Ignorei tudo. Passei meus dias ao telefone com meu pai, finalizando os detalhes da nossa fuga. A equipe de Heitor era incrível. Eles haviam organizado tudo. Novas identidades, novos passaportes, um voo para a Austrália. O plano era forjar nossas mortes em um incêndio na casa do meu pai. Era extremo, mas era a única maneira.
No último dia, pouco antes de partirmos, fui à casa do meu pai para pegar a única coisa que não podia deixar para trás: as cinzas da minha mãe. Elas estavam em uma pequena caixa de madeira entalhada na lareira.
Quando entrei na sala de estar, meu sangue gelou.
Cristina estava lá, segurando a caixa nas mãos.
Uma sensação fria de pavor me invadiu. - Largue isso, Cristina - eu disse, minha voz perigosamente baixa.
Ela sorriu, um esticar lento e cruel de seus lábios. - Ora, ora. Você é durona, Helena. Pensei que aquele pequeno incidente no porão teria te quebrado.
A maneira casual como ela disse isso, a falta de remorso, confirmou o que eu já sabia. Ela era uma sociopata.
- Aquele ataque com a faca no leilão - eu disse, as peças se encaixando. - Foi você, não foi? Você contratou aquele homem.
Ela riu, um som agudo e tilintante que irritou meus nervos. - Claro que fui eu. Fiquei tão desapontada quando você sobreviveu. Ricardo te usando como escudo foi uma surpresa inesperada, mas bem-vinda.
Minhas mãos se fecharam em punhos. Respirei fundo e firme. - Me dê a caixa, Cristina.
Eu não queria um confronto. Não agora. Não quando a liberdade estava tão perto.
- Por que você é tão fraca? - ela provocou, seus olhos brilhando com malícia. - Ele te trata como lixo, e você simplesmente aceita. Você não o merece.
Ela ergueu a caixa.
- Sabe, eu estava pensando que este cômodo poderia usar uma pequena redecoração.
E com um movimento do pulso, ela atirou a caixa contra a parede.
Ela se estilhaçou com o impacto. A madeira se partiu, e as cinzas da minha mãe, um pó cinza fino, caíram sobre o tapete.
Algo dentro de mim se partiu.
O mundo ficou vermelho. Eu me lancei sobre ela, um grito de pura raiva rasgando minha garganta. Agarrei-a pelos cabelos e esbofeteei seu rosto, com força. O som ecoou na sala silenciosa.
- Eu vou te matar! - gritei, minha voz irreconhecível. - Eu vou te matar, sua desgraçada!
Ela cambaleou para trás, uma mão na bochecha, seus olhos arregalados de choque e depois se estreitando com fúria fria.
- Você ousa me bater?
Naquele momento, ouvimos passos. O passo pesado de Ricardo no corredor.
A expressão de Cristina mudou em um instante. Com uma velocidade aterrorizante, ela pegou um pesado peso de papel de vidro de uma mesa lateral e o bateu contra a própria testa.
O sangue brotou instantaneamente, escorrendo por sua têmpora. Ela cambaleou para trás, os olhos arregalados de falso terror, apontando um dedo trêmulo para mim.
- Ricardo! - ela lamentou, bem no momento em que ele invadiu a sala. - Ela tentou me matar! Ela me bateu com o peso de papel!
Os olhos de Ricardo avaliaram a cena: Cristina com sangue no rosto, eu de pé sobre ela com as mãos levantadas, meu rosto uma máscara de fúria. Ele não hesitou.
Ele se lançou sobre mim, agarrando meus braços e me empurrando para trás com tanta força que tropecei e caí.
- Você enlouqueceu de vez? - ele rugiu, o rosto roxo de raiva. Ele se ajoelhou ao lado de Cristina, embalando-a como se fosse uma boneca preciosa e quebrada.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e furiosas. - Ela espatifou as cinzas da minha mãe, Ricardo! - gritei, apontando para o pó cinza no chão. - Olhe!
Ele olhou para o chão, depois de volta para a cabeça sangrando de Cristina. Sua expressão era fria, desdenhosa.
- São apenas cinzas, Helena. Cristina está viva. Ela está ferida.
A crueldade casual de suas palavras roubou o ar dos meus pulmões. Minha mãe o amava como um filho. Ela o cuidou quando ele ficou doente na infância, celebrou cada sucesso dele. E era assim que ele honrava sua memória. Escolhendo a profanadora dela em vez da filha dela.
- Você ao menos se lembra dela? - sussurrei, minha voz densa com uma dor tão profunda que parecia que estava me rasgando por dentro. - Você se lembra de alguma coisa, Ricardo?
Ele se encolheu, mas sua mandíbula permaneceu cerrada. O monstro estava firmemente no controle.