Uma tempestade se aproximava, o céu ficando de um roxo escuro e machucado. Fiquei junto às janelas do chão ao teto, observando a chuva começar a cair, sentindo-me tão vazio quanto o apartamento ao meu redor. Eu esperava, tolamente, que ela pudesse voltar para casa. Que alguma parte dela ainda se importasse o suficiente para me confrontar.
A decepção era uma dor familiar.
Passava da meia-noite quando ouvi a porta da frente se abrir. Virei-me, meu coração dando um salto estúpido e traiçoeiro.
Eva estava na porta, encharcada da chuva. Ela jogou as chaves na mesa de mármore da entrada e caminhou em minha direção, com um passo lento e deliberado.
"Você foi embora", disse ela, a voz baixa.
"Eu precisava de ar."
Ela se aproximou, perto o suficiente para que eu pudesse sentir o cheiro da chuva em seu casaco e algo mais... o perfume de Kadu. Um cheiro forte e enjoativo que revirou meu estômago.
Ela estendeu a mão e traçou um dedo pela minha bochecha, seu toque surpreendentemente gentil. Era um gesto raro e calculado, parte do ciclo de abuso. Me afastar, depois me puxar de volta com um lampejo de afeto.
"Sentiu minha falta?", ela perguntou, seus olhos procurando nos meus o desespero de sempre.
"Você me ama, Eva?", perguntei, as palavras saindo dos meus lábios antes que eu pudesse detê-las. Era a única pergunta que eu sempre quis fazer, mas nunca ousei.
Ela não hesitou. "Claro que amo, Bento. Mais do que tudo."
A mentira era tão suave, tão ensaiada. Por um momento, quase acreditei nela. Inclinei-me, minha própria esperança desesperada crescendo, e tentei beijá-la.
Ela me deixou chegar perto, deixou meus lábios quase tocarem os dela, e então virou a cabeça.
"Não", ela sussurrou, uma frieza familiar em sua voz. "Você sabe as regras."
A rejeição foi um golpe físico. Afastei-me, o último resquício de calor em mim se extinguindo. As mãos dela estavam nos meus ombros e, enquanto ela me afastava gentilmente, seu casaco se abriu.
Lá, na pele pálida de seu pescoço, havia um chupão escuro e raivoso.
Não era apenas uma marca; era uma mensagem. Ele pode me tocar. Você não.
A última brasa de esperança dentro de mim morreu. Tinha acabado. Estava acabado há anos, mas eu estava quebrado demais para ver.
Afastei-me dela, um abismo se abrindo entre nós. Dormi no quarto de hóspedes naquela noite, a primeira vez que fiz isso. A cama estava fria, os lençóis estranhos. Parecia dormir na casa de um estranho.
Na manhã seguinte, a campainha tocou. Eu estava na cozinha, fazendo café, quando Eva atendeu.
Era Kadu Costa, parado ali com uma mala em cada mão e um sorriso presunçoso no rosto.
"Eva, querida", disse ele, alto o suficiente para eu ouvir. "Espero que não se importe. Decidi me mudar por um tempo. Vai ser muito mais aconchegante."
Olhei para Eva, esperando que ela o mandasse embora. Que mostrasse algum lampejo de respeito por nossa casa, por mim.
Ela apenas sorriu. "Claro. Sinta-se em casa."
Ela nem sequer olhou na minha direção.
Tentei dizer algo, dizer a Kadu para ir embora. Mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Qual era o sentido? Eu também era um hóspede aqui.
Eva finalmente se virou para mim, seus olhos me desafiando a reagir. "Você não vai dar as boas-vindas ao nosso convidado, Bento?"
Olhei para ela, para a crueldade triunfante em seus olhos. Ela queria uma briga. Queria que eu ficasse com ciúmes, que gritasse, que provasse que ainda me importava.
Eu estava cansado demais para dar a ela o que ela queria.
"Vocês terão que ir embora em breve", eu disse, minha voz baixa, mas firme.
O sorriso de Eva vacilou. "O que você disse?"
"Vocês dois", eu disse, virando-me para sair do cômodo. "Não será por muito tempo."
Deixei-a ali, parada, com uma expressão de choque genuíno em seu rosto lindo e monstruoso.