Parei, virando-me lentamente. Karla estava na porta do escritório de Davi, seu rosto uma máscara de fúria e medo. Davi, pálido e perplexo, ainda estava encostado em sua mesa, me observando com um fascínio horrorizado.
"Tudo o que construímos?", perguntei, minha voz calma, quase educada. "Engraçado, parece que me lembro de ter construído tudo sozinha, Karla. Enquanto você estava ocupada construindo sua 'marca de influenciadora' sobre uma base de identidade roubada."
Karla corou. "Como ousa! Você não é nada! Sempre foi! Um projeto de caridade que Davi pegou da rua!"
"E você", contrapus, meu olhar inabalável, "é uma fraude. Uma parasita. Você viveu uma mentira, fingindo ser alguém que não é. E tentou destruir qualquer um que ameaçasse sua ilusão."
"Alice, pare com isso!" Davi finalmente se mexeu, empurrando-se da mesa. Ele correu em direção a Karla, colocando a mão em seu braço. "Já chega. Você está chateada. Nós entendemos." Ele olhou para mim, uma tentativa patética de empatia. "Mas não faça uma cena."
"Uma cena?", ri, um som agudo e amargo. "Você acha que isso é uma cena, Davi? Este é apenas o ato de abertura. O prelúdio da sua queda."
"Não me ameace, Alice", ele avisou, seus olhos se estreitando. "Você não sabe o que está fazendo. Você está emotiva, instável. Você acabou de sofrer um acidente."
"Um acidente que você e Karla orquestraram", eu disse, deixando as palavras pairarem no ar, pesadas de acusação. Seu rosto ficou cinzento. Karla ofegou, a mão voando para a boca.
"Isso é uma mentira vil!", gritou Karla, sua voz falhando. "Como você pode sequer sugerir uma coisa dessas?"
"Porque eu te conheço, Karla", respondi, uma certeza fria em minha voz. "Eu sei até onde você iria para proteger sua vida roubada. E eu sei do que você é realmente capaz."
"Ela está delirando!", Karla se virou para Davi, seus olhos arregalados e suplicantes. "Davi, diga a ela! Diga a ela que está mentindo!"
Davi parecia dividido, seu olhar vacilando entre o rosto desesperado de Karla e o meu, resoluto. Ele escolheu Karla. Ele sempre escolhia. "Alice, já chega. Você está alucinando. Vá para casa. Descanse um pouco."
"Ir para casa?", minha risada foi mais alta desta vez, tingida de genuíno divertimento. "Engraçado, era o que você sempre me dizia, não era? 'Alice, seja sensata. Alice, seja compreensiva. Alice, vá para casa e espere que eu te note.' Bem, não mais."
Dei um passo mais perto, meus olhos fixos em Davi. "Sabe, por anos, pensei que tinha sorte de ter você. Pensei que estava construindo uma vida, um futuro. Pensei que era amada." Minha voz estava baixa agora, mas a intensidade em meu olhar o mantinha cativo. "Eu estava errada. Eu era apenas conveniente. Um corpo quente. Uma tola leal e trabalhadora que você pôde explorar por oito anos, e depois descartar quando alguém mais 'glamorosa' apareceu."
Seu rosto empalideceu ainda mais. "Alice, isso não é justo. Eu me importava com você."
"Se importava?", zombei. "É assim que você chama? Usar minhas habilidades para construir sua empresa, e depois me substituir por uma falsa herdeira? Ignorar meus apelos por ajuda enquanto nosso filho morria? Não, Davi. Isso não é se importar. Isso é egoísmo puro e absoluto."
"Você perdeu um bebê?", uma voz tímida do corredor cortou a tensão. Uma das estagiárias mais novas, seu rosto cheio de choque.
Karla instantaneamente aproveitou o momento, virando-se para a estagiária. "Não dê ouvidos a ela! Ela está inventando! Ela está instável!"
Davi, embora abalado, ainda tentou afirmar o controle. "Alice, você precisa sair. Agora. Antes que diga mais alguma coisa de que se arrependerá."
"Arrepender?", sorri, um sorriso frio e vazio que não alcançou meus olhos. "Garanto a você, Davi, a única coisa de que me arrependo é de ter te conhecido. E de ter confiado em você. E de ter te amado." Peguei na minha bolsa a pequena caixa de veludo que continha o medalhão que Helena me dera. O medalhão dos Medeiros. "Mas agora? Agora não há mais nada de que me arrepender. Apenas satisfação."
Caminhei diretamente para a mesa de Davi, ignorando os protestos gaguejados de Karla. Ele me observou, seus olhos arregalados com um terror crescente ao ver o medalhão. Meus dedos se fecharam em torno dele.
"Isto", eu disse, erguendo o medalhão, "era para ser meu. Minha família. Meu legado. Você tentou tirar tudo. Mas você falhou." Olhei para Karla, depois de volta para Davi. "Vocês dois falharam."
Com um movimento súbito e decisivo, joguei o medalhão. Ele não o atingiu. Atingiu a parede atrás dele, o ouro tilintando ruidosamente contra o gesso antes de cair no chão. Um gesto simbólico. Eu não estava lutando por bugigangas. Eu estava lutando pela minha vida.
"Eu me demito, Davi", repeti, minha voz soando com finalidade. "E você? Você é o próximo."
Virei-me e saí, Helena seguindo de perto. Ao passar pelas portas duplas, um soluço alto e artificial irrompeu de Karla. "Ela é má! Ela é louca!"
A voz de Davi, cheia de frustração, chegou aos meus ouvidos. "Droga, Karla! Não piore as coisas!"
Continuei andando, os sons do mundo deles se desfazendo desaparecendo atrás de mim. Meu coração ainda era uma ferida aberta, mas minha mente estava mais clara do que nunca. A velha Alice, a Alice gentil e perdoadora, estava morta. Em seu lugar, uma Medeiros havia se erguido. E ela estava vindo para pegar tudo o que eles levaram.