Aurora encarou a tela, um sorriso amargo torcendo seus lábios. Ela passou quatro anos cuidando dele, e esta era sua recompensa.
Uma energia súbita e feroz percorreu-a. Ela não seria uma vítima. Ela não seria um fantasma em sua própria vida.
Ela começou no quarto. Puxou os ternos caros e feitos sob medida de Júlio do armário, jogando-os no chão. Seus frascos de perfume, sua coleção de relógios, suas fotos - tudo foi para sacos de lixo. Ela trabalhou com uma fúria metódica, limpando o espaço de sua presença. Cada item que ela descartava era uma corrente que ela estava quebrando.
Quando o sol nasceu, o apartamento estava nu. Todos os vestígios de Júlio Alencar haviam desaparecido.
Ele entrou pouco depois das nove da manhã, segurando uma caixa de doces como uma patética oferta de paz. Ele parou abruptamente na sala de estar, seus olhos arregalados de choque.
"Aurora? O que... o que aconteceu aqui?"
Ele olhou ao redor, sua confusão genuína. Ele realmente não entendia.
"Eu estava redecorando", disse ela, sua voz plana e desprovida de emoção.
Ele forçou uma risada, tentando ignorar a estranha tensão. "Ok... bem, acho que precisávamos de uma mudança. Podemos ir às compras neste fim de semana. Eu compro o que você quiser."
Ele pensou que poderia consertar isso com dinheiro. Ele pensou que um sofá novo poderia remendar o buraco enorme que ele rasgou na vida dela.
"Júlio", disse ela, sua voz firme. "Precisamos falar sobre a Estela."
Ele enrijeceu, seu sorriso fácil desaparecendo. "Não há nada para falar. Eu te disse, ela é apenas uma amiga. Ela precisava da minha ajuda."
"E nós vamos nos casar", ele acrescentou rapidamente, como se as palavras fossem um feitiço mágico que poderia consertar tudo. "Nosso casamento é em três semanas. Está tudo certo."
Ela apenas o encarou, o silêncio se estendendo entre eles. Ele não conseguia encontrar seus olhos.
"Minha família está dando uma festa de gala esta noite", disse ele, mudando de assunto. "Você tem que estar lá. Temos que apresentar uma frente unida."
Ela não queria ir. Ela queria trancar a porta e nunca mais ver nenhum deles. Mas ela sabia que uma cena pública agora só pioraria as coisas.
"Tudo bem", ela concordou.
A festa de gala foi um pesadelo de lustres cintilantes e sorrisos falsos. Assim que chegaram, Júlio foi engolido por um mar de associados de negócios. Aurora foi deixada sozinha, uma pária em um mundo ao qual ela nunca pertenceu. As outras mulheres, todas de famílias tradicionais, olhavam através dela, seus olhos se fixando nas linhas tênues de suas cicatrizes.
Ela encontrou um canto tranquilo em uma varanda com vista para a cidade. Ela precisava de ar.
"Ora, ora, veja o que o vento trouxe."
Aurora se virou. A irmã mais nova de Júlio, Janete, estava lá, um sorriso cruel no rosto. Estela estava logo atrás dela, uma sombra de seda.
"Você não deveria estar em casa, polindo os sapatos do meu irmão?", zombou Janete. "Ou isso é demais para suas mãos com cicatrizes?"
Estela colocou uma mão gentil no braço de Janete. "Janie, não seja má. Aurora é nossa convidada." Sua voz era doce, mas seus olhos eram frios.
"Convidada? Ela é uma enfermeirazinha glorificada que prendeu meu irmão", cuspiu Janete, sua voz se elevando. As pessoas estavam começando a se virar e olhar. "Ela não passa de uma golpista com um passado de dinheiro novo. Ela não pertence a este lugar."
Estela suspirou dramaticamente. "É verdade que Júlio merece alguém... inteira. Alguém do seu próprio mundo. Mas ele fez uma promessa. Ele é um homem de palavra."
Cada palavra era um golpe cuidadosamente calculado.
Janete, incentivada pela atuação de Estela, deu um passo mais perto. "Meu irmão sente pena de você. É só isso. Pena. Você realmente acha que alguém poderia amar um monstro como você?"
Antes que Aurora pudesse reagir, a mão de Janete disparou. Ela agarrou a gola alta do vestido de Aurora e a rasgou.
O tecido rasgou com um som doentio. A extensão total de suas cicatrizes no pescoço e no ombro foi subitamente exposta sob as luzes duras do salão de baile.
Um suspiro coletivo percorreu a multidão. As pessoas encaravam, seus rostos uma mistura de choque e curiosidade mórbida. Sussurros se espalharam como fogo.
A humilhação tomou conta de Aurora, quente e sufocante.
Janete não havia terminado. Ela estendeu a mão novamente, como se para apontar para as cicatrizes. "Vejam! É isso que ela é!"
Algo dentro de Aurora estalou. Ela se moveu por puro instinto, sua mão subindo e conectando com a bochecha de Janete em um tapa alto e forte.
A sala ficou em silêncio. Janete ficou congelada, a mão na bochecha vermelha, os olhos arregalados de incredulidade.
Estela ofegou, correndo para a frente. "Meu Deus, Aurora! Como você pôde?" Em sua pressa fabricada, ela "tropeçou", caindo no chão em um monte de seda e dor fingida. "Meu tornozelo!", ela gritou.
Foi quando Júlio apareceu. Ele viu a cena em um único relance: Aurora de pé sobre uma Estela chorando, e sua irmã segurando a bochecha. Ele não hesitou.
Ele se moveu em direção a Estela, seu rosto uma máscara de fúria. Ele passou por Aurora, empurrando-a e fazendo-a perder o equilíbrio. Ela tropeçou para trás, batendo com força no parapeito da varanda. Ele nem olhou para ela.
"Tela! Você se machucou?", ele perguntou, sua voz cheia de preocupação frenética.
Janete, vendo sua oportunidade, começou a chorar. "Irmão, ela me atacou! E empurrou a Estela! Ela está louca!"
Júlio gentilmente levantou Estela em seus braços, embalando-a como se ela fosse feita de vidro. Ele se virou, seus olhos finalmente pousando em Aurora. Estavam frios, cheios de acusação e decepção.
Ele não disse uma palavra para ela. Ele apenas se virou e levou Estela embora, deixando Aurora sozinha no centro da multidão silenciosa e observadora.