Capítulo 8 Eu Acho que Tenho um Encontro

- Jesus! - eu pulei, assustada. - O que... o que posso fazer pelo senhor, detetive? Está procurando um bom advogado de direitos civis?

- Não, obrigado. - Ele levantou as mãos num gesto de paz. - Só vim conversar com você. Acho que fui um pouco duro demais ontem, quando estava inspecionando aquele carro. Acho que devo ter te assustado, não é?

Na verdade, foi o contrário. Pelo que eu lembrava, eu é que o tinha assustado até ele voltar aos protocolos corretos de investigação.

- Não se preocupe, estou bem. - garanti.

- E, bem... talvez eu não tenha sido muito educado com você. Você só estava olhando o carro, certo? Então... vim me desculpar.

- Não precisava... - comecei a dizer.

- Que gentileza a sua. - Sarah me interrompeu, com um sorriso. - A gente agradece por ter vindo.

- É, ótimo. - ele continuou, um pouco sem jeito. - Enfim, me desculpe. Eu estava sob pressão pra pegar aquele criminoso, e minhas investigações estão meio lentas, então... percebi que isso é culpa minha. Então, é isso. Desculpas aceitas? Estamos bem, certo?

- Claro. Estamos bem. - respondi.

Mas ele não se moveu do lugar.

- Mais alguma coisa, detetive?

- Na verdade, sim. Eu gostaria de... te convidar pra um café. Como forma de me desculpar, sabe?

- Acho que ouvi meu telefone na outra sala. - disse Sarah, já se afastando e me deixando sozinha com o policial.

Eu não esperava um convite pra um encontro. Também não planejava deixar nenhum homem entrar na minha vida tão cedo. Os últimos anos tinham sido duros, e entre o trabalho e o Diogo, não sobrava espaço pra namoros. Ou pra qualquer outra coisa, na verdade. Eu nem lembrava a última vez que tinha comprado roupas novas ou ido a um salão. Estava atrasada no corte de cabelo, nas unhas, em tudo. Com certeza não parecia "material para encontros". Por outro lado, Diogo ia pra faculdade, e a maioria das noites eu voltaria pra um apartamento vazio. Não que meu apartamento fosse romântico o suficiente pra um jantar a dois.

A decisão não era fácil, mas aparentemente eu não parecia confusa o bastante - Valentine interpretou meu silêncio como timidez:

- Ótimo. Então, amanhã?

Definitivamente, era o tipo de homem que não aceitava um "não".

Quando voltei pra minha mesa, vi o olhar curioso de Sarah me seguindo. E, claro, ela já tinha espalhado a notícia: os outros colegas também me olhavam com sorrisos disfarçados.

- E aí...? É um encontro ou não é? - perguntou ela.

- É sim. Ele quer tomar um café amanhã.

Os outros riram e cochicharam como adolescentes. Demorei um bom tempo pra escapar das perguntas - onde seria, quando, o que eu ia vestir, o que eu achava dele... A verdade é que eu não sabia. Provavelmente sabia menos do que eles, já que fazia anos que eu não saía num encontro.

Agora eu tinha uma lista de afazeres com dois itens: um encontro e vender um carro. E eu não sabia qual dos dois me deixava mais apavorada. Não tinha experiência com nenhum. Bom, encontros eu já tinha tido - há tanto tempo que era como se fosse outra vida.

Mas o que eu não esperava era falhar tão miseravelmente em vender o carro. Fiz minha pesquisa, encontrei uma loja que comprava veículos e achei que estava arrasando quando cheguei lá dirigindo o carro que o Daniel me dera. Vi os olhares. Não era um carro qualquer - eu sabia que era bom, mas não imaginava que assustaria os compradores por ser bom demais.

E o pior ainda estava por vir. As sobrancelhas foram parar no teto quando entreguei os documentos de propriedade.

- A senhora tem algum vínculo com essa empresa? - perguntou o homem que fazia as negociações, olhando o nome no papel. - Acho que ela fica no exterior... Como esse carro veio parar aqui?

Senti o escritório encolher ao meu redor, e todos os olhares se voltaram pra mim como se eu tivesse roubado aquele carro em outro país e atravessado a fronteira dirigindo.

- Eu... eu presto consultoria pra eles. E me ofereceram o carro como pagamento.

- Deve ser uma excelente consultora! - ele exclamou, ao ver quanto o carro valia. - Mas eu não posso comprar. Talvez a senhora devesse pedir pra eles transferirem o carro pro seu nome primeiro, lá... seja lá de onde forem.

O nome da empresa nem dava pra ler direito - parecia que uma criança tinha juntado um monte de consoantes de um saco de letras e colado na porta da geladeira.

Ainda tinha mais duas lojas na minha lista pra tentar negociar e conseguir um preço melhor. Mas aquela conversa me fez perceber que provavelmente teria a mesma resposta em todas.

Daniel tinha me dado um carro pertencente a uma de suas várias empresas - talvez ele fosse dono, sócio ou não tivesse nada a ver, quem sabe. E agora eu estava presa num labirinto burocrático que me impedia de transformar aquilo em dinheiro.

De volta à estaca zero: um filho indo pra uma faculdade que eu não podia pagar, colegas que podiam suspeitar que eu desfalquei o próprio filho e, pra completar, um encontro com um policial. Como diabos eu ia aparecer num encontro dirigindo um carro absurdamente caro? Não havia explicação razoável pra isso.

Eu estava guiando um carro de luxo - mas não tinha dinheiro pra pagar o próprio café.

Minha única opção era voltar a falar com aquele homem perigoso. E o pior era que eu nem tinha o número dele. Só sabia onde morava - o que significava que eu teria que bater à porta dele e torcer pra ter sorte.

Aquela história do carro me convenceu de que já tinha tido Daniel demais na minha vida - com seus negócios talvez legais, talvez não.

Meu ódio por aquele homem cresceu um pouco mais.

Eu nunca devia ter protegido ele. Nem o maldito carro esportivo.

            
            

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