Quando chegou a um canto mais afastado, tentando se esconder na escuridão, uma mão forte a agarrou violentamente pelo braço. O grito que ela soltou foi abafado pelo toque brusco, e seu corpo foi puxado para trás com força. Ela tentou se desvencilhar, mas a pressão aumentava, e logo se viu sendo arrastada para a frente.
- O que está fazendo, hein? Tentando fugir? - a voz de seu pai rasgou a noite como uma lâmina afiada. Ele estava ali, furioso, seus olhos brilhando de raiva. - Sua ingrata!
Maya olhou para ele com os olhos inchados de tanto chorar, mas as palavras não saíam. Ela estava tão assustada, ainda em choque, que não conseguia processar o que estava acontecendo. O peso do que aconteceu no jardim a atingia com força, e ela mal conseguia manter-se de pé.
O pai a segurava com ainda mais força, mas quando seus olhos caíram no estado dela, um silêncio pesado caiu entre eles. O cabelo de Maya estava bagunçado, o rosto pálido e sujo de terra. O vestido, que antes era um símbolo de pureza e celebração, agora estava rasgado e coberto por manchas de sangue. Algo estava errado, e ele sentiu, pela primeira vez, um frio na espinha.
- O que aconteceu? - Ele perguntou, a raiva dando lugar à preocupação. - O que... o que você fez, Maya?
Maya, ainda em lágrimas, não soube o que dizer. A dor ainda estava tão viva dentro dela, a memória do que Samuel havia feito, a confusão e o terror em seus olhos... Mas, sem pensar, as palavras saíram de sua boca, como se quisessem escapar para aliviar o peso que carregava.
- Alguém... alguém abusou de mim - ela sussurrou, as palavras sendo arrastadas pelo choro, pela dor enquanto observava as próprias mãos tremendo.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Os pais de Maya a olharam, e pela primeira vez, ela os viu de uma forma e com um olhar que ela nunca tinha percebido antes. Não havia empatia, não havia consolo. Eles se entreolharam com um olhar que falava mais do que mil palavras.
- O que vamos fazer com isso? - a mãe perguntou, sua voz dura como pedra, mas com um tom de desdém. Ela não estava preocupada com o sofrimento da filha, mas com o que aquilo significaria para o casamento, para os planos que ela tinha para sua filha. - Como vamos deixar isso acontecer e ainda assim manter a cerimônia de casamento?
- O que acha? - o pai de Maya perguntou encarando a filha com um desprezo que crescia a cada segundo.
Eles culpavam Maya, e nem se importaram com sua dor, naquele momento ela percebeu que eles so a viam como uma ferramenta, um peão em um jogo que não tinha a ver com ela. A vergonha, o desprezo, tudo isso vinha deles. E agora, ela era a culpada, era ela quem havia "estragado" a oportunidade deles.
- Você estragou tudo, Maya! - O pai gritou, sua face distorcida pela raiva. - Estragou o vestido! Estragou o casamento! Estragou tudo!
- Pai... por favor... - ela suplicou segurando na lapela do terno dele, mas ele se afastou como se ela fosse algo repugnante.
- querida... - sua mãe suspirou se aproximando e sentando-se ao lado de Maya. - você tem a maldição que pode te matar se caso alguém te tocar, como você está viva? - ela perguntou e o soluço de Maya parou na metade do caminho.
- oi? Então... esta insinuando que era para eu estar morta?
- claro que não! - ela disse de imediato desviando o olhar para o marido como se pedisse ajuda.
- Você perdeu sua honra, pense nisso como uma maldição maior, com quem você vai casar agora?
Maya sentia como se estivesse se afogando. O peso das palavras de seus pais a esmagava, mais forte do que qualquer dor física. Ela havia sido usada por todos e, agora, parecia que até sua própria existência não tinha mais valor para eles. Eles não viam sua dor, não viam o que ela tinha passado. Só viam uma falha, um obstáculo.
Então, algo ainda mais cruel aconteceu.
A mãe, com a mesma indiferença de sempre, lançou um olhar frio para a filha, que tremia, os olhos marejados, o peito arfando entre soluços silenciosos. Não havia compaixão, nem hesitação. Para eles, Maya não passava de um problema que precisava ser eliminado, um incômodo que não merecia consideração.
- Lana irá para o casamento no seu lugar - anunciou a mãe, a voz gélida, desprovida de qualquer emoção. - Ela não pode ser manchada por sua falha.
Maya mal teve tempo de processar as palavras antes que a porta do quarto se abrisse, e Lana entrasse. Sua irmã não precisava dizer nada para que Maya sentisse o peso de seu desprezo. O sorriso lento, venenoso, a expressão triunfante. E então, veio o golpe final.
- Você nunca foi boa o suficiente, não é? - Lana zombou, inclinando a cabeça levemente, o olhar carregado de escárnio. - Sempre soube que estragaria tudo. Como sempre.
Cada palavra perfurava Maya como lâminas afiadas, cortando fundo. Ela queria revidar, queria gritar, queria implorar para que alguém a enxergasse como mais do que uma falha. Mas sua voz não saía. O peito apertado, o corpo enfraquecido pelo peso da impotência. Tudo ao seu redor parecia ruir, desmoronar como areia entre seus dedos.
De repente, mãos frias e firmes a agarraram. Ela tentou resistir, mas seus movimentos eram fracos, inúteis. Sem um pingo de hesitação, seus próprios pais a arrastaram para um quarto isolado no final do corredor. O lugar era pequeno, abafado, as sombras parecendo se fechar ao redor dela como presas afiadas.
- Fique aí. Não queremos mais problemas - disse o pai, a voz grave e cortante antes de fechar a porta com um baque seco.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Maya ficou imóvel por um instante, os olhos arregalados na penumbra. O coração martelava, a mente girava em uma espiral de desespero. Ela sentiu as pernas cederem, o corpo despencando sobre o chão frio. Sozinha. Esquecida. Como se nunca tivesse tido alguma importância para alguém, ela não teve forças para se levantar, seu corpo ainda estava processando todas aquelas coisas que aconteceram ao mesmo tempo.