Capítulo 2 Boas notícias que são más notícias

- Bem, parece que o seu dia acabou de ficar muito melhor - disse Sarah, enquanto a gente parava diante daquele carro.

Depois que o homem estranho saiu do café, olhando para todos os lados, Sarah praticamente me arrastou até o estacionamento. Terceiro andar. Vaga B12. Lá estava ele. Seja lá o que aquilo fosse. Tinha quatro rodas, mas todo o resto parecia de outro planeta. O design era esportivo e elegante, as janelas, totalmente escuras, e o carro não se parecia com nada que eu já tivesse visto - muito menos dirigido. Parecia que tinha acabado de pousar na Terra. Ou que tinha vindo do futuro.

Aproximei-me e, com um assobio suave, a carroceria se ergueu alguns centímetros e a porta se abriu sozinha para me receber. Dei um passo para trás. Mas entrei mesmo assim.

Os bancos de couro cheiravam a novos e, assim que meu pé tocou o pedal do freio, todas as luzes se acenderam e o painel ganhou vida com telas azuis. A porta se fechou suavemente atrás de mim - e eu percebi que não fazia ideia de como abri-la de novo. Não havia maçaneta por dentro! Comecei a apertar todos os botões daquelas telas tentando achar uma saída, mas tudo o que consegui foi abrir o porta-luvas. De lá, caiu uma porção de coisas - entre elas, uma arma e um maço enorme de dinheiro.

Fiquei paralisada, encarando a arma, enquanto Sarah batia no vidro do lado de fora. Sem tirar os olhos daquele monte de notas, comecei a apertar tudo o que minha mão alcançava no painel, até que me lembrei de tirar o pé do freio. A porta, enfim, se abriu.

- Tá tudo bem? - perguntou Sarah, quando saí do carro.

- Eu... eu acho que não devia estar aí dentro.

- Como é? Você tá dizendo que não vai ficar com o carro daquele estranho? Você sabe quanto isso vale?

- Nem ideia. Mas deve ser caro.

- Caro? Com o preço desse carro, você não só colocava o Diogo em várias faculdades como ainda ganhava uma biblioteca com o seu nome! - disse Sarah, mostrando o anúncio do modelo no celular.

- É... mas eu não acho que aquele homem era alguém muito legal. E se o carro for tão caro assim, ele vai querer de volta.

- E como você vai achá-lo? A gente nem sabe quem ele é!

- Bom... além de dono de uma arma, acho que ele se chama Eduardo. Ou Jean Luc - falei, mostrando dois passaportes que tinham caído do porta-luvas.

- Puta merda! - exclamou Sarah, pegando os passaportes. - E agora, o que você vai fazer?

- Acho que vou pegar o ônibus pra casa... - respondi, pegando os passaportes de volta.

Quando me virei para o carro, luzes vermelhas e azuis piscavam no meu rosto. A polícia. Dei um passo para trás e as portas do carro se fecharam sozinhas. Enfiei os passaportes nos bolsos.

- Você aí! Mãos onde eu possa ver!

Um homem de jeans e jaqueta cinza parou a poucos metros, com a arma em punho. Atrás dele, dois policiais fardados. Eles olharam em volta do carro. Um dos uniformizados fez sinal para a maçaneta, mas não havia nenhuma.

- Abra o carro, senhora!

- Como?

- Esse carro é seu? - perguntou o de jeans e jaqueta.

- Eu pareço alguém que teria um carro que vale uma biblioteca universitária? - respondi, meio lisonjeada, mas ciente de que minhas roupas não combinavam com o veículo. E eu ainda devia estar com o rímel todo borrado.

- Bem, isso aí na sua mão é ou não é o cartão de chave do carro?

- Isso? Não... isso é o cartão de acesso do escritório. Lá em cima. Segurança bem rígida.

- Chega de brincadeira, senhora, eu preciso que esse carro seja aberto agora! - gritou ele.

- Pois se o senhor precisa abrir esse carro, vai ter de apresentar um mandado judicial devidamente justificado e assinado por um juiz em exercício na vara criminal, conforme a lei determina, permitindo tempo razoável para análise das partes interessadas. Caso contrário, o senhor está incorrendo em abuso de autoridade e prevaricação! - retruquei, elevando a voz, ainda com as mãos no alto.

Os olhos de Sarah se arregalaram. Os policiais fardados deram meio passo para trás.

- Espera... você é advogada? - perguntou ele.

- Ou algo assim.

- Se for advogada, preciso ver sua identificação, senhora! Agora, antes que eu perca a paciência!

- Vai precisar de outro mandado pra isso também, já que não tem causa provável para me associar a esse carro que tanto te interessa. E, no momento, não estou exercendo a profissão. Caso o dono do carro me contrate, aí conversamos.

Isso fez ele perder a compostura. Abaixou a arma - só pra aproximar o rosto do meu. Eu podia sentir o hálito dele.

- Escuta aqui, eu tenho sido muito paciente com você até agora...

- Espera, você tá me agredindo? Tá me apalpando? Pegou no meu peito? Sarah, você viu isso? Ele me tocou! Isso é abuso!

- Eu não toquei em você! - ele disse, não exatamente se defendendo.

- Sério? Porque aquela câmera ali em cima parece discordar! - apontei com o dedo, sem abaixar as mãos. Todas as cabeças se viraram para a câmera de segurança, piscando uma luz vermelha sobre nós. Isso finalmente fez ele recuar.

- Espera, eu... eu não toquei nela! - virou-se pra Sarah. - Você viu isso, né? Viu que eu não toquei nela?

- Eu vi que você não se identificou antes de apontar uma arma pra gente. E, pelo que entendi, vocês estão procurando um homem de terno, não duas mulheres assustadas num estacionamento - respondeu Sarah.

- Sim. É isso mesmo. Onde ele está?

- Então...? - perguntei.

- Então o quê? - ele não entendeu.

- Vai se identificar ou não?

Ele precisou respirar fundo antes de responder, mas enfim mostrou o distintivo.

- Sou o detetive Nicholas Valentine, do Quarto Distrito - murmurou, visivelmente irritado por ter sido vencido no uso da lei. - Eu estava perseguindo o dono desse carro. Homem branco, cerca de quarenta anos, cabelos escuros, olhos azuis, terno preto. Você o viu?

- Não, senhor. Estávamos andando pelo estacionamento e vimos esse carro - por ser, sabe, tão luxuoso. Ficamos curiosas. Podemos abaixar as mãos agora, por favor? - falei, secamente.

- Sim, senhora - respondeu, guardando a arma. - Aqui está meu cartão. Se o virem, por favor, liguem para esse número.

Ele se afastou enquanto eu abaixava as mãos trêmulas.

- Espere! Detetive Valentine? - chamei. - Esse homem que o senhor procura... ele é perigoso?

Ele olhou ao redor, coçou o queixo e respondeu:

- Pois é. A gente não sabe. Ele sempre aparece quando algo dá errado. Toda vez que há um golpe, uma prisão grande, uma operação suspeita... ele está por perto. Mas nunca é identificado. É como um fantasma.

Quando Valentine virou a esquina, tirei os dois passaportes do bolso e me aproximei do carro. A porta se abriu sozinha - e a arma caiu no chão, fazendo um barulho metálico pesado no cimento.

Aquele dia não podia ficar mais estranho.

            
            

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