"Eu devo estar louca. Perdi completamente a cabeça. Carla, como é que você vai explicar isso? Como vou explicar esse carro novinho em folha pro Diogo? Como vou dirigir isso até o escritório? Eles vão achar que eu roubei o dinheiro do meu próprio filho para comprar um carro!"
Eu desci a estradinha estreita que levava da casa de Daniel com todos esses pensamentos rodando na minha cabeça. Eu nem estava acostumada com todos aqueles botões e tecnologias no painel. Por fora, o carro parecia normal - seguro, discreto, algo que uma mãe dona de casa dirigiria. Mas por dentro, era um sonho realizado. Claro que tinha bancos de couro. E aquecimento no assento, que eu tinha ligado sem querer e agora não sabia como desligar.
Resumindo: Daniel me embebedou e me alimentou, apesar dos meus protestos. Que, sejamos honestos, não foram muito estridentes. É difícil protestar de estômago vazio, cercada de luxo e tendo um presente desses jogado na sua cara. Sim, ele fez isso - jogou esse carro em cima de mim. Mais ou menos. Forçou a situação, garantindo que ou eu aceitava aquele carro, ou voltava a pé no escuro. Pelo tom dele, era capaz de soltar o próprio lobo mau atrás de mim e assistir, sorrindo, enquanto eu virava jantar.
Mas... Isso era uma coisa boa. Eu tinha ajudado um cliente. Bom, ele não era exatamente um cliente. Mas me encontrou, e eu ofereci assistência jurídica. Mesmo não sendo advogada. Nem assistente, pra falar a verdade - sou só uma secretária. Mas eu o tirei de uma enrascada com a lei. Não é isso que os advogados fazem? Advogados imorais, claro, mas ainda assim... todo mundo tem direito a uma defesa, não tem?
E esse era meu pagamento por um trabalho bem feito. Ganhei uma refeição que nunca provaria na vida, dei um gole - ou talvez uns goles - de um vinho que nunca sonharia em comprar e recebi meu pagamento: este carro.
Mas, assim que estacionei na garagem do prédio, toda a minha racionalização foi pelos ares. Entre os carros dos vizinhos, o meu se destacava como um pavão num galinheiro. Um galinheiro pobre. Por mais discreto que fosse, ainda era um modelo de luxo. Não era só um carro de mãe - era o carro de uma mãe de herdeiro milionário.
Aquilo era dinheiro de cala a boca, sem dúvida. Eu tinha acabado de aceitar meu primeiro suborno. E torcia para que fosse o último. Daniel era encantador. Quando falava de suas viagens, era deslumbrante. Ele falava como um sonhador, mas em vez de sonhar com viagens românticas, ele lembrava delas. Ele esteve lá, mas parecia não superar o fato de ter vivido tudo aquilo: os lugares, as comidas, as músicas, os vinhos... Ele fazia eu me sentir como se estivesse lá também.
E, no meio de todas aquelas histórias hipnóticas, ele me empurrou casualmente uma ameaça de morte. E agora eu tinha um carro lindo e novinho do qual precisava me livrar. Vender, usar o dinheiro pra faculdade e nunca mais falar sobre nada disso. Fim da história. Ninguém precisava saber.
Acho que eu vou pegar o ônibus pro trabalho, afinal.
Quando entrei em casa, Diogo estava estendido no sofá, assistindo TV. Quase dormindo.
- Diogo? Acorda, filho, você precisa ver isso - sussurrei, balançando o cheque diante dos olhos dele.
Demorou um pouco pra ele focar naquele pedaço de papel, mas quando conseguiu, pulou do sofá.
- O quê??! Mããããe!! Eu não acredito! Os chefes adiantaram isso? Como é possível?!?
- Eles ajudaram, mas todo o pessoal do escritório contribuiu. Cada um com o que podia. Você vai pra faculdade, meu amor!!
- Nãããão!! Eu não acredito! Eles são incríveis! Quem participou? Eu tenho que ligar pra eles! - Que garoto bom... queria agradecer um por um.
- Agora não, Di. Já é quase meia-noite, todo mundo já foi dormir. E você também devia. Vai escovar os dentes.
- Sim, mãe.
Ele foi pro banheiro segurando o cheque, com medo que desaparecesse das mãos. Eu entendia bem aquele sentimento - o medo de que as coisas boas evaporassem assim que a gente as tocasse. Era assim que tudo de bom acontecia pra nós: sumindo antes que desse pra aproveitar. Talvez não esse carro. Esse, quem sabe, fosse uma boa coisa. Ou seria, assim que eu o vendesse.
Agora meu bebê vai embora também. Quando voltar da faculdade, já não vou poder mandá-lo escovar os dentes. Por mais que eu torça pra vê-lo crescer e virar um homem, vai doer vê-lo partir. Ele não vai mais ligar pra mãe pobre, igual nos filmes. E eu vou reclamar disso. Igual nos filmes. E só o verei no Natal. Droga... Passei a vida toda trabalhando para criá-lo, e agora que deu certo... o que eu vou fazer comigo?
Se sobrar dinheiro depois de vender esse carro, talvez eu faça um cruzeiro. E tente ver alguns daqueles lugares sobre os quais aquele homem falou tanto.