"Que tipo de amiga, Júlio?", ela perguntou, a voz perigosamente quieta. "O tipo que você beija em um quarto de hospital? O tipo por quem você abandona sua noiva? O tipo que você traz para nossa casa?"
Ele ficou mudo de espanto. Ele não tinha percebido que ela sabia. "Ela é... ela é apenas uma amiga", ele repetiu fracamente.
Aurora riu, um som curto e sem humor. "Você não tem o direito de ficar com raiva de mim."
Ele suspirou, a raiva se esvaindo, substituída por uma frustração cansada. Ele tentou suavizar sua abordagem, estendendo a mão para colocar uma mecha de cabelo solta atrás da orelha dela.
Ela recuou de seu toque.
"Não", disse ela.
"Aurora, por favor", ele implorou. "Não faça isso. Não dificulte as coisas. Eu prometo, vou mandar Estela embora depois do casamento. Apenas... não a machuque de novo. Por favor."
Ele ainda estava protegendo Estela. Mesmo agora.
Aurora olhou para baixo, escondendo o desprezo absoluto em seus olhos. "Tudo bem."
Ele saiu, satisfeito. Ela o ouviu ir para o quarto de Estela. Ouviu suas vozes baixas e murmurantes, e então, silêncio.
Mais tarde, seu celular vibrou. Era uma foto de um número desconhecido. Estela, usando o vestido de noiva de Aurora, posando sedutoramente em frente a um espelho. Júlio estava ao fundo, sua expressão suave enquanto olhava para ela.
A legenda era simples: "Não fica melhor em mim?"
Aurora encarou a foto. Sentiu uma pontada distante de tristeza pelo lindo vestido, um Lethicia Bronstein personalizado com o qual sonhava desde pequena. Mas pelas pessoas na foto, ela não sentiu nada.
O amor se foi. A dor se foi. Tudo o que restou foi a certeza fria e dura de sua decisão de partir.
A manhã do casamento chegou, um dia perfeito e ensolarado. A ironia não passou despercebida por ela. Ela sentou-se no banco de trás da limusine, seu vestido branco uma mortalha imaculada. Estela, como sua madrinha, sentou-se ao seu lado, irradiando um triunfo presunçoso.
Eles estavam a meio caminho do local quando Estela de repente agarrou o estômago. "Oh! A dor!", ela gemeu, o rosto pálido. "Acho... acho que é meu apêndice!"
Júlio, sentado no banco do passageiro da frente, ordenou imediatamente que o motorista parasse. Ele saiu do carro em um piscar de olhos, abrindo a porta de trás.
"Tela! O que há de errado?", ele perguntou, toda a sua atenção focada nela.
"Eu não sei!", ela lamentou. "Dói tanto! Mas... mas não podemos nos atrasar para o casamento! Vão sem mim!"
"Não seja ridícula", disse Júlio com firmeza. "Estou te levando para o hospital. O casamento pode esperar."
Ele se virou para Aurora, o rosto impaciente. "Saia do carro, Aurora. Mandarei buscá-la depois que levar Estela para o pronto-socorro."
Ele a estava deixando. Na beira da estrada. No dia do casamento deles. Por uma dor de estômago falsa.
Foi a traição final e definitiva. Uma humilhação pública projetada por Estela e executada por Júlio.
Mas ao olhar para o rosto frenético e preocupado dele, ela não sentiu dor. Sentiu um profundo alívio. Ele estava lhe dando a fuga perfeita.
Ela saiu do carro, seu vestido farfalhando ao seu redor. Ela olhou para ele uma última vez.
"Eu não vou estar esperando por você, Júlio."
Ele estava ocupado demais se preocupando com Estela para ouvi-la. "O que você disse?", ele perguntou distraidamente.
Ela apenas sorriu um pequeno sorriso secreto e fechou a porta do carro.
A limusine partiu em alta velocidade, deixando-a de pé no acostamento da estrada em uma nuvem de poeira e fumaça.
Ela a viu desaparecer e, pela primeira vez em quatro anos, sentiu-se verdadeiramente livre.
Ela chamou um táxi que passava, levantou seu caro vestido de noiva e entrou.
"Para o aeroporto, por favor", disse ela. "E pisa fundo."
Ela pegou o celular e fez uma última ligação para Carlos Alencar. "Está feito. Ele me deixou. Cumpra sua promessa."
"Cumprirei", respondeu a voz do velho. "Adeus, Aurora. Fique bem."
Ela desligou, tirou o chip do celular e o partiu em dois. Jogou os pedaços pela janela.
Enquanto o avião decolava, subindo no céu azul sem fim, ela olhou para a cidade encolhendo abaixo. Estava deixando para trás uma vida de dor e traição. Estava voando em direção a um futuro que era inteiramente seu.
Júlio Alencar, pensou ela, adeus. E já vai tarde.