Nos dias que se seguiram, Júlio se dedicou a Estela. Ele contratou uma equipe de segurança particular para ela. Usou o imenso poder da família Alencar para limpar a internet de qualquer notícia negativa sobre ela, pintando-a como a vítima inocente de um ciclo vicioso da mídia. Eles eram inseparáveis, uma presença constante nas colunas de fofoca, sua "amizade profunda" um espetáculo público.
Aurora, enquanto isso, estava fazendo as malas. Ela dobrou suas poucas roupas restantes em uma única mala. Seus materiais de arte, antes seus bens mais preciosos, já estavam guardados. Ela estava se apagando desta vida, assim como o havia apagado do apartamento.
Ela estava fechando uma caixa com fita adesiva quando a porta da frente se abriu. Júlio entrou, parecendo exausto. Pela primeira vez, Estela estava com ele, agarrada ao seu braço.
"Aurora", disse Júlio, a voz tensa. "Precisamos conversar."
Ele olhou das caixas empacotadas para o rosto dela. "A imprensa está perseguindo a Estela. Estão dizendo que ela é uma destruidora de lares. Você não teria nada a ver com o vazamento dessas histórias, teria?"
A acusação era tão absurda, tão profundamente injusta, que Aurora só pôde rir. Foi um som seco e amargo. O homem que ela salvara, o homem a quem dedicara sua vida, pensava que ela era capaz de uma vingança tão mesquinha.
"Claro que não, Júlio", disse ela, sua voz pingando um sarcasmo que ele era egocêntrico demais para notar.
Estela caiu no choro na hora certa. "Sinto muito, Aurora! Eu nunca quis que nada disso acontecesse! É tudo culpa minha!"
O rosto de Júlio se suavizou ao olhar para ela. "Não é sua culpa, Tela." Sua mão, no entanto, parou no meio do caminho quando ele foi confortá-la. Um lampejo de algo - dúvida? culpa? - cruzou seu rosto.
Ele se virou para Aurora, sua expressão endurecendo novamente. "Ela já passou por o suficiente. Está recebendo ameaças de morte. Ela não pode ficar sozinha."
Aurora esperou pelo inevitável.
"Ela vai ficar aqui com a gente por um tempo. Até as coisas se acalmarem."
Não era um pedido. Era uma ordem. Ele estava trazendo sua amante para a casa deles.
O rosto de Aurora deve ter ficado pálido, mas ela apenas assentiu. "Ok."
Sua concordância fácil pareceu surpreendê-lo. Ela caminhou até um conjunto de camisetas de casal de grife penduradas no armário agora vazio. Ela as havia comprado para a lua de mel. Sem uma palavra, ela as tirou e as jogou em um saco de lixo.
"O que você está fazendo?", perguntou Júlio, franzindo a testa.
"Limpando", disse ela simplesmente.
Ela se lembrou de mostrá-las a ele, o rosto cheio de entusiasmo. Ele sorriu e disse: "Mal posso esperar para usar estas com você." Outra promessa vazia, outra memória esquecida.
Ela se virou para sair do quarto, mas ele agarrou seu pulso. Seu aperto era forte.
"Qual é o seu problema, Aurora? Estou tentando gerenciar uma crise aqui. Eu sei que sua reputação antes de me conhecer não era exatamente... impecável. A última coisa que preciso é que você cause mais drama."
A reputação dela. Ele estava jogando o passado dela na cara dela. A mulher selvagem, artística e ferozmente independente que ela era antes dele. A mulher que ele uma vez afirmou admirar por seu espírito. A mulher que ela matou para se tornar sua cuidadora perfeita e devotada.
A dor era tão aguda que parecia que ela não conseguia respirar. Ele costumava traçar as cicatrizes em suas costas e sussurrar como ela era corajosa, como ele nunca deixaria ninguém machucá-la novamente. Agora ele era quem a machucava, mais profundamente do que qualquer fogo jamais poderia.
Ela puxou o pulso de seu aperto. "Eu entendo, Júlio", disse ela, sua voz perigosamente calma. "Você tem que proteger sua imagem. E a de Estela."
O rosto dele se nublou de confusão com a resposta plácida dela. "Vou acomodá-la no quarto de hóspedes. Vou mandá-la embora assim que for seguro. Eu prometo."
Aurora apenas sorriu um sorriso fino e cansado e não disse nada.
Ele se afastou, aliviado. Mais tarde naquela noite, ela ouviu barulhos da cozinha. Júlio estava cozinhando. Ele raramente cozinhava, mas quando o fazia, era um evento. Ela caminhou em direção ao som.
Estela estava lá, empoleirada em um banquinho, rindo enquanto Júlio lhe mostrava como picar legumes. Ele estava sorrindo, um sorriso genuíno e feliz que Aurora não via há anos. Ele era paciente, suas mãos guiando as de Estela, seus corpos próximos. Era uma cena íntima e doméstica.
Uma cena da qual ela não fazia parte. Ele estava tão absorto com Estela, tão encantado com sua performance de feminilidade desamparada, que havia esquecido completamente que Aurora estava no mesmo apartamento.