Capítulo 9 Mas Antes, uma Proposta

Quando cheguei aos portões da casa de Daniel, não recebi a mesma recepção da primeira vez. O carro esportivo de luxo do Daniel fora recebido com muito mais entusiasmo do que eu. Os seguranças estavam lá de novo - mas simplesmente me ignoraram. Taquei a mão na buzina do meu carro novo, que não era realmente meu. Nada aconteceu. Senti o peso do olhar deles, mas não vi movimento algum. Pelo menos eu não estava na mira de suas armas.

- Escuta aqui, bonitão, eu preferia não ter que pular o muro, mas juro que pulo. Eu preciso falar com o Daniel! - gritei.

Nada. Nem um pio.

- Ou então posso simplesmente jogar o carro contra o portão. Seria uma pena estragar um carro tão bonito, não acham? E o portão também.

Silêncio.

- Que tal se eu tirar toda a roupa bem aqui e fizer um escândalo pra vizinhança gravar com o celular? Aposto que a casa vai ficar ótima no YouTube. E o povo vai começar a se perguntar por que a mulher pelada louca quer tanto entrar nela!

Não sei se minhas ameaças fizeram diferença ou se foi pura coincidência, mas um dos seguranças recebeu uma mensagem no fone de ouvido e olhou pra mim. O idiota assentiu, como se a pessoa do outro lado pudesse ver o gesto. Que imbecil!

O segurança que acenou recuou e o portão se abriu suavemente. E então eu voltei a ser invisível. Dirigi calmamente pela alameda até a casa absurdamente grande.

Desta vez, não foi Daniel quem me recebeu. Um homem de terno preto estava parado na porta. Não sou especialista em ternos, mas depois de trabalhar com advogados a vida toda, percebi que o dele não era da mesma qualidade dos de Daniel. Ou talvez Daniel apenas soubesse usá-los melhor.

- Por aqui, por favor - disse o homem, com frieza. Nenhum cumprimento. Devia ser mordomo ou algo assim.

Logo eu estava sentada numa sala de estar ampla, com portas de vidro que davam para um belo jardim. Ao fundo, a cidade movimentada. Sentei num sofá enorme, cercada de móveis brancos e obras de arte modernas.

- O senhor Daniel virá encontrá-la assim que for conveniente. - murmurou o mordomo antes de sair.

Ele não disse para quem seria "conveniente". Pra mim ou pra ele.

Não havia um copo d'água por perto, nem um banheiro à vista - e eu percebi isso porque Daniel demorou uma eternidade para aparecer. Nesse meio tempo, li os livros de mesa de centro: Arquitetura Espanhola do Século XVII e Guia Ilustrado dos Diferentes Tipos de Saquê.

Eu já quase os sabia de cor quando ouvi um barulho alto, de algo girando.

O som picotado se aproximava da casa - e podia estar logo acima de mim.

Seria... um helicóptero?

Depois de alguns minutos, tudo ficou em silêncio, e muitos mais minutos depois, ele apareceu.

- Ora, mas que surpresa agradável! Como vai hoje, Carla?

- Entediada, obrigada. - respondi seca.

- Ah, lamento muito ouvir isso! Receio que minha casa não seja exatamente um parque de diversões. E eu nem sabia que você viria, então fui muito mal-educado em deixá-la esperando tanto. Espero que pelo menos tenha se sentido confortável...?

- Sua casa é muito chique, senhor Daniel, mas não, ninguém me ofereceu um café nem me mostrou onde fica o banheiro. Então, não, não estou confortável. Mas preciso falar com você...

- O quê? Inacreditável! Nem um café! Vou mandar enforcar alguém por isso!

Tenho certeza de que ele quis fazer uma piada, mas com tanto homem armado por ali, a piada soou bem séria.

- Aqui, deixe-me te mostrar o banheiro, é logo ali no corredor... - Ele se virou para abrir a porta.

- Esquece, não preciso.

- É logo ali, pertinho. Te dou um tempinho pra... se recompor, e já nos encontramos enquanto faço umas ligações.

- Não precisa - respondi.

- Vamos, é só ali. Enquanto isso, vou pedir à cozinheira que prepare...

- Não precisa! - Repeti, firme dessa vez. - Eu vim aqui por causa do carro.

- Que carro? Ah, o seu? Está gostando dele? À altura dos seus padrões sofisticados? Ou decidiu que quer algo mais esportivo, como o meu? Bem, igual ao meu eu não posso te conseguir, mas posso achar algo... parecido.

- Você nunca para de falar, não é? Como consegue fazer negócio falando tanto?! - explodi.

Ele diminuiu o tom, mas parecia me achar inofensiva.

- O carro está ótimo. Mas eu preciso vendê-lo. Quero que você o transfira pro meu nome, pra eu poder vender.

Daniel pareceu surpreso. Ele claramente não esperava por isso.

- Vender?

- Sim. Numa concessionária ou algo assim. Eles precisam dos documentos. Caso contrário, vou ter que vender em ferro-velho, em partes. - expliquei com paciência.

- Seu carro? Mas o seu carro... Foi um presente. Pra você. De mim. Achei que fosse gostar. Ou, no mínimo, achar útil.

- Eu gosto, e é útil, obrigada, mas ele tem que ir embora.

- Um presente... meu presente. - Ele parecia ofendido. Talvez fosse fingimento pra me humilhar, mas o tom parecia sincero. Se fosse atuação, ele era bom. - Bem, sinto muito que se sinta assim. Achei que fosse o seu tipo de carro. E achei que você realmente precisasse dele, depois do estado do seu antigo.

- Preste atenção: poupe-me desse olhar de cachorrinho arrependido. Não tenho tempo pra isso. Quero esses papéis no meu nome ou meu carro antigo de volta, pra eu poder vender. Esse, que você me deu, custa uma fortuna para manter. Se eu tiver que trocar um pneu, vou à falência. Pra sempre. Não posso ficar com ele. Tenho que colocar meu filho na faculdade, e o valor desse carro ajudaria. Então, transfira ele para mim e eu vou embora. - E lembrei das boas maneiras. - Por favor.

Daniel ficou em silêncio por um momento. E então vi seu semblante mudar - de sonhador para o mafioso irritado que eu tinha conhecido no dia em que ele me deu o carro.

- Sinto muito informar, mas isso não será possível. Aquele carro é propriedade de uma empresa que está sob auditoria. Além disso, a empresa pertence a outras várias companhias, e transferi-lo pro seu nome exigiria uma papelada que eu não estou disposto a enfrentar. Digamos apenas que, por motivos fiscais, vai continuar assim. - Aquele não era mais o homem que sonhava com praias mediterrâneas. Era o personagem de um filme de máfia moderno, daqueles que dizem "não discutimos os negócios da família".

Foi assustador. Achei que ele fosse se virar e mandar alguém me enterrar no jardim e plantar rosas por cima. Senti a garganta secar e as lágrimas subirem aos olhos.

- Mas eu tenho uma proposta pra você. - disse ele, enfim.

            
            

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