"E ainda assim, você se manteve firme. Você se desfez dos vestígios de uma vida que nunca foi verdadeiramente sua. Isso exige coragem, Alice."
Coragem. Ou pura e absoluta raiva. Eu não tinha certeza de qual. Minha cabeça ainda latejava da queda, uma dor surda pulsando no ritmo do meu coração partido. Mas sob a dor, uma determinação fria e dura estava se enraizando.
"Não posso voltar para aquele apartamento", eu disse, as palavras pesadas de finalidade. "Nunca mais."
"Você não precisará", Helena me assegurou. "Minha equipe já está lá, empacotando seus pertences. Apenas o que você realmente quer guardar. O resto será descartado."
Descartado. As palavras trouxeram uma estranha sensação de libertação. Descartar as memórias, as promessas quebradas, o falso futuro. Fechei os olhos, imaginando o apartamento, a vida que eu havia construído com tanto cuidado com Davi. Cada canto guardava uma memória, cada objeto um fantasma do que eu pensava que éramos.
"Quero que tudo que me lembre dele desapareça", murmurei, minha voz tensa. "Queime. Destrua. Não me importo."
Helena apertou minha mão. "Considere feito."
Mais tarde naquela noite, após um banho quente e uma refeição leve na opulenta mansão dos Medeiros, me encontrei em uma suíte luxuosa, um mundo distante da minha antiga vida. Mas a mudança de cenário não conseguia apagar a dor no meu coração. O fantasma do meu bebê me assombrava. O sorriso cruel de Karla, o olhar desdenhoso de Davi – eles estavam gravados em minha alma.
Meu celular, um novo que Helena havia fornecido, vibrou com uma notificação. Era um alerta de notícias. "CEO da InovaTech, Davi Neves, e Influenciadora Karla Magalhães Anunciam Noivado." Uma foto deles, sorrindo, a mão de Karla exibindo o anel, brilhou na tela. Meu antigo dedo anelar, ainda um pouco vermelho de onde Davi havia arrancado a aliança, latejou.
Joguei o celular no tapete macio. Ele pousou silenciosamente, um contraste gritante com a explosão de raiva que se acumulava dentro de mim. Ele já havia seguido em frente. Publicamente. Descaradamente.
Algumas horas depois, enquanto eu estava deitada na cama vasta e desconhecida, tentando dormir, meu novo celular tocou. Era um número desconhecido. Hesitei, depois atendi.
"Alice? Graças a Deus! Tenho ligado para o seu número antigo, mandado mensagens, enlouquecendo!", a voz de Davi, grossa de álcool, arrastou-se pelo receptor. "Onde você está? Por que não está em casa?"
Meu coração, que estava dormente, agora pulsava com um nojo frio. "Não estou em casa, Davi. Eu te disse. Eu fui embora."
"Foi embora? Do que você está falando? Você está sendo dramática. Você sempre faz isso quando está chateada." Ele tentou rir, mas foi um som patético e quebrado. "Vamos, amor. Volte. A Karla já foi. Ela acabou de ir para casa. Podemos conversar."
"A Karla já foi?", perguntei, uma calma perigosa em minha voz. "Engraçado. As redes sociais dela dizem que ela está comemorando seu noivado."
Uma pausa. Depois, uma risada fraca e forçada. "Ah, isso. Apenas uma coisa de publicidade, sabe? Para a empresa. Você não entenderia. Influenciadores, redes sociais, é tudo falso. Você sabe que eu só tenho olhos para você, Alice. Minha Alice estável e sensata."
Meu estômago revirou. A dispensa casual do triunfo público de Karla, a tentativa patética de pintá-lo como uma "coisa de publicidade". E a repetição de "Alice sensata", um rótulo que ele usara para me manipular por anos.
"Davi", eu disse, minha voz seca, "eu não sou mais 'sua Alice'. E não vou voltar."
"Não seja assim, amor. Sinto sua falta. Este apartamento parece tão vazio sem você." Sua voz baixou para um murmúrio baixo e sedutor. "Volte. Vamos fazer as pazes. Como nos velhos tempos. Podemos apenas nos abraçar, conversar."
A ideia de seu toque, de sua respiração no meu pescoço, fez minha pele arrepiar. "Não há 'velhos tempos', Davi. Você os destruiu."
"Por favor, Alice. Eu preciso de você. Estou bêbado. Estou sozinho." Sua voz estava cheia de uma autopiedade que era quase doentia. "Eu só preciso que minha Alice volte para casa."
"Sua Alice se foi, Davi. Você a matou." Desliguei o telefone, a finalidade do clique ecoando no quarto silencioso.
Olhei para o teto, meus olhos bem abertos. Ele provavelmente já estava desmaiado, alheio à destruição que havia causado, alheio à mulher que havia criado. A mulher que se tornaria sua ruína.
Na manhã seguinte, acordei com novas notificações. A tela do meu celular estava em chamas com as postagens de Karla. Fotos dela em um luxuoso restaurante francês, taças de champanhe tilintando. "Comemorando nosso futuro! Tanto amor pelo meu noivo incrível, @DaviNeves!"
E então, o verdadeiro soco no estômago. Uma foto borrada mostrando a barriga ligeiramente arredondada de Karla. "Nosso segredinho está crescendo! Mal posso esperar para conhecer nosso bebê InovaTech!"
Minha respiração falhou. Meu bebê. Meu bebê perdido. Karla, grávida do filho de Davi, exibindo-o nas redes sociais apenas algumas semanas depois de eu ter perdido o meu. A pura audácia, a crueldade doentia disso, me deixou fisicamente doente.
Então, a postagem de Davi. Uma foto dele beijando a testa de Karla, sua mão gentilmente repousando na barriga dela. "Minha futura esposa, minha futura família. Tão orgulhoso e animado por este novo capítulo. Te amo, @KarlaMagalhaes."
O mundo nadou diante dos meus olhos. Minha cabeça latejava. Meu coração parecia estar sendo espremido em um torno. Eles estavam tendo um bebê. O bebê dele. Enquanto eu ainda estava de luto por aquele que ele negou, aquele que eles haviam roubado de mim.
A traição era uma ferida fresca, profunda e infeccionada. Não era apenas minha vida, meu amor, minha identidade que eles haviam roubado. Era minha maternidade. Meu filho.
Levantei-me da cama, os lençóis de seda emaranhados ao meu redor. Não. Eu não deixaria isso me quebrar. Eu não deixaria a felicidade distorcida deles me consumir. Minha dor pessoal alimentaria minha missão.
Helena me encontrou de pé junto à janela, olhando para a cidade, meus punhos cerrados. "Alice, o que há de errado?"
Virei-me para ela, meus olhos ardendo com um fogo frio. "Eles estão tendo um bebê. A Karla está grávida. E o Davi está exultante."
O rosto de Helena endureceu. "Entendo." Sua voz estava baixa, perigosa.
"Eles pegaram tudo", sussurrei, as palavras engasgadas de emoção. "Tudo. E estão rindo disso."
"Não por muito tempo, minha querida", prometeu Helena, sua mão repousando em meu braço, uma promessa silenciosa de vingança. "Não por muito tempo. Agora, vamos nos preparar. Há um evento esta noite. Um importante. E você, minha filha, fará uma entrada que eles nunca esquecerão."
Eu assenti, a imagem do rosto presunçoso de Karla, o sorriso orgulhoso de Davi, queimando em minha mente. Esta noite, eu não seria a vítima quebrada. Esta noite, eu seria Alice Medeiros. E o pesadelo deles estava apenas começando.