Capítulo 7 A Vida Continua

No dia seguinte ccordei cedo, antes do Diogo, e andei na ponta dos pés pela casa para passar uma maquiagem básica e preparar um café da manhã rápido. Não tinha dormido o suficiente, mas a vida é assim mesmo às vezes. Com aquele tesouro estacionado na garagem, as coisas pareciam melhorar pela primeira vez em muito tempo, e eu podia abandonar um pouco minhas preocupações. Agora só faltava vender o carro - o que eu nunca tinha feito antes. Como é que se vende um carro, afinal? Eu só tinha comprado o meu há muitos anos, depois que o pai do Diogo foi embora...

Desci as escadas, lancei outro olhar para o carro caro e fui até o ponto de ônibus na esquina. Fazia tanto tempo que eu não pegava ônibus. "Começando com humildade...", pensei, e depois ri de mim mesma. Se meus começos eram humildes, o que era o agora? Trabalhar como secretária e morar num apartamento de um quarto com meu filho? Eu tinha uma vida inteira humilde! Meu carro anterior - aquele que o Daniel tinha levado e sabe-se lá o que fez - não era muito melhor que o ônibus em que eu estava. Mas pelo menos cheirava melhor.

O ônibus da cidade estava lotado de gente indo trabalhar, com aquele olhar resignado de quem sabe que não há muito mais o que fazer pra subir na vida. Eu entendia bem. Eu pertencia àquele grupo. Tinha trabalhado até o limite do meu potencial. Se quisesse algo mais da vida - como um passeio de iate pela ilha Sardenha - precisaria de um diploma universitário, como Diogo estava tentando conseguir.

Esse era o meu destino. Assim como o de todas aquelas pessoas dentro daquele ônibus.

"Quando eu vender aquele carro, vou ter dinheiro pra faculdade do Diogo, mas duvido que minha vida mude muito. Ainda vou continuar trabalhando duro para pagar as contas. Mas nunca tiraria do Diogo as esperanças e os sonhos dele. Sim, esse é o meu destino. Pelo menos vou ter um filho formado."

Logo o ônibus feio parou a alguns quarteirões do trabalho. Tive tempo suficiente pra correr até o banheiro, retocar a maquiagem e entrar no escritório. Tudo estava como sempre: o barulho das teclas dos computadores preenchia o ar, telefones tocavam de vez em quando, o ar-condicionado zumbia, e o cheiro de café disfarçava o do tapete velho e empoeirado.

Enquanto batalhava pelo meu salário, comecei a procurar na internet lojas que pudessem comprar o carro que Daniel me dera. Foi uma jornada longa. No começo, só encontrei lojas de acessórios automotivos. Depois, lojas que tentavam me vender o mesmo modelo, o que me deu uma ideia de quanto valia um carro novo. Com aquele dinheiro, Diogo poderia ter ido pra uma faculdade ainda melhor... Mas eu sabia que não conseguiria vender o meu pelo preço de um novo.

Por que algumas pessoas têm tanto dinheiro enquanto eu tenho que viver no fio da navalha?

Quando finalmente encontrei o que procurava, Sarah apareceu perto da minha mesa.

- Ei, Carla. Almoço? - perguntou.

- Claro. Só deixa eu... terminar isso aqui... - disse, fechando várias janelas no computador.

- Sem problema, te espero no... Ei, você tá olhando carros novos? Vai trocar de carro?

- Não, não! Eu... só estava curiosa. Meu carro... meu carro morreu ontem, então pensei que talvez... bom, não, na verdade não pensei nada. Tô só olhando por olhar. - tropecei nas próprias palavras tentando justificar todos aqueles carrões abertos na tela.

- Olhando isso por olhar? Nem os chefes daqui têm um desses. Você devia ter ficado com aquele de luxo do mafioso de ontem.

- Eu nem saberia dirigir aquilo! E ter problemas com a polícia é a última coisa que eu preciso. - menti.

- Pelo menos a gente conhece alguns advogados... - disse Sarah, mostrando nossos colegas de trabalho.

- Verdade. - respondi. - Bom, chega de sonhar com a vida de esposa de mafioso. Vamos almoçar. - Fechei a última aba do navegador.

- Você acha que é perigoso ser esposa de mafioso? - perguntou Sarah enquanto entrávamos no elevador.

- Por que, tá pensando em desistir dessa maravilha que é a vida comum? Com todas as suas vantagens? - brinquei.

- E você não? Quero dizer, se meu marido sumisse de repente, eu saberia que foi sequestrado por um cartel rival, não que se apaixonou por uma patricinha.

- Ou foi levado pela polícia. - lembrei do detetive Valentine.

- Ou isso. E se ele ficasse gordo, eu saberia que era de tanta comida italiana, não de ficar sentado jogando videogame o dia inteiro.

- Sarah, você não parece o tipo assassina.

- Pera, as esposas é que têm que matar? Eu achei que era só mansões e cirurgias plásticas!

- Eu não sei, não assisto filmes de máfia. - respondi.

- Nem eu. - fez uma pausa. - Mas assistiria se todos os mafiosos fossem tão bonitos quanto o seu, aquele Jean-Luc.

Tive que parar pra pensar nisso. Daniel era bonito. Por trás do carro de luxo, da mansão com seguranças, do terno caro e das viagens, sim - ele era bonito. Nas histórias dele havia uma certa inocência, como a de uma criança falando dos brinquedos preferidos, e eu admirava isso. Era uma pena que estivesse envolvido em coisas horríveis que exigiam armas, passaportes falsos e guarda-costas armados.

- Eu passo. Deve haver caras bonitos por aí que não traficam drogas nem armas para viver.

- Espero que sim. - Sarah concordou. E começou a cantarolar: - If I were a rich girl, dada dada dada dada dada da dada da daaaaaa...

Saímos do elevador rindo e fomos ao pequeno café onde sempre passávamos o tempo livre. A vida, aparentemente, não era sem tropeços - como ter seu carro roubado por um mafioso e ganhar um melhor no lugar. Mas, no fim, as coisas tendem a voltar ao normal. E aquilo era o meu normal. O trabalho era uma chatice, mas as pessoas eram legais. E o Diogo ia construir algo bonito pra si mesmo. Então, no fim das contas, tudo estava bem.

Voltamos ao escritório.

- E o que você vai fazer sobre o seu carro? - perguntou Sarah.

- Ah, vai dar certo. Acho que consigo um bom preço, mesmo ele não estando funcionando. Posso trocá-lo por outro parecido. Talvez até um modelo mais novo!

- Sério? Uau, Carla, ou você é um gênio negociando carros ou tem uma atitude muito positiva com a vida.

- Acho que estou me sentindo otimista. Parece que os preços dos carros estão caindo ultimamente.

- Hummm... ok. - Sarah entendia ainda menos de carros do que eu.

- Então é aqui que você trabalha? - disse o detetive Nicholas Valentine, que me esperava na entrada do escritório.

            
            

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