- Ainda está brava comigo, querida? - ele murmurou em meu cabelo, seu tom suave e persuasivo. Ele achava que isso era um simples chilique.
Ele achava que algumas palavras doces e uma consciência culpada poderiam consertar qualquer coisa.
Eu queria empurrá-lo para longe, gritar para ele nunca mais me tocar. Mas eu não podia. Ainda não. Inclinei-me para trás contra ele, uma submissão silenciosa e odiosa.
- Não - eu disse, minha voz neutra. - Não estou brava.
Ele claramente não acreditou em mim. Ele suspirou, um som de quem sofre há muito tempo. - Eu sei que hoje foi difícil. A Cristina pode ser... intensa. Mas ela é essencial para a minha saúde. Deixe-me compensar você.
Ele me virou para encará-lo. - Há um leilão de caridade hoje à noite no Fasano. Vista-se. Vamos comprar algo bonito para você. O que você quiser.
Ele achava que podia comprar meu perdão. Ele sempre achava.
- Eu não quero ir - eu disse, minha voz firme.
Seu aperto em meus braços se intensificou, seu sorriso se transformando em uma linha fina e dura. - Nós vamos, Helena. Não é um pedido.
Ele sustentou meu olhar, seus olhos escuros com um aviso. Ele estava me desafiando a desafiá-lo. Desviei o olhar primeiro. Não adiantava lutar essa batalha. Eu perderia, e isso só o deixaria mais desconfiado.
- Tudo bem - eu disse, a palavra seca.
Ele me tirou de casa à força e me colocou em seu carro. No leilão, ele fez um show de me mimar, comprando um colar de diamantes por um preço que fez a multidão suspirar.
- Ricardo Bastos é um marido tão dedicado! - uma mulher sussurrou atrás de nós. - Ele a mima demais.
Eu a ouvi e senti uma risada amarga borbulhar em minha garganta. Me mimar? Ele me cobria de joias e roupas de grife em público, uma fachada brilhante para esconder a verdade feia do que ele fazia comigo em particular. Ele me comprou um celular novo depois de espatifar o antigo contra a parede. Ele me comprou um carro novo depois de amassar a porta do motorista com o punho.
Este colar era apenas mais um dinheiro para me calar.
Eu conhecia essa dança. Após a demonstração pública de afeto, ele voltaria sua atenção para Cristina, e eu seria esquecida. Na minha vida passada, ele acabaria me empurrando na frente de um carro por ela. Essa memória era uma pedra fria no meu estômago.
Eu não aguentava. - Preciso de um pouco de ar - murmurei e escapei para o banheiro.
Quando voltei, ele havia sumido. Uma comoção do outro lado do salão chamou minha atenção. Abri caminho pela multidão, uma sensação de pavor se enrolando no meu estômago.
E lá estava ele. Ricardo tinha um homem prensado contra a parede, seu rosto contorcido em uma máscara de fúria.
- Nunca mais toque nela - Ricardo rosnou.
O homem no chão balbuciava: - Me desculpe, Sr. Bastos, eu só esbarrei nela, eu juro!
Cristina estava por perto, seu vestido ligeiramente desalinhado, uma mão pressionada no peito como se estivesse aterrorizada. Seus olhos, no entanto, eram frios e calculistas.
As pessoas estavam sussurrando. Alguém perto de mim explicou a cena. O homem, um executivo bêbado, havia tropeçado em Cristina. Ricardo viu e perdeu a cabeça, acusando o homem de agredi-la. Ele estava bancando o herói.
Era o mesmo jeito que ele costumava me proteger. O pensamento foi como um soco no estômago.
- Ela é minha terapeuta, está sob minha proteção! - Ricardo rugiu, sua voz ecoando na sala subitamente silenciosa. Ele estava estabelecendo sua posse. - Quem a desrespeita, me desrespeita.
Ele envolveu um braço protetor nos ombros de Cristina e começou a levá-la embora.
Então, tudo aconteceu de uma vez.
O executivo no chão, humilhado e enfurecido, levantou-se cambaleando. Ele tirou um objeto pequeno e brilhante do bolso. Uma faca.
- Ricardo, cuidado! - gritei, minha voz rouca de instinto.
Ricardo me ouviu. Ele se virou. Mas em vez de tirar Cristina do caminho, ele reagiu com um pragmatismo frio e brutal. Ele puxou meu braço com força, me jogando diretamente na frente dele, usando meu corpo como um escudo para proteger a si mesmo e a Cristina.
Uma dor excruciante, branca e quente, explodiu na minha lateral.
Olhei para baixo. O cabo da faca estava saindo do meu abdômen. O rosto do homem era uma máscara de choque.
O mundo girou. Minha visão se afunilou.
A última coisa que vi foi o rosto de Ricardo, pálido com um lampejo de algo que poderia ter sido pânico, enquanto ele chutava o agressor para longe e seus braços me envolviam.
- Helena! - ele gritou, sua voz tensa de alarme. - Meu Deus, Helena!
Ele era um "marido amoroso" novamente. A ironia era tão espessa que eu podia senti-la, metálica e amarga, como o sangue subindo na minha garganta.
Então tudo ficou preto.