O carro era uma limusine preta e elegante, seu interior luxuoso e silencioso. Enquanto dirigíamos, observei as luzes da cidade passarem, um caleidoscópio vertiginoso. Centro. A rota era estranhamente familiar. Nosso antigo apartamento, aquele que Davi e eu compartilhávamos, ficava escondido em um canto modesto deste distrito movimentado.
"Preciso ir ao escritório primeiro", interrompi o silêncio. "Para me demitir. Adequadamente."
Helena ergueu uma sobrancelha, um toque de aço em sua voz. "Não há necessidade. Minha equipe jurídica já cuidou da sua demissão oficial. Com efeito imediato. Eles também garantiram que todas as suas contribuições de propriedade intelectual para a 'startup' dele fossem devidamente registradas."
Uma pequena e sombria satisfação se instalou em meu peito. Então, ela já estava lutando por mim. Mas eu queria fazer isso sozinha. Eu precisava olhá-lo nos olhos uma última vez.
"Não", insisti, minha voz mais firme do que eu esperava. "Eu preciso fazer isso sozinha. Preciso enfrentá-lo."
Helena estudou meu rosto por um momento, depois assentiu. "Muito bem. Mas você não estará sozinha."
Chegamos à reluzente torre de vidro que abrigava a "InovaTech", a preciosa startup de Davi. O prédio, um monumento à sua ambição, agora parecia uma prisão. O saguão estava agitado, funcionários correndo, o ar denso com o cheiro de ambição e café velho. Passei pela recepção, de cabeça erguida, Helena uma sombra formidável atrás de mim.
Ao me aproximar do meu antigo departamento, os rostos familiares se viraram, seus sussurros morrendo. Alguns ofereceram olhares rápidos e simpáticos. Outros, aqueles que Karla havia encantado, desviaram os olhos. Ignorei todos eles. Meu destino era o escritório de Davi, a suíte de canto com paredes de vidro.
A porta estava entreaberta. Eu podia ouvir vozes de dentro. Risadas. As risadinhas agudas de Karla. Meu coração, que eu pensava estar dormente, pulsou com uma nova onda de gelo.
Abri a porta, entrando no escritório luxuoso. Davi estava encostado em sua mesa, um braço possessivo em volta da cintura de Karla. Ela estava sentada na beirada, um anel novo e deslumbrante em seu dedo. A mesa dele. Minha mesa, por tanto tempo.
As risadas deles morreram quando me viram. O rosto de Davi, um momento atrás cheio de satisfação presunçosa, se contorceu em uma máscara de surpresa, depois algo parecido com irritação. O sorriso de Karla vacilou, substituído por um desdém.
"Alice? O que você está fazendo aqui?", perguntou Davi, sua voz tensa. "Pensei que você estivesse... se recuperando."
"Estou." Minha voz estava firme, cada palavra cuidadosamente escolhida. "Estou recuperando minha dignidade. E estou aqui para me separar oficialmente de você e desta sua 'empresa'."
Eu segurava um envelope branco e nítido. Minha carta de demissão. Eu a havia impresso no hospital, as palavras cuidadosamente escolhidas para ferir, sem trair minha verdadeira intenção.
Karla deslizou da mesa, caminhando em minha direção com uma graça predatória. "Ah, Alice. Ainda se agarrando? Não recebeu o recado? Você é notícia velha. Davi seguiu em frente. Nós seguimos em frente." Ela gesticulou para o anel em seu dedo, depois entrelaçou sua mão com a de Davi. "Estamos construindo um futuro aqui. Um futuro de verdade."
Davi, vendo a confiança de Karla, pareceu recuperar um pouco da sua. "Olha, Alice, eu sei que é difícil. Mas você está sendo emotiva. Este não é o momento nem o lugar."
"Emotiva?", soltei uma risada seca e sem alegria. "Você chama perder meu filho de 'emotiva'? Você chama ser traída pelo homem que amei por oito anos de 'emotiva'? Não, Davi. Isso é fúria justa. Isso é a calmaria antes da tempestade."
Os olhos de Karla se estreitaram. "Perder seu filho? Ah, por favor. Não tente culpá-lo com suas histórias inventadas. Você nunca esteve grávida. Você é apenas uma mulher triste e desesperada."
"Ela sabe, Karla", a voz de Helena cortou a tensão, fria e afiada como o bisturi de um cirurgião. Ela deu um passo à frente, sua presença de repente preenchendo a sala, diminuindo Davi e Karla. "Ela sabe de tudo."
Davi olhou de Helena para mim, depois de volta, a confusão lutando com um medo crescente. "Quem... quem é essa mulher, Alice?"
Helena o ignorou, seu olhar fixo em Karla. "Karla Magalhães. Ou devo dizer, Karla Yates? A filha da minha ex-governanta, Hilda. A garota que foi trocada no berço com minha filha, Alice Medeiros."
O ar saiu da sala. O rosto de Karla ficou de um branco fantasmagórico. Davi olhava, boquiaberto. Os poucos funcionários que estavam demorando no corredor agora estavam congelados, de olhos arregalados.
"Do que você está falando?", gaguejou Karla, sua voz fina e fraca. "Isso é loucura! Eu sou Karla Magalhães! Filha de uma família proeminente! Todo mundo sabe disso!"
"Todo mundo sabe da mentira que você tem vivido, querida", contrapôs Helena, sua voz com um divertimento arrepiante. "Mas as mentiras têm um jeito de se desfazer. Especialmente quando a verdade está bem na frente delas." Ela colocou a mão no meu ombro, um gesto de posse. "Minha filha. Alice Medeiros. A verdadeira herdeira."
Davi finalmente encontrou sua voz, um sussurro estrangulado. "Herdeira? Alice? O que... o que é isso?"
Eu olhei para ele, olhei de verdade, pela primeira vez em dias. O homem que eu amava se fora, substituído por um estranho patético e aterrorizado. "Você sempre quis uma mulher com contatos, Davi. Alguém que pudesse te dar acesso, status. Bem, você a encontrou. Só não a que você pensava."
Joguei a carta de demissão em sua mesa, observando-a flutuar entre seus papéis meticulosamente arrumados. Ela pousou exatamente sobre uma foto dele e de Karla. "Considere este meu aviso formal. E o meu último. Aproveite seu 'amor verdadeiro', Davi. Você vai precisar dela. Porque em breve, você não terá mais nada."
Karla, recuperando a compostura, tentou uma risada trêmula. "Isso é ridículo! Um golpe desesperado! Davi, não dê ouvidos a essa mulher louca! Ela está tentando nos arruinar!"
Davi, ainda cambaleando, só conseguia me encarar, seus olhos arregalados com uma mistura de descrença e um pavor crescente e doentio. Ele via agora. Não a Alice mansa e leal. Mas outra coisa. Algo muito mais perigoso.
"Você está cometendo um erro enorme, Alice!", gritou Karla, sua fachada de sofisticação se quebrando. "Você vai se arrepender disso! Você vai se arrepender de tudo!"
Virei-me para sair, Helena ainda uma presença sólida ao meu lado. Minhas últimas palavras foram sussurradas, destinadas apenas a Davi. "Ah, eu não vou, Davi. Não mais. Não me arrependo de nada. Mas você? Você vai se arrepender do dia em que me conheceu."
Enquanto saíamos, os sussurros no corredor explodiram em uma cacofonia. Ouvi fragmentos: "...família Medeiros?" "...herdeira?" "...troca de bebês?" O estrago estava feito. A primeira pedra havia sido lançada. E a tempestade estava apenas começando. As acusações desesperadas de Karla nos seguiram, mas foram abafadas pela maré crescente de especulação. Davi ficou congelado, preso nos destroços de sua própria criação, seus olhos fixos nas minhas costas se afastando. Ele não entendia. Ainda não. Mas ele entenderia.