Ela assentiu, acreditando.
Mas dois minutos viraram dez, depois quinze, e o relógio começou a pesar.
Amara procurou com os olhos - entre mesas, risos, taças vazias - e percebeu algo estranho: Clara também não estava mais ali.
Nem no bar, nem na pista.
Um incômodo fino subiu pela nuca, mas ela afastou o pensamento, dizendo a si mesma que era bobagem.
Foi até o buffet, depois ao hall do hotel. Nada.
O som da música se misturava ao eco distante das vozes no corredor.
Quando passou perto do elevador, ouviu duas convidadas cochichando:
- Eu acho que ele subiu pro terraço com alguém. -
- Que descarado... na noite do casamento! -
As palavras bateram nela como uma pancada.
O corpo reagiu antes da razão.
Amara apertou o véu nas mãos e entrou no elevador.
O silêncio da subida foi sufocante.
Cada número acendendo no painel era uma batida a mais do coração.
Quando as portas se abriram, o vento frio da madrugada invadiu o espaço.
O corredor do último andar estava deserto.
Somente uma porta, no fim, deixava escapar uma faixa de luz amarelada - e sons.
Baixos, entrecortados, inconfundíveis.
Amara parou.
O mundo pareceu escorregar dos pés.
Um gemido atravessou o ar, seguido de um riso abafado.
O dela.
Ela deu dois passos, empurrou a porta.
A chuva fina começava a cair sobre o terraço.
As luzes da cidade piscavam lá embaixo, e no meio da escuridão, duas silhuetas se moviam sobre a mesa de vidro.
Clara.
Adriano.
O som do tecido rasgando, a respiração acelerada, o toque das mãos que não eram as dela.
Tudo nela se partiu em silêncio.
O coração, a fé, a ingenuidade.
Ela tentou falar, mas a voz não saiu.
Um soluço seco escapou, e a chuva cuidou do resto.
- Adriano... - foi o que conseguiu.
Os dois se viraram ao mesmo tempo.
O vestido de Clara caía pelo ombro, o cabelo grudado no rosto; Adriano, ainda sem fôlego, olhou pra Amara como quem vê um fantasma.
- Amor, não é o que parece... - murmurou ele, tentando se recompor.
Mas já era tarde.
Amara deu um passo pra trás, sentindo o chão tremer.
O som da festa lá embaixo ainda chegava, fraco, distante, como se viesse de outro mundo.
E ela entendeu, finalmente: o casamento dela terminava antes mesmo de começar.
A chuva engrossou.
O vento chicoteava o vestido de Amara, fazendo o tecido colar no corpo como se quisesse arrancar dela qualquer resquício de dignidade.
Adriano ainda tentava ajustar a camisa, enquanto Clara, sem vergonha alguma, apenas sorria.
- Não é o que parece - disse ele, com a calma de quem acha que controla o estrago.
- Então me explica, Adriano. - A voz dela era fraca, mas cortante. - Me explica o que eu acabei de ver.
Clara riu.
- Você viu o amor de verdade, Amara. Coisa que nunca foi capaz de dar a ninguém.
Amara virou-se para ela, o olhar faiscando por trás das lágrimas.
- Amor? Você chama isso de amor? Trair quem te abriu a casa, quem te defendeu quando ninguém te suportava?
Clara deu um passo à frente.
- Defender? Você acha que eu precisava da sua piedade? Quinze anos ouvindo seus conselhos de princesa rica, te vendo nadar em luxo enquanto eu implorava por migalhas de atenção. E o pior? Você realmente acreditava que éramos amigas.
Amara piscou, desnorteada.
- Então... tudo era mentira?
- Tudo. - Clara sorriu, fina, venenosa. - Eu só precisava estar perto do dinheiro. E de Adriano.
Ela olhou para ele, provocante, e o toque foi um tapa em Amara.
- Diz pra ela, amor. Fala a verdade.
Adriano respirou fundo, enfiando as mãos nos bolsos.
- Pra quê? - respondeu, seco. - Ela já entendeu.
Amara engoliu em seco.
- Eu te amava, Adriano.
- E esse foi o seu erro - ele disse, frio. - Amar demais e entender de menos.
Ele se aproximou, o rosto endurecido.
- Você sempre foi um investimento, Amara. Seu pai confiava em mim, e eu precisava subir. A aliança foi só a confirmação do que eu já tinha conquistado.
- Então... nenhum momento foi real?
- Nem o beijo no altar.
Clara gargalhou.
- Você devia ter ouvido quando eu dizia que ninguém é tão perfeito. Você era a "santa herdeira", a menina que nunca errava, que nunca deixava ele tocar antes do casamento. Quem aguenta isso?
Amara levou a mão à boca, tentando conter o choro.
- Eu esperei por você porque te respeitava.
- Pois devia ter me dado antes - disse Adriano, ríspido. - Talvez tivesse te respeitado mais.
As palavras foram facadas.
O silêncio seguinte pesou.
A chuva caía mais forte, e cada gota parecia o som de algo quebrando dentro dela.
- Vocês são monstros.
- Não, querida. - Clara abriu um sorriso torto. - Somos sobreviventes.
Do nada, ela tirou algo da bolsa - uma arma pequena, leve, prateada.
Amara recuou um passo.
- O que é isso?
- Uma garantia. - Clara girou a arma nos dedos. - Você tem muita coisa a perder. E a gente, muito a ganhar.
Adriano tentou intervir, mas não para impedir - para esconder o próprio medo.
- Clara, não precisa disso.
- Ah, precisa sim. - Ela mirou Amara com um olhar frio. - Ela pode arruinar tudo.
Amara ergueu as mãos, a voz trêmula.
- Eu não vou dizer nada. - Mas ela sabia que ia. Que não conseguiria calar o que viu.
Clara sorriu.
- Por isso mesmo, querida.
O disparo ecoou.
O som seco, o clarão breve.
Amara caiu de joelhos, o branco do vestido se tingindo de vermelho.
O corpo cedeu, o mundo girou.
- Clara, o que você fez?! - gritou Adriano, a voz quebrada entre raiva e desespero.
- Relaxa, ninguém vai saber. - Clara guardou a arma. - A gente inventa que foi um assalto, alguma coisa.
Amara tentou falar, mas o sangue lhe subia à garganta.
O vestido branco agora era carmesim.
E a noite que começou com promessas terminou com o som de um tiro que foi abafado pelo raio que cortou os céus.