- Um acidente de avião - eu disse, as palavras com gosto de veneno. - O mais rápido possível. Você pode arranjar isso?
- Considere feito - ele disse. - Eu cuido de tudo. Para onde você vai?
- Ainda não sei - admiti. - Apenas... para longe daqui.
- Eu tenho um lugar em Provence - ele ofereceu. - É tranquilo. Ninguém vai te encontrar. Vou enviar os detalhes. Apenas vá para o aeroporto particular no Campo de Marte amanhã à noite. Um jato estará esperando.
- Obrigada, Hamilton.
- Sempre, Elena.
Desliguei, uma nova onda de dor me invadindo. Fazer aquela ligação tornou tudo real. A vida que eu conhecia acabou. O homem que eu amava era um monstro que me destruiu sistematicamente enquanto fingia me valorizar.
Ele me traiu. Ele mentiu para mim. Ele se casou com outra mulher enquanto eu ainda usava seu anel.
Ele merecia ser traído. Ele merecia que mentissem para ele.
Ele me queria fora? Ótimo. Eu desapareceria do mundo dele tão completamente que seria como se eu nunca tivesse existido.
Uma batida suave na minha porta me fez pular.
- Sra. Bastos? - Era Maria, nossa governanta. - O Sr. Bastos está em casa. Ele está perguntando pela senhora.
Respirei fundo, compondo minhas feições em uma máscara de calma. Abri a porta.
Heitor estava no corredor. Quando me viu, um lampejo de pânico cruzou seu rosto antes de ser substituído por seu sorriso charmoso de sempre. Era uma performance que agora eu via com uma clareza horripilante.
- Elena, querida - ele disse, caminhando em minha direção e envolvendo seus braços em minha cintura. Ele tentou me beijar, mas virei a cabeça um pouco, e seus lábios roçaram minha bochecha. - Fiquei preocupado. Você ficou fora por tanto tempo.
Sua preocupação parecia ácido na minha pele. Eu podia sentir o perfume de Cândida em sua camisa.
- Eu só tinha algumas coisas para resolver - eu disse, minha voz cuidadosamente neutra. Afastei-me de seu abraço.
Meus olhos caíram sobre a mulher e a criança paradas atrás dele. Cândida e Joca.
- Quem são eles? - perguntei, minha voz seca, como se eu não soubesse.
Heitor relaxou visivelmente, um pequeno suspiro de alívio escapando de seus lábios. Ele achou que eu não sabia. Ele achou que poderia continuar mentindo.
- Ah, esta é uma surpresa maravilhosa - ele disse, sua voz cheia de falso entusiasmo. - Elena, lembra como conversamos sobre querer um filho? O quanto queríamos encher esta casa grande de risadas?
Ele gesticulou para o menino.
- Este é o Joca. Ele é órfão. Eu pensei... pensei que poderíamos adotá-lo. Dar a ele um lar. Uma família.
Ele estava usando minha infertilidade, a própria ferida que ele e sua esposa secreta causaram, como uma ferramenta para seu engano. A crueldade disso era de tirar o fôlego.
- E esta - ele disse, indicando Cândida - é a Srta. Camargo. Ela é uma cuidadora do orfanato que se apegou muito ao Joca. Eu a contratei para ser sua babá, para ajudá-lo a se adaptar.
Ele colocou a mão na cabeça de Joca.
- Joca, diga olá para sua nova mamãe.
Meu coração parecia um bloco de gelo. Nova mamãe. A ironia era uma pílula amarga.
O menino, Joca, olhou para mim com olhos grandes e inocentes. Mas havia algo frio neles, algo que não combinava com seu rosto angelical.
- Olá... mamãe - ele disse, sua voz pequena e hesitante.
Heitor sorriu, um pai orgulhoso.
- Ele não é maravilhoso, Elena?
Cândida permaneceu em silêncio, seus olhos baixos, interpretando perfeitamente o papel de uma babá humilde. Mas eu podia ver o leve sorriso de escárnio em seus lábios. Ela estava gostando disso. Ela estava gostando da minha humilhação.
- Ele é um menino adorável - eu disse, minha voz oca. Olhei para Heitor, meu olhar firme. - Estou um pouco cansada. Acho que vou me deitar.
O sorriso de Heitor se contraiu. Ele viu algo em meus olhos, uma frieza que não estava lá antes.
- Você está se sentindo bem, querida? - ele perguntou, sua testa franzida com falsa preocupação. - Você parece pálida.
- Apenas uma dor de cabeça - menti. Virei-me e caminhei em direção ao nosso quarto, minhas costas retas.
- Deixe-me pegar uma sopa para você - Heitor gritou atrás de mim, sua voz pingando com a falsa ternura que agora me revirava o estômago. - A Maria faz a melhor canja de galinha. Vai te fazer sentir melhor.
Eu não respondi. Fechei a porta do quarto atrás de mim e me encostei nela, a fachada de calma desmoronando. Eu estava tremendo de novo, um tremor profundo e violento que começou na minha alma.
Mais tarde, Joca trouxe a sopa para o meu quarto, empurrado por um Heitor sorridente.
- Seja um bom menino e cuide da sua mamãe - Heitor arrulhou, afagando sua cabeça.
O menino carregava a bandeja com cuidado. Ele a colocou na mesa de cabeceira, seu rostinho sério.
- Eu vou te ajudar, mamãe.
Por um momento, senti uma pontada de algo além de ódio. Ele era apenas uma criança, um peão no jogo doentio de sua mãe. Estendi a mão para pegar a tigela dele.
Quando meus dedos se fecharam em torno da cerâmica quente, ele soltou. Deliberadamente.
A tigela virou, e a sopa escaldante derramou sobre minha mão e pulso. Gritei, puxando minha mão para trás. A pele já estava ficando vermelha e irritada.
Os olhos de Joca se arregalaram. Ele soltou um grito agudo, segurando sua própria mão.
- Ai! Minha mão! Você me queimou! - ele gritou, lágrimas escorrendo pelo seu rosto. - Você fez de propósito! Você me odeia!