Amara começou a caminhar.
O vestido pesava o suficiente para lembrá-la de que o amor também é responsabilidade.
As rendas arrastavam no chão como espuma.
Ela via o futuro em cada passo: casa, filhos, viagens, domingos lentos ao lado do homem que dizia amá-la desde os dezessete.
Quando chegou ao altar, Adriano segurou sua mão.
- Achei que o tempo não ia passar hoje. - Ele sorriu. - Estava contando os segundos pra te ver assim.
Ela respondeu com um olhar que dizia tudo: finalmente.
O padre falou, e Amara mal ouviu as palavras.
"Na alegria e na tristeza..."
Ela só pensava no brilho nos olhos dele, no modo como ele lhe apertava os dedos, como se dissesse sou teu lar.
O "sim" dela saiu firme, quase emocionado demais.
E o dele, controlado, perfeito - como sempre fora.
O aplauso encheu a nave, pétalas caíram do alto, e a orquestra trocou o som solene por música viva.
Amara riu, um riso limpo, leve.
Nada poderia dar errado.
O salão de festas do hotel era um espetáculo.
Candelabros refletiam em paredes de espelhos, arranjos de lírios brancos tomavam as mesas, e o nome deles brilhava em dourado na pista de dança: A & A – Para Sempre.
Adriano era o anfitrião perfeito.
Cumprimentava convidados, fazia brindes, contava histórias engraçadas sobre o começo do namoro.
Amara o observava de longe, o coração cheio de orgulho.
- Ele nasceu pra isso - comentou Clara Salvatto, encostando-se a ela com uma taça na mão.
- Pra brilhar? - Amara riu.
- Pra te amar. - Clara piscou, e as duas riram juntas.
Clara era sua sombra leal, a amiga que esteve em todos os aniversários, em cada choro adolescente, em cada decisão da vida.
Ver a emoção nos olhos dela era o que deixava tudo ainda mais real.
O pai de Amara subiu ao palco para o brinde.
Falou sobre a filha que sempre acreditou no amor, sobre Adriano, "o homem que a faria feliz".
As palavras tocaram fundo.
Quando as taças se ergueram, Amara quase chorou.
- À Amara e Adriano, que sejam eternos! - bradou o pai.
O som dos cristais se chocando ecoou como um feitiço.
Amara olhou para Adriano - ele devolveu o olhar, um sorriso rápido, controlado, daqueles que guardam segredos de homem seguro.
Naquele instante, ela pensou: é assim que a felicidade se parece.
Horas depois, já sem o véu, ela caminhava pela pista de dança de pés descalços.
A banda tocava uma canção antiga, o vestido rodava no ritmo do corpo, e Adriano a segurava pela cintura.
- Promete que nada vai mudar? - ela sussurrou.
- Só o teu sobrenome. - Ele sorriu contra o ouvido dela. - O resto vai durar pra sempre.
Ela acreditou.
Porque o amor, quando é verdadeiro - ou parece ser -, convence até o impossível.
Lá fora, a noite começava a cair sobre a cidade.
Dentro do salão, tudo era brilho, música e calor humano.
O destino esperava pacientemente do lado de fora das portas, mas Amara ainda não o via.
Por enquanto, ela era apenas uma noiva feliz, girando entre flores e promessas, sem saber que cada aplauso daquela noite seria a última celebração da mulher que acreditava no amor.
O jantar começou com risadas.
As luzes foram suavizadas, o salão inteiro parecia respirar o perfume das velas e do vinho tinto.
Adriano fez um brinde rápido - elegante, ensaiado.
- À mulher mais incrível que já conheci. - Ele levantou a taça, o sorriso preciso, o tom de quem domina a sala. - À minha esposa.
Os convidados aplaudiram.
Amara sentiu as bochechas queimarem.
- E ao marido que vai ter que lidar com a sogra mais ciumenta de São Paulo! - gritou alguém da mesa ao lado, e a gargalhada geral dissolveu a formalidade.
Ela observava os rostos conhecidos: o pai emocionado, a mãe satisfeita, os tios trocando olhares cúmplices, Clara conversando animada com um produtor de cinema.
Tudo era vida, movimento, calor.
Adriano encostou os lábios no ouvido dela:
- Você não vai comer nada?
- Estou tentando gravar tudo. Não quero esquecer nem um segundo.
Ele sorriu. - Então me deixa te lembrar. - E levou um pedaço de bolo à boca dela.
Era simples, doce, humano.
Ela pensou que talvez fosse isso o amor - pequenas gentilezas num dia grandioso.
Mais tarde, Amara saiu para respirar.
Do lado de fora, o jardim do hotel estava silencioso, iluminado por fileiras de luzinhas brancas.
O vento balançava o véu esquecido em seu braço.
Ela olhou para o céu e pensou na vida que a esperava: a lua de mel, a casa nova, o escritório que montaria ao lado dele, as manhãs compartilhadas.
Por dentro, ainda era uma menina grata por ter acertado.
- Fugindo da festa? - a voz de Clara surgiu atrás dela.
Amara se virou, rindo.
- Só um minuto de paz.
Clara se aproximou, segurando duas taças.
- Paz é perigosa. Faz a gente pensar demais.
- Hoje eu só quero sentir. - Amara pegou a taça. - Nenhum pensamento cabe nessa noite.
- Então brinda comigo. - Clara ergueu o copo. - À tua felicidade... e à nossa amizade eterna.
O som das taças se chocando foi claro, cristalino.
Amara acreditou.
Por quinze anos, aquela amizade fora seu porto seguro - e era reconfortante pensar que continuaria sendo.
De volta ao salão, o DJ havia trocado a música clássica por uma seleção de jazz moderno.
Adriano estava rodeado de convidados importantes, falando sobre investimentos, gesticulando como quem já nasceu dentro de uma cúpula de sucesso.
Amara o observou de longe, orgulhosa.
- É um homem admirável, filha. - disse seu pai, aproximando-se. - Não poderia ter escolhido melhor.
- Eu sei, papai. - Ela o abraçou. - Prometo que vou honrar o nome da família, como a mamãe sempre diz.
Quando ele se afastou, ela viu Adriano a procurando entre as pessoas.
Ele sorriu quando a encontrou e estendeu a mão.
- Senhora Monteverde, dance comigo.
Amara colocou a taça na mesa e deixou-se levar.
O corpo dele era quente, o cheiro familiar.
A música envolvia os dois como se o mundo tivesse ficado menor.
- Eu nunca pensei que pudesse amar alguém tanto assim. - Ela disse, com a voz embargada.
- E nunca mais vai amar assim. - Ele respondeu sem perceber o peso da frase. - Porque o que a gente tem é raro.
Ela acreditou.
Acreditou em cada palavra, em cada toque, em cada aplauso que acompanhava os passos do casal.
A noite seguiu, infinita e dourada.
E, quando o relógio marcou duas da manhã, Amara Bastos pensou que o destino finalmente tinha parado de brincar com ela.