A Vingança da Minha Alma
img img A Vingança da Minha Alma img Capítulo 2 A traição
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Capítulo 6 O Recomeço img
Capítulo 7 As Máscaras da Casa img
Capítulo 8 O Café dos Lobos img
Capítulo 9 As Primeiras Fendas img
Capítulo 10 O Filho do Motorista img
Capítulo 11 O Peso do Cuidado img
Capítulo 12 Fantasmas do Passado img
Capítulo 13 O Crepúsculo entre nós img
Capítulo 14 A Tormenta Perfeita img
Capítulo 15 A Festa do Homem Errado img
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Capítulo 2 A traição

Passava das onze da noite quando os convidados começaram a ir embora.

Os arranjos de flores já perdiam o perfume, e o brilho do salão parecia cansado.

Amara conversava com os últimos parentes, sorrindo mais por educação do que por alegria - a exaustão da noiva feliz.

Adriano se inclinou sobre ela, ainda com o sorriso perfeito que sabia usar diante das câmeras.

- Amor, vou falar com o gerente do hotel sobre o embarque de amanhã, está bem? - murmurou, roçando um beijo rápido em sua bochecha.

- Vai demorar? -

- Dois minutos. - Ele piscou. - Prometo.

Ela assentiu, acreditando.

Mas dois minutos viraram dez, depois quinze, e o relógio começou a pesar.

Amara procurou com os olhos - entre mesas, risos, taças vazias - e percebeu algo estranho: Clara também não estava mais ali.

Nem no bar, nem na pista.

Um incômodo fino subiu pela nuca, mas ela afastou o pensamento, dizendo a si mesma que era bobagem.

Foi até o buffet, depois ao hall do hotel. Nada.

O som da música se misturava ao eco distante das vozes no corredor.

Quando passou perto do elevador, ouviu duas convidadas cochichando:

- Eu acho que ele subiu pro terraço com alguém. -

- Que descarado... na noite do casamento! -

As palavras bateram nela como uma pancada.

O corpo reagiu antes da razão.

Amara apertou o véu nas mãos e entrou no elevador.

O silêncio da subida foi sufocante.

Cada número acendendo no painel era uma batida a mais do coração.

Quando as portas se abriram, o vento frio da madrugada invadiu o espaço.

O corredor do último andar estava deserto.

Somente uma porta, no fim, deixava escapar uma faixa de luz amarelada - e sons.

Baixos, entrecortados, inconfundíveis.

Amara parou.

O mundo pareceu escorregar dos pés.

Um gemido atravessou o ar, seguido de um riso abafado.

O dela.

Ela deu dois passos, empurrou a porta.

A chuva fina começava a cair sobre o terraço.

As luzes da cidade piscavam lá embaixo, e no meio da escuridão, duas silhuetas se moviam sobre a mesa de vidro.

Clara.

Adriano.

O som do tecido rasgando, a respiração acelerada, o toque das mãos que não eram as dela.

Tudo nela se partiu em silêncio.

O coração, a fé, a ingenuidade.

Ela tentou falar, mas a voz não saiu.

Um soluço seco escapou, e a chuva cuidou do resto.

- Adriano... - foi o que conseguiu.

Os dois se viraram ao mesmo tempo.

O vestido de Clara caía pelo ombro, o cabelo grudado no rosto; Adriano, ainda sem fôlego, olhou pra Amara como quem vê um fantasma.

- Amor, não é o que parece... - murmurou ele, tentando se recompor.

Mas já era tarde.

Amara deu um passo pra trás, sentindo o chão tremer.

O som da festa lá embaixo ainda chegava, fraco, distante, como se viesse de outro mundo.

E ela entendeu, finalmente: o casamento dela terminava antes mesmo de começar.

A chuva engrossou.

O vento chicoteava o vestido de Amara, fazendo o tecido colar no corpo como se quisesse arrancar dela qualquer resquício de dignidade.

Adriano ainda tentava ajustar a camisa, enquanto Clara, sem vergonha alguma, apenas sorria.

- Não é o que parece - disse ele, com a calma de quem acha que controla o estrago.

- Então me explica, Adriano. - A voz dela era fraca, mas cortante. - Me explica o que eu acabei de ver.

Clara riu.

- Você viu o amor de verdade, Amara. Coisa que nunca foi capaz de dar a ninguém.

Amara virou-se para ela, o olhar faiscando por trás das lágrimas.

- Amor? Você chama isso de amor? Trair quem te abriu a casa, quem te defendeu quando ninguém te suportava?

Clara deu um passo à frente.

- Defender? Você acha que eu precisava da sua piedade? Quinze anos ouvindo seus conselhos de princesa rica, te vendo nadar em luxo enquanto eu implorava por migalhas de atenção. E o pior? Você realmente acreditava que éramos amigas.

Amara piscou, desnorteada.

- Então... tudo era mentira?

- Tudo. - Clara sorriu, fina, venenosa. - Eu só precisava estar perto do dinheiro. E de Adriano.

Ela olhou para ele, provocante, e o toque foi um tapa em Amara.

- Diz pra ela, amor. Fala a verdade.

Adriano respirou fundo, enfiando as mãos nos bolsos.

- Pra quê? - respondeu, seco. - Ela já entendeu.

Amara engoliu em seco.

- Eu te amava, Adriano.

- E esse foi o seu erro - ele disse, frio. - Amar demais e entender de menos.

Ele se aproximou, o rosto endurecido.

- Você sempre foi um investimento, Amara. Seu pai confiava em mim, e eu precisava subir. A aliança foi só a confirmação do que eu já tinha conquistado.

- Então... nenhum momento foi real?

- Nem o beijo no altar.

Clara gargalhou.

- Você devia ter ouvido quando eu dizia que ninguém é tão perfeito. Você era a "santa herdeira", a menina que nunca errava, que nunca deixava ele tocar antes do casamento. Quem aguenta isso?

Amara levou a mão à boca, tentando conter o choro.

- Eu esperei por você porque te respeitava.

- Pois devia ter me dado antes - disse Adriano, ríspido. - Talvez tivesse te respeitado mais.

As palavras foram facadas.

O silêncio seguinte pesou.

A chuva caía mais forte, e cada gota parecia o som de algo quebrando dentro dela.

- Vocês são monstros.

- Não, querida. - Clara abriu um sorriso torto. - Somos sobreviventes.

Do nada, ela tirou algo da bolsa - uma arma pequena, leve, prateada.

Amara recuou um passo.

- O que é isso?

- Uma garantia. - Clara girou a arma nos dedos. - Você tem muita coisa a perder. E a gente, muito a ganhar.

Adriano tentou intervir, mas não para impedir - para esconder o próprio medo.

- Clara, não precisa disso.

- Ah, precisa sim. - Ela mirou Amara com um olhar frio. - Ela pode arruinar tudo.

Amara ergueu as mãos, a voz trêmula.

- Eu não vou dizer nada. - Mas ela sabia que ia. Que não conseguiria calar o que viu.

Clara sorriu.

- Por isso mesmo, querida.

O disparo ecoou.

O som seco, o clarão breve.

Amara caiu de joelhos, o branco do vestido se tingindo de vermelho.

O corpo cedeu, o mundo girou.

- Clara, o que você fez?! - gritou Adriano, a voz quebrada entre raiva e desespero.

- Relaxa, ninguém vai saber. - Clara guardou a arma. - A gente inventa que foi um assalto, alguma coisa.

Amara tentou falar, mas o sangue lhe subia à garganta.

O vestido branco agora era carmesim.

E a noite que começou com promessas terminou com o som de um tiro que foi abafado pelo raio que cortou os céus.

            
            

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