A Vingança da Minha Alma
img img A Vingança da Minha Alma img Capítulo 3 A traição
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Capítulo 6 O Recomeço img
Capítulo 7 As Máscaras da Casa img
Capítulo 8 O Café dos Lobos img
Capítulo 9 As Primeiras Fendas img
Capítulo 10 O Filho do Motorista img
Capítulo 11 O Peso do Cuidado img
Capítulo 12 Fantasmas do Passado img
Capítulo 13 O Crepúsculo entre nós img
Capítulo 14 A Tormenta Perfeita img
Capítulo 15 A Festa do Homem Errado img
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Capítulo 3 A traição

O som do tiro ainda pairava no ar quando o trovão cortou o céu, abafando a verdade.

O clarão iluminou o terraço e, por um instante, tudo pareceu suspenso: o vento, a chuva, o tempo.

Amara caiu de joelhos, o branco do vestido se tingindo num vermelho rápido e grotesco.

O chão frio a recebeu com indiferença.

Os olhos dela piscavam, procurando sentido, e só encontravam o gosto metálico do sangue.

Clara ainda segurava a arma com as duas mãos trêmulas.

Adriano se manteve imóvel, encarando a cena com uma mistura de medo e incredulidade.

- Eu... eu não queria - murmurou Clara, a voz cortada pelo choro. - Ela me provocou, Adriano, ela ia contar pra todo mundo!

- Cala a boca! - ele rosnou, passando a mão no cabelo. - Idiota! O que a gente faz agora?

A chuva engrossou, pingando do queixo dele, manchando o chão com o sangue que escorria do corpo de Amara.

Ela tentou falar, mas só saiu um sussurro.

- Por... quê?...

O olhar dela era um espelho quebrado, refletindo a confusão e o horror.

Clara recuou um passo, ofegante.

- Ela ainda está viva!

- Claro que está viva, imbecil! - Adriano se aproximou e segurou o pulso de Amara, como se conferisse o tempo de um relógio caro. - Mas não por muito tempo.

Ele respirou fundo e olhou ao redor, o cérebro girando em busca de uma saída.

- Escuta, a gente vai dizer que foi um assalto. Que o segurança ouviu um barulho e fugiu.

- Um assalto? - Clara parecia em transe. - Ninguém vai acreditar!

- Vão acreditar se eu disser. Sou o marido perfeito, lembra?

O deboche na voz dele fez Amara tossir sangue.

A cada palavra, ela sentia a vida escorrendo em ondas quentes.

Clara tremia, e o salto dela raspava no piso molhado.

- Adriano, eu não quero ir pra cadeia...

- Ninguém vai. - Ele olhou para o corpo da esposa e baixou o tom. - Vamos acabar com isso.

Amara tentou se arrastar, mas o corpo não respondia.

- A... Adriano... - o nome saiu rasgado, quase sem som.

Ele se agachou perto dela e falou baixo, frio:

- Você devia ter ficado calada.

O ódio na voz dele era antigo, escondido sob anos de falsos sorrisos.

Amara fechou os olhos, incapaz de acreditar que aquele era o homem que dissera "para sempre" no altar horas antes.

Clara se ajoelhou ao lado, o choro agora sem disfarce.

- Eu te juro, eu não queria, Amara... foi um acidente!

- Um acidente é tropeçar - ela sussurrou, o olhar enevoado. - Não apontar uma arma.

A amiga desviou o rosto, culpada e covarde.

Adriano se levantou, impaciente.

- Chega, Clara. Vamos sair daqui.

Quando ele puxou a amante pelo braço, a porta atrás deles se abriu com violência.

O vento entrou com a força de uma tempestade - e, junto com ele, uma voz furiosa:

- O que vocês fizeram?!

Ezequiel Alves estava na porta, molhado da chuva, o rosto em choque ao ver o chão coberto de sangue.

Os olhos dele foram direto para o corpo de Amara, imóvel.

- Amara! - gritou, correndo até ela.

Clara recuou de imediato, escondendo a arma atrás das costas.

Adriano ficou entre os dois, o olhar frio e arrogante.

- O que faz aqui, motoristazinho? - o tom gotejava desprezo. - A festa acabou.

Ezequiel ignorou. Ajoelhou-se ao lado de Amara, tocando o rosto dela com as mãos tremendo.

O sangue manchou os dedos dele.

- Por Deus... o que fizeram com você? - sussurrou.

Amara moveu os lábios, tentando dizer algo, mas apenas um som rouco saiu.

Clara, agora histérica, deu um passo à frente e gritou:

- O que você fez, Ezequiel?! Você matou Amara!

Ele se virou de súbito, incrédulo.

- O quê?

- Foi ele! - Clara apontou, desesperada. - Entrou aqui gritando, ela tentou impedir e ele atirou!

- Cala essa boca, Clara! - Adriano rosnou, mas o olhar dele se iluminou com a ideia.

Ele entendeu rápido.

- É isso mesmo. Foi ele. - A voz soou calma, quase ensaiada. - Eu sou o marido em luto. Você, o amante rejeitado.

Ezequiel se levantou, o peito arfando.

- Vocês perderam o juízo.

- Não - disse Adriano. - Só estamos aproveitando a oportunidade.

Clara jogou a arma no chão, o rosto banhado em lágrimas.

- A arma dele, Adriano! As impressões... estão nele agora!

Adriano sorriu.

- Perfeito.

Ezequiel olhou para os dois, incrédulo, e sentiu o estômago revirar.

- Vocês são doentes.

Ele deu um passo à frente, mas Clara puxou de volta a arma, apontando diretamente para o peito dele.

- Fica aí! - gritou. - Não se mexe!

O som da chuva batendo no metal era o único ruído.

O corpo de Amara entre eles - frágil, quase sem vida.

Ezequiel olhou pra ela, o coração rasgando, e falou baixo:

- Aguenta, minha menina... eu tô aqui.

Clara mordeu o lábio, o dedo tremendo no gatilho.

- É melhor sair daqui agora, Adriano. A polícia vai aparecer.

- Vamos. - Ele segurou o braço dela. - Ele que se explique depois.

Ezequiel deu um passo à frente, e Clara, no impulso, atirou.

O tiro pegou no ombro dele.

O impacto o fez cair de lado, mas a raiva foi mais forte que a dor.

Ele se levantou, o sangue escorrendo pelo braço, os olhos ardendo.

Adriano e Clara recuaram até a porta.

- Vocês não vão sair daqui vivos. - A voz de Ezequiel era um trovão.

A chuva invadiu o terraço, o vento soprando as cortinas como se o céu inteiro observasse a tragédia.

O sangue escorria pelo braço dele, quente como raiva.

Ezequiel encarou os dois, a chuva batendo no rosto, o vento arrastando o véu de Amara como uma bandeira de rendição.

- Vocês não vão sair daqui vivos.

A voz dele soou grave, o trovão respondeu.

Ele partiu pra cima de Adriano, o corpo movido por puro instinto.

- Seu desgraçado! Ela confiou em você!

Adriano tentou rir, mas a voz falhou.

- E daí, motoristazinho? Sempre teve inveja, não é? Amara nunca te viu. Nunca te enxergou!

O soco veio antes que a frase terminasse.

Ezequiel acertou o rosto dele com força, o estalo seco ecoando entre os trovões. Adriano cambaleou, tropeçou nas próprias pernas e caiu.

Clara gritou, histérica, o vestido colando no corpo molhado.

- Eu vou te matar, seu desgraçado! - apontou a arma, as mãos tremendo. - E ainda vou sair como heroína!

Ezequiel correu. Rápido demais pra hesitar, rápido demais pra pensar.

A arma disparou, a bala passou de raspão, o som misturou-se ao vento.

Ele a alcançou, a derrubou no chão, a arma deslizando pelo piso molhado.

- Larga isso! - rugiu.

Clara ainda tentou se levantar, os olhos arregalados, o rosto pálido de medo.

- Você é um ninguém! - gritou, a voz rachada. - E vai morrer como um!

Ela estendeu a mão pra pegar a arma caída, mas Ezequiel a empurrou.

O corpo dela bateu na borda do parapeito com um som oco - o impacto seco, o silêncio logo depois.

A cabeça dela tombou pro lado, o sangue misturando-se à chuva.

Adriano se ergueu cambaleante, o rosto coberto de sangue, o olhar de fera.

Correu pra pegar a arma, mas Ezequiel foi mais rápido.

Um disparo.

Depois outro.

O corpo de Adriano girou, lento, e caiu de costas no chão encharcado.

O sangue se misturou à água, e o barulho da chuva cobriu o último suspiro dele.

Ezequiel ficou ali, respirando como se o ar queimasse.

Os olhos dele varreram os corpos, o cenário, a tragédia inteira - e então voltaram pra ela.

Amara.

Ela ainda estava ali. Fraca, quase imóvel, o olhar perdido no céu.

Ele correu até ela, caindo de joelhos, as mãos tremendo quando tocaram o rosto frio.

- Eu vou te levar pro hospital, meu amor... - sussurrou, desesperado. - Aguenta, por favor...

Ela tossiu, e o sangue manchou os lábios.

O som foi pequeno, o suficiente pra dizer que ele já sabia: não dava tempo.

Ezequiel ficou em silêncio por um segundo, o mundo inteiro preso no peito.

Depois, encostou a testa na dela.

- Eu sempre te amei, Amara... - a voz dele saiu baixa, quebrada. - Sempre. Desde que éramos crianças. Eu via você nos jardins e achava que o sol nascia onde você pisava.

A chuva caía entre eles como véu, e ele continuou:

- Eu nunca quis mais do que te ver sorrir. Eu achava que bastava isso, te ver feliz, mesmo que não fosse comigo. E era verdade, até hoje. Mas agora... agora eu trocaria a minha vida pra te dar mais um minuto de respiro.

O sangue dela manchava as mãos dele, e mesmo assim ele a segurava como se pudesse aquecê-la.

Amara não respondeu.

Mas moveu os dedos, fracos, e tocou o rosto dele.

Passou o polegar sob o olho, enxugando as lágrimas que caiam junto da chuva.

E sorriu.

Um sorriso calmo, bonito, que doeu mais do que qualquer ferida.

Os lábios dela se moveram devagar, quase sem voz:

- Zico...

O apelido de infância saiu como um sopro.

O coração dele parou.

A mão dela caiu, o sorriso ficou.

- Não... não, por favor... - Ezequiel sussurrou, tentando acordá-la, beijando a testa, os lábios, o rosto. - Fica comigo, só mais um pouco. Eu imploro.

Mas o corpo dela já estava leve demais.

Ele chorou com a cabeça no colo dela. O vento batia nas costas, e a chuva apagava o sangue, como se quisesse esconder o crime do mundo.

Depois se levantou, trôpego, o olhar vazio.

- Vinguei tua morte, amor... murmurou, olhando o corpo dela. - Não me rejeita na outra vida.

Deu dois passos até o parapeito.

O vento o empurrou, o trovão respondeu.

Olhou pra trás uma última vez o corpo de Amara, sereno, o vestido ainda branco nas partes que a chuva poupou.

Ezequiel sorriu entre lágrimas.

- Eu venho te encontrar.

E pulou.

O som da queda se perdeu na tempestade, mas o grito dela ficou preso no vento.

            
            

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