Ela se lembrou de uma vez, antes do acidente, quando um investidor bêbado foi rude com ela em uma festa. Júlio, com calma, mas com firmeza, acompanhou o homem para fora e passou o resto da noite com o braço protetoramente ao redor dela.
Aquele Júlio se foi. Ou talvez ele nunca tenha existido.
Ela saiu da festa de gala, um fantasma deixando sua própria assombração. Não se preocupou em chamar um carro. A longa caminhada pelas ruas da cidade pareceu uma penitência necessária, embora pelo quê, ela não soubesse mais.
Ela estava a uma quadra de seu apartamento quando uma van escura parou bruscamente ao seu lado. Dois homens grandes pularam para fora.
"Aurora Tucker?", um deles grunhiu.
Antes que ela pudesse responder, eles a agarraram, arrastando-a para um beco escuro. O fedor de lixo encheu suas narinas. Um homem a jogou contra uma parede de tijolos, a superfície áspera arranhando sua bochecha.
"Isso é um aviso", ele rosnou, seu hálito quente e fétido. "Estela Matarazzo mandou você ficar longe do homem dela."
O outro homem riu. "Uma vadia toda cicatrizada como você deveria saber o seu lugar."
Eles não se contiveram. A dor explodiu em seu estômago, depois em suas costelas. Eram profissionais, seus golpes precisos e brutais, destinados a machucar, mas não a matar. Eles a jogaram no chão, chutando-a até que sua visão começou a escurecer nas bordas.
"Fica aí no chão, lixo", disse um deles, cuspindo perto de sua cabeça. Então eles se foram.
Ela ficou no chão imundo por um longo tempo, a dor uma batida surda e latejante que combinava com seu coração. Com um gemido, ela pegou o celular. Suas mãos tremiam tanto que foram necessárias três tentativas para discar 190. Antes de ligar, ela apertou o botão de gravação em seu aplicativo de memorando de voz. Apenas por precaução.
Ela conseguiu chegar ao pronto-socorro. A polícia veio, pegou seu depoimento. Ela tocou para eles a gravação dos bandidos mencionando o nome de Estela. O policial pareceu simpático, mas evasivo.
Ela estava deitada em uma cama de hospital, um mosaico de hematomas e bandagens, quando Júlio finalmente apareceu. Ele parecia cansado e cheio de um remorso fabricado.
"Aurora. Meu Deus. Acabei de saber. Sinto muito."
Ele se sentou ao lado da cama dela, tentando pegar sua mão. Ela a puxou de volta.
"Eu já lidei com a Janete", disse ele, sua voz pesada com falsa autoridade. "Cortei os cartões de crédito dela e a mandei para a fazenda da nossa família no interior. Ela não vai mais te incomodar."
Ele olhou para ela, esperando gratidão.
"E a Estela?", perguntou Aurora, a voz rouca.
O rosto de Júlio se contraiu. "A Tela não teve nada a ver com isso. Foi tudo a Janete. Ela é apenas uma pirralha mimada que se descontrolou."
"Eles disseram o nome dela, Júlio", disse Aurora, sua voz se elevando com uma força que ela não sabia que tinha. "Os homens que me atacaram. Eles disseram que a Estela os enviou." Ela pegou o celular. "Eu tenho uma gravação."
Ele não a deixou tocar. Ele se esticou e desligou o celular, seus movimentos bruscos e autoritários. O garoto charmoso e imaturo se foi, substituído pelo CEO frio e implacável do império Alencar.
"Para com isso, Aurora", disse ele, sua voz baixa e perigosa. "Você não acha que eu já tenho o suficiente com que lidar? Minha irmã está um caos, a imprensa está fazendo a festa, e você está fazendo essas acusações malucas. Estou decepcionado com você."
Decepcionado. A palavra foi um tapa na cara.
"Nós vamos nos casar", ele continuou, como se isso fosse o fim da discussão. "Eu já falei com a polícia. A queixa foi retirada. Vamos lidar com isso internamente. É melhor para a família."
Ele se levantou, sua autoridade absoluta. Ele estava protegendo seu mundo, e ela era apenas uma complicação bagunçada dentro dele.
Nesse momento, o celular dele tocou. A tela se iluminou com o nome de Estela.
"Júlio, querido", veio a voz chorosa de Estela, alta o suficiente para Aurora ouvir. "Estou com tanto medo. Acho que alguém está me seguindo."
Toda a postura de Júlio mudou. Ele instantaneamente voltou a ser o protetor dela, o herói dela. "Onde você está? Não se mexa. Estou a caminho."
Ele desligou e começou a ir para a porta.
"Júlio, espere", disse Aurora. Foi a primeira vez que ela pediu algo a ele. Sua voz era pequena, quebrada. "Por favor. Não vá. Fique comigo."
Ele hesitou na porta, de costas para ela. Por um único momento de parar o coração, ela pensou que ele poderia ficar.
Então ele se virou, seu rosto uma máscara de paciência forçada. "Aurora, eu tenho que ir. Estela está apavorada. Você está segura aqui no hospital. Eu volto mais tarde."
Ele saiu.
A porta se fechou atrás dele, o som ecoando na sala silenciosa.
Aurora encarou a porta vazia, e uma única lágrima traçou um caminho pela sujeira em sua bochecha. Depois outra. Logo, ela estava chorando, mas também estava sorrindo. Um sorriso estranho, quebrado e libertado.
Ele sempre escolheria Estela. E agora, finalmente, ela podia escolher a si mesma.