- Helena. Você acordou. - Ele apertou minha mão. - Me desculpe. Sinto muito, muito mesmo.
Desculpe. Quantas vezes eu já tinha ouvido essa palavra dele? Depois de cada briga aos gritos, cada prato quebrado, cada hematoma. Era um som sem sentido que ele fazia para se absolver.
Eu estava tão cansada disso. Meu coração, que deveria estar acelerado de medo ou raiva, parecia entorpecido. Não havia mais nada nele para Ricardo.
- Está tudo bem - sussurrei. Não estava, mas era a coisa mais fácil a dizer.
Seu rosto se suavizou, o alívio o fazendo parecer mais jovem. - Eu vou te compensar. Eu prometo.
E eu sabia que ele o faria, à sua maneira. Ele cancelou todas as suas reuniões. Nos dias seguintes no hospital, ele foi o modelo de devoção. Ele me alimentou, leu para mim e segurou minha mão, sussurrando promessas de como as coisas seriam diferentes. Ele foi gentil, atencioso, foi o homem por quem eu me apaixonei.
Era tudo uma mentira. Uma performance linda e temporária.
No dia em que recebi alta, ele me carregou para fora do hospital como se eu fosse feita de vidro. Ele me acomodou no banco do passageiro de seu carro com um cuidado meticuloso.
Ele ficou quieto no caminho para casa, olhando para mim periodicamente, a testa franzida. Ele viu a melancolia que eu não conseguia esconder.
Pensei que estávamos voltando para a mansão. Em vez disso, ele parou em frente a uma boate luxuosa que ele possuía.
- O que estamos fazendo aqui? - perguntei, minha voz neutra.
Antes que ele pudesse responder, um grupo de seus amigos cercou o carro, seus rostos brilhando com uma alegria forçada.
- Surpresa! - eles gritaram.
Eles me disseram que Ricardo havia planejado uma festa para comemorar minha recuperação. Eles falaram sobre como ele estava preocupado, como não tinha dormido, como estava um caco sem mim.
Senti um lampejo de algo, um fantasma do antigo calor, mas desapareceu tão rápido quanto veio.
Deixei que ele me conduzisse para dentro. O lugar estava decorado com luxo. Milhares de flores enchiam o ambiente, seu perfume enjoativo e pesado.
- São lírios - disse ele, sorrindo orgulhosamente, gesticulando para o mar de flores brancas. - Eu sei que são seus favoritos.
A ironia foi um golpe físico. Eu odiava lírios. Eram flores de funeral. Minha flor favorita era a frésia, simples e vibrante. Ele soube disso uma vez. Devia ter esquecido. Ou talvez, ele nunca soube de verdade.
Toda essa festa, esse grande gesto, era baseado em uma mentira. Assim como todo o nosso relacionamento.
Ele confundiu meu silêncio com admiração. Ele passou um braço em volta dos meus ombros, radiante. - Viu? Eu te disse que ia te compensar.
A festa foi um borrão de champanhe, música alta e sorrisos falsos. Ricardo ficou grudado ao meu lado, sua mão possessivamente na minha cintura, interpretando o papel do noivo adorador à perfeição.
Depois de uma hora, eu não aguentava mais. Pedi licença para ir ao banheiro, precisando de um momento de silêncio.
Quando estava voltando, parei no corredor do lado de fora da nossa sala privada. Eu podia ouvir as vozes dos amigos dele através da porta.
- E aí, Ricardo, qual é a daquela terapeuta, a Cristina? - um deles perguntou, a voz arrastada pelo álcool.
Eu congelei, me pressionando contra a parede, fora de vista.
- É, cara, a gente vê vocês dois juntos o tempo todo. Você não está falando sério sobre ela, está?
Houve uma pausa, depois a voz de Ricardo, suave e confiante. - Claro que não. Helena é com quem eu vou me casar. A Cristina... é só diversão. Uma novidade.
As palavras se retorceram no meu estômago. Novidade. Era só isso que eu era agora? Velha?
- É melhor você tomar cuidado - outro amigo avisou. - Se a Helena descobrir, ela te mata.
Ricardo riu. Um som profundo e arrogante. - A Helena? Ela nunca me deixaria. Ela me ama demais.
Senti uma clareza fria e final. Ele estava certo sobre uma coisa. A antiga Helena, a que o amava, nunca teria ido embora. Mas ela estava morta. Ela morreu em um acidente de carro em outra vida.
Apaguei toda a emoção do meu rosto e voltei para a sala como se não tivesse ouvido nada.
Eu mal tinha me sentado quando a porta da sala se abriu com um estrondo.
Era Cristina. Seus olhos, queimando com um fogo frio, pousaram diretamente em mim.