Acordei em uma cama de hospital. De novo. Meus braços e tronco estavam cobertos de bandagens, o cheiro fraco de pomada para queimaduras no ar.
Caio estava sentado em uma cadeira perto da janela, sua expressão fria e implacável.
"Você está pronta para admitir que estava errada?", ele perguntou, sem um pingo de preocupação em sua voz.
Eu apenas o encarei, minha garganta muito dolorida para falar.
"Se você tentar outra gracinha como essa", ele continuou, sua voz baixa e perigosa, "as consequências serão muito piores. Você entendeu?"
Fiz um leve aceno de cabeça, cansada demais para lutar.
Nesse momento, Heloísa entrou, um sorriso brilhante no rosto. "Elisa! Que bom que você está bem! Eu estava tão preocupada."
Ela se aproximou da cama, sua mão buscando a minha. Ao se inclinar, seu sorriso se transformou em um escárnio. Seus dedos, escondidos da vista de Caio, pressionaram com força a queimadura mais recente em meu braço.
A dor, branca e ofuscante, atravessou-me. Gritei e a empurrei instintivamente.
Heloísa cambaleou para trás, uma imagem perfeita de inocência ferida. Ela caiu no chão, seus olhos se enchendo de lágrimas.
"Elisa, por quê?", ela soluçou. "Eu só estava tentando ser legal!"
"Chega!", Caio rugiu, seu rosto contorcido de raiva. "Você é ingrata e cruel! Você não merece nenhuma bondade!"
Ele marchou até o suporte do soro e arrancou a agulha do meu braço. "Chega de remédios. Chega de nutrientes. Você pode ficar aí deitada e pensar no que fez."
Uma enfermeira entrou correndo, mas Caio a fuzilou com um olhar tão ameaçador que ela congelou. Ele era Caio Sampaio. Seu poder era absoluto nesta cidade.
Ele e Heloísa saíram, deixando-me sozinha com a dor latejante e o gotejar frio e vazio da linha do soro.
Fiquei naquela cama por dois dias, recebendo nada além de água. A dor era uma companheira constante.
No terceiro dia, Caio voltou.
"Levante-se", disse ele. "Estamos de saída."
Mais tarde, percebi que era o aniversário do falso "acidente". O dia em que minha família "se escondeu".
Ele não me levou para a mansão, mas para um cemitério. Ele me guiou até três lápides de mármore impecáveis.
Beatriz Almeida. Flávio Almeida. Heloísa Silva.
"De joelhos", ele ordenou.
Meus próprios joelhos estavam fracos, mas eu obedeci.
"Você vai ficar de joelhos aqui do amanhecer ao anoitecer", disse ele, sua voz vazia. "Você vai se ajoelhar neste caminho de cascalho e se arrepender. Esta é a sua penitência por hoje."
Ele e Heloísa me deixaram lá.
O cascalho era afiado. Rasgou o tecido fino da minha calça, depois minha pele. No começo, não senti. A dor no meu coração era muito maior.
Ajoelhei-me por horas, encarando os nomes dos meus pais, as pessoas que estavam vivas e bem, provavelmente desfrutando de um dia no spa. Repeti as palavras "me desculpe" várias vezes, um mantra mecânico que havia perdido todo o significado.
Quando o sol se pôs, meus joelhos estavam uma bagunça sangrenta e retalhada. Caio voltou, um olhar de satisfação sombria no rosto quando viu minha condição.
"Você vai encontrar seu próprio caminho para casa", disse ele, e foi embora, deixando-me abandonada e sangrando em um cemitério.
Mas eu não fui para casa.
Arrastei-me até o escritório administrativo do cemitério.
O homem na recepção olhou para cima, seus olhos se arregalando com o meu estado.
"Posso ajudar?", ele perguntou, sua voz cautelosa.
"Sim", eu disse, minha voz firme apesar da dor. "Eu gostaria de comprar um jazigo."
Ele pareceu surpreso. "Para um membro da família?"
Olhei-o diretamente nos olhos. "Não. Para mim."
Ele me encarou, sem palavras. Estava prestes a fazer mais perguntas quando a porta atrás de mim se abriu com um estrondo.
Caio estava lá, seu rosto uma nuvem de tempestade. Ele havia voltado por algum motivo e me viu entrar no escritório.
"Que diabos você está fazendo?", ele exigiu, sua voz tremendo de raiva.