Capítulo 10 Uma Oferta Irrecusável

Quando ele disse que tinha uma proposta, prendi a respiração. Eu sabia que não ia gostar. E sabia que minha vida estava prestes a ficar um pouco mais difícil. É isso que acontece quando se dança com o diabo. E lá estava ele - o diabo - com a mão estendida, num convite irresistível.

Ele se apoiou em um piano, os dedos tamborilando na tampa. A sala estava silenciosa, exceto pelo tique-taque de algum relógio escondido.

- Vi como você lidou com aquele policial, o Valentine - disse ele.

- Você viu?? Como é que...?

- Você foi rápida. Afiada. Virou a situação completamente, como uma profissional. O homem nem entendeu o que aconteceu. - Daniel riu um pouco. Parecia até sentir inveja de não ter presenciado.

- Eu... entrei em pânico.

- Não, não, não. Você atuou. - Agora ele sorria abertamente. - Uma atuação digna de prêmio, se quer saber. E você mentiu. Com naturalidade. Nem piscou. Mentiu para a polícia.

Cruzei os braços.

- Eu não menti, eu... omiti. Não contei toda a verdade. E isso foi muito errado da minha parte. Eu me arrependo.

Ele se endireitou e se aproximou. O perfume dele tomou o ar. Eu nunca tinha estado tão perto de Daniel.

- Sabe, eu realmente poderia usar isso - disse ele.

- Usar o quê?

- Esse instinto rápido. Quando você foi colocada contra a parede, o seu instinto mandou agir. Então você enganou. Desviou de ter que mentir ou dizer a verdade. Você não congela quando algo dá errado. Você encontra uma saída. Manipula as peças no tabuleiro. E isso é um movimento de mestre.

Ele serviu-se de um copo d'água de uma garrafa de cristal. Não me ofereceu.

- Preciso de alguém que saiba ler o ambiente. Que consiga pesar fatores. Que saiba falar para sair de uma situação - ou para entrar nela. E, mais importante, alguém que saiba ficar calada quando for preciso. Como você fez por mim.

Olhei para a porta. - Quer dizer... uma advogada?

Ele riu. - Não exatamente. Já tenho advogados demais. Advogados são exibidos. Eu preciso de alguém normal.

Ele bebeu, pousou o copo. Eu devia ter feito uma expressão confusa, porque ele sentiu necessidade de esclarecer o básico.

- Você seria minha... assistente. Digamos, assistente pessoal. Ligações, agendas, pessoas. Cuidaria das coisas pequenas para eu cuidar das grandes.

Levantei-me. - Você acha que eu quero me envolver com o que quer que seja que você faz?

- Você já está envolvida. - A voz dele era suave. Como uma lâmina deslizando.

Ele passou por mim e abriu uma gaveta.

De lá tirou algumas fotos borradas: eu entrando no meu carro antigo, depois no carro dele, depois conversando com Valentine.

- Você aparece em várias câmeras - disse ele. - No café, no estacionamento, aqui. No meu carro - aquele carro que você jurou não ser seu...

Deixou as palavras assentarem no ar.

- Se alguém ligar os pontos, vai ser ruim para você.

Sentei de novo. Devagar.

- Então é o seguinte: você trabalha para mim, mas continua no escritório. Sempre preciso de mais informações, e agora você vai ter dois salários. O meu, claro, é bem maior.

- E o que exatamente eu faria?

- O que eu precisar.

- Isso não é uma resposta.

Ele assentiu.

- Exato. Nós não damos respostas. Não distribuímos informações de graça. Tudo tem um preço. E eu estou comprando as suas. E a sua habilidade de gerenciar as minhas.

O ar parecia pesado.

- Eu tenho um filho - disse. - Ele está começando a faculdade.

- Diogo. Sim, eu sei.

- Eu não posso colocá-lo em risco.

- Você estaria protegendo ele - respondeu. - Não quero que se machuque. Só preciso que fique por perto quando as coisas... esquentarem um pouco.

Olhei para as mãos dele. Calmas. Firmes. Nem um fio de cabelo fora do lugar. Nenhuma gota de suor. Aquilo era só mais uma terça-feira para ele.

- Você vai receber em uma conta pessoal offshore e um cartão de crédito de uma das minhas subsidiárias financeiras. O seu nome não vai aparecer em lugar nenhum.

Olhei para a janela atrás dele. O jardim. As luzes da cidade ao fundo.

Ele esperou. Paciente. Eu poderia tentar negociar, mas sabia que seria inútil. Era um homem acostumado a vencer. E eu só queria sair dali.

- E se eu disser não?

- Você dirige até sua casa. Fica com o carro e tenta vendê-lo de novo. Talvez ache alguém que consiga movimentá-lo sem documentos. Mas devo avisar: esses lugares vivem sendo fechados pela polícia. E quando isso acontece, o seu nome aparece. - Então ele largou o tom ameaçador e começou a refletir sobre o mercado de carros ilegais. - É uma pena que sejam desmantelados com tanta frequência, de verdade. Carros podem ser lucrativos. Claro, primeiro é preciso criar uma longa trilha de papelada e uma ainda mais longa de dinheiro, o que é um custo de instalação, se pensar bem. Depois há os policiais que é preciso manter na folha de pagamento, e proteger o fluxo de caixa contra uma possível... Ah, desculpe, você ainda está pensando na minha proposta.

Ele deu um passo para trás, me dando espaço. Braços abertos, à vontade.

- Não estou te ameaçando. Só estou descrevendo o campo de jogo. Quero que fique segura. Trabalhar para mim garante isso.

- Eu nem sei o que você faz.

- E é melhor assim. Como eu disse, não entregamos informações.

Ficamos em silêncio. O relógio marcava o tempo.

- Então, o que me diz?

- Tenho um encontro hoje à noite.

- Tem? Que bom. Acho que você merece um tempo. Respirar um pouco, certo? Esfriar a cabeça. Isso é muito importante. Espero que ele te trate bem. Diga-me, é o detetive Valentine? É o primeiro encontro?

Meu estômago afundou.

- Você está me vigiando?

Ele fez um gesto vago de desculpas - que podia significar "às vezes".

- Eu observo todos que podem me ajudar ou me prejudicar. Você é os dois.

Era muita coisa para processar. Eu sentia que não conseguiria me livrar daquele homem. Os negócios dele eram como uma teia de aranha se estendendo sabe-se lá de onde, grudando nos meus dedos. Levantei-me e fui em direção à porta.

- Eu... eu volto a falar com você. - Foi tudo o que consegui dizer ao sair.

- Fique à vontade. Que tal até o fim do seu encontro? - ele respondeu.

Comecei a me afastar.

- E diga ao Valentine que eu mandei lembranças! - gritou enquanto eu andava pelo corredor.

O mordomo abriu a porta. A noite estava clara e silenciosa. Desci os degraus em direção ao carro. Os seguranças não me olharam enquanto o portão se abria sozinho. As luzes da cidade se espalhavam à frente.

                         

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