intensidade.
- O que você vai fazer? - Ela perguntou, sua voz baixa, cuidadosa.
Inclinei a cabeça, estudando-a.
- O que você quer que eu faça?
Seus olhos brilharam com algo que eu não reconheci de imediato, mas que despertou um alerta dentro de mim.
- Quero que a encontre e a mate, em segredo. Ninguém pode saber que existe a possibilidade de você ter filhos com outra mulher. Agora que estamos juntos, poderemos ter nossos próprios herdeiros. - Seu tom era calmo, quase doce, mas as palavras que saíam de sua boca eram veneno puro.