Na placa discreta abaixo da moldura, lia-se: Leon Whitmore.
O nome soava firme, inglês demais, quase aristocrático. Mas foi o olhar dele que a prendeu, olhos verdes intensos, penetrantes. O maxilar forte, os traços viris, e o corpo parcialmente visível na imagem revelavam um homem seguro, poderoso... e perigosamente atraente.
Ísis desviou o olhar, mas sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Já fazia tempo que uma simples imagem não mexia tanto com seus sentidos. Era só uma foto, e ainda assim... havia algo ali. Algo que ultrapassava o papel.
Voltou a encará-lo, agora em carne e osso, parado perto da janela, com os olhos fixos no nada ou em pensamentos que ela jamais saberia decifrar. O mesmo olhar da foto, agora real, tão vivo quanto inquietante.
Ela ficou se perguntando como ele seria em seus dias normais.
Será que sorria com facilidade? Ou será que aquele semblante sério era parte de quem ele era? Usaria roupas simples em casa ou continuaria elegante até para ir até a cozinha? Teria manias, vícios pequenos, como mexer nos cabelos ao pensar, ou andar pela casa descalço enquanto falava ao telefone?
Ela não sabia. Mas queria saber.
Queria saber se aquele homem tão fechado também sabia ser leve. Se seus olhos, tão marcantes, também sabiam fechar-se para um beijo. Se sua voz, era grave, pausada, ou se havia nela algum vestígio de riso escondido.
Talvez fosse só curiosidade. Ou talvez fosse o começo de um desejo que ela ainda não queria admitir.
Ísis se aproximou novamente. Os passos eram quase silenciosos sobre o tapete grosso da sala. Agachou-se à frente dele, que continuava absorto, como se estivesse em outro mundo. Com delicadeza, sua mão se estendeu, hesitante no ar por um instante, antes de pousar suavemente sobre a dele.
A pele dele era quente, macia. A mão, grande. A dela pareceu minúscula sobre aquela imensidão masculina.
Perto, ela pôde observar melhor. Mesmo sentado, ele impunha presença. As pernas longas, os ombros largos. Devia ter, no mínimo, um metro e noventa, talvez até mais. Um homem que ocupava espaço com naturalidade, que chamava atenção mesmo em silêncio.
- Você é enorme... - murmurou, sem pensar, numa voz baixa, quase sussurrada. E sensual.
Tão sensual que ela mesma se assustou.
Os olhos dele se fecharam, como se aquela frase tivesse tocado algo profundo dentro dele. Ísis ficou paralisada, surpresa com a própria ousadia e mais ainda com a reação dele.
Antes que qualquer coisa acontecesse, a porta se abriu repentinamente.
- Com licença - disse a enfermeira, entrando com a prancheta na mão. - Vim verificar a medicação.
Ísis se afastou de imediato, o rosto quente, o coração disparado. Como se tivesse sido flagrada em um momento íntimo demais.
Ele manteve os olhos fechados durante todo o tempo. Não disse nada, não se moveu, mas Ísis tinha certeza de que ele estava ouvindo tudo.
A enfermeira, experiente e discreta, entrou em silêncio, focando no que precisava fazer. Tomou a temperatura, verificou os sinais, mediu a glicose e trocou a medicação no soro com movimentos precisos.
Depois de anotar as informações na prancheta, lançou um olhar curioso para Ísis e, num tom carinhoso e leve, perguntou:
- Você vai ficar com ele o dia todo?
- Sim... - respondeu, ajeitando-se na poltrona ao lado. - O senhor Caio me contratou.
A enfermeira sorriu, baixando a voz em tom de confidência:
- Cá entre nós... esses dois são muito lindos.
Ísis sorriu, sem saber o que responder.
- O senhor Caio me encanta - continuou a enfermeira, com um brilho nos olhos. - Tem um olhar firme, mas ao mesmo tempo... tão gentil.
Ela riu sozinha, como se estivesse falando mais para si mesma. Depois olhou discretamente para o homem desacordado.
- E esse aqui... - disse, balançando a cabeça com leveza. - É um colírio até deitado, não acha?
Ísis riu, corando levemente.
- Acho... - confessou baixinho.
A enfermeira piscou, satisfeita e recolheu suas coisas.
- Bom, qualquer coisa, estou por aqui. Ah, e não hesite em chamar.
- Obrigada.
A porta se fechou com um clique suave.
Ele abriu os olhos, como se tivesse dormido por alguns minutos.
Continuou olhando para o nada, sem piscar, como se estivesse perdido em pensamentos distantes ou lutando para encontrar a realidade.
Ísis observou em silêncio, sem saber ao certo o que deveria fazer. A expressão dele era impenetrável, mas havia algo ali... talvez cansaço, talvez melancolia.
Ela desviou o olhar, buscando se distrair, e voltou a observar a sala. A televisão enorme pendurada na parede.
Um sofá enorme, uma mesinha com uma jarra de água. Ísis respirou fundo. O ambiente era confortável.
Ela se virou devagar para ele outra vez. Ainda não a olhava.
- Quer que eu ligue a TV? - perguntou com suavidade, tentando quebrar o silêncio que já se estendia por tempo demais.
Como era de se esperar, ele continuou em silêncio.
Mesmo assim, ela pegou o controle remoto.
- Vou escolher um filme, tudo bem? - disse, tentando manter a leveza na voz. - E vou fechar as cortinas... pra deixar mais escurinho.
Com delicadeza, ajustou a poltrona dele sem causar incômodo, verificou o soro e organizou os objetos à volta. Só então percebeu o quanto a temperatura havia caído. Já passava das cinco da tarde. E se ela sentia frio ali, acostumada ao clima do Brasil, imaginava como devia ser para ele, tão quieto, imóvel.
Foi até o canto da sala e pegou uma manta grossa para ele. Em seguida, caminhou até a mala que deixara próxima à porta e vestiu uma blusa de lã. De volta à poltrona, ajeitou a coberta sobre as pernas dele com cuidado.
Sentou-se ao lado, hesitante. Respirou fundo e, num gesto cheio de carinho, pousou a mão sobre a dele. Os dedos estavam frios, mas ela não recuou.
- Vou colocar aquele filme de ação que te falei... lembra? - murmurou, com um sorriso quase tímido, torcendo para que, mesmo em silêncio, ele ainda a ouvisse.