"Arthur", meu pai engasgou, sua voz rouca, lágrimas brotando em seus olhos. Ele se endireitou, seu olhar suplicante, desesperado. "Apenas... deixe-a ir. Por favor. Nos deixe em paz." Ele fez um movimento para se ajoelhar, seus joelhos cedendo.
"Pai!", gritei, avançando, minhas mãos se estendendo para firmá-lo.
Mas Arthur foi mais rápido. Ele se moveu com uma graça praticada, sua mão disparando para segurar meu pai antes que ele pudesse cair. Seu rosto, geralmente tão composto, continha um lampejo de algo não identificável - talvez constrangimento, talvez uma sombra fugaz do homem que ele já foi.
"Não, Sr. Souza", disse Arthur, sua voz surpreendentemente gentil. "Não há necessidade disso. Eu só quero consertar as coisas. Compensar."
Minha mãe, com os olhos ardendo em desafio, parou na minha frente, me protegendo com seu corpo pequeno. Seu rosto estava manchado de lágrimas, mas sua determinação era de ferro. "Não queremos sua compensação, Arthur", ela cuspiu, sua voz trêmula, mas firme. "Só queremos que você desapareça. Que nos deixe em paz."
Ela olhou para ele, seu olhar perfurando sua fachada cuidadosamente construída. "A Eliana... ela finalmente está melhorando. Não ouse quebrá-la de novo. Ela não aguenta."
Meu estômago se revirou. A dor crua na voz da minha mãe era insuportável. Eu não podia deixá-los sofrer mais. Saí de trás dela, minha mão no braço de Arthur, empurrando-o gentil, mas firmemente, em direção à porta.
"Arthur", eu disse, minha voz baixa e firme. "Apenas vá. Não precisamos de nada de você. Só queremos ser deixados em paz."
Enquanto o empurrava, minha manga subiu, revelando a cicatriz feia e irregular no meu antebraço - um lembrete gritante do ataque com faca, uma marca permanente do nosso passado compartilhado. Seus olhos, momentaneamente, perderam o foco. Um lampejo de algo, culpa ou dor, cruzou seu rosto antes que ele se recompusesse.
Aproveitei o momento, empurrando-o para fora e batendo a porta atrás dele. Meu corpo cedeu contra a madeira, tremendo com uma mistura de medo e exaustão.
Aquela cicatriz. Era uma companheira constante, um testamento do fato de que meu corpo nunca havia se recuperado totalmente depois daquela noite. Os médicos o haviam avisado. Disseram que meu coração estava mais fraco, meu sistema imunológico comprometido. Mas ele estava muito ocupado subindo na vida, muito consumido por sua ambição, para notar. Ou talvez, ele simplesmente não se importasse.
"Vou te dar tudo o que você sempre sonhou", ele havia prometido, suas palavras ecoando no vasto vazio da minha memória. Ele certamente cumpriu. Ele construiu seu império, tornou-se o advogado corporativo estrela em São Paulo. Mas em sua ascensão implacável, ele pisoteou meu coração, meus sonhos, meu próprio ser. Ele me deu uma vida de luxo, sim, mas a que custo? Uma vida de cicatrizes invisíveis, de gritos silenciosos.
Foi no terceiro ano do nosso casamento que a primeira rachadura apareceu, o primeiro gosto amargo da traição. Ele estava cuidando de um caso pro-bono de grande repercussão, uma denunciante que havia exposto uma fraude corporativa. Cassandra Nieves. Ela era uma vítima, ele disse. Abusada, traumatizada, precisando de proteção. O caso dela espelhava, de alguma forma distorcida, a situação de sua própria mãe. Ele viu uma chance de ser o salvador que não pôde ser para sua mãe.
Conheci Cassandra uma vez. Seus olhos eram vazios, vagos, como os de uma boneca quebrada. Ela se encolheu ao meu toque, recuou da minha gentileza. Ela parecia totalmente consumida por seu trauma, incapaz de se conectar com ninguém. Ninguém, exceto Arthur. Com ele, ela era diferente. Seu olhar o seguia, uma dependência desesperada e infantil.
"Ela confia em mim, Eliana", ele havia explicado, sua voz tingida com aquela mistura familiar de ego e preocupação genuína. "Porque eu posso ajudá-la. Eu posso consertar as coisas."
Lembrei-me dos olhos assombrados de sua mãe, da maneira como ela às vezes olhava para o vazio, perdida em algum tormento interior. Eu entendi sua necessidade de salvar Cassandra, de consertar um passado quebrado através de um novo presente. Então, eu fiquei ao lado, em silêncio. Não questionei suas noites tardias, suas viagens repentinas, sua constante disponibilidade para ela.
Ele me disse que Cassandra era emocionalmente frágil, precisava de reafirmação constante. Ele disse que tinha que estar lá para ela. Sempre. Eu acreditei nele. Ou talvez, eu quisesse desesperadamente acreditar.
Meses depois, Cassandra estava "se recuperando". Ela veio ao nosso apartamento, uma imagem de gratidão chorosa. Ela me abraçou, seu corpo tremendo. "Obrigada, Eliana", ela sussurrou, sua voz embargada de emoção. "Por tudo. Por deixar o Arthur me ajudar. Eu sei que tem sido difícil para você." Ela prometeu que desapareceria assim que o caso terminasse, se mudaria para alguma cidade tranquila, talvez montasse um pequeno ateliê de arte em Paraty, ou talvez começasse uma nova vida à beira-mar em alguma cidadezinha no litoral da Bahia. Ela falou sobre Paraty, sua beleza selvagem, seu isolamento. "Um lugar para curar", ela disse, seus olhos fixos nos meus. "Um lugar para recomeçar."
Eu acreditei nela. Eu queria acreditar.
Arthur venceu o caso. Os criminosos corporativos foram expostos, os denunciantes protegidos. Ele foi aclamado como um herói, sua reputação disparou. Cassandra, a vítima frágil, foi endeusada pela mídia.
Fui ao aeroporto para me despedir dela. Para desejar-lhe o bem, para acreditar em seu novo começo. O ar estava fresco, o céu de um azul claro e esperançoso. Esperei perto do portão de embarque, um pequeno buquê de flores silvestres na mão, um gesto de paz e cura.
Então eu os vi.
Arthur, com os braços em volta de Cassandra, o rosto dela enterrado em seu pescoço. Seus lábios, os mesmos lábios que me beijaram de bom dia naquela mesma manhã, estavam agora pressionados contra os dela, profundos e possessivos. O buquê escorregou dos meus dedos, espalhando pétalas como sonhos caídos.
Então a neve começou. Flocos grandes e macios, assim como no dia em que ele me fez suas promessas. Só que desta vez, eles eram frios, cortantes. Eu desabei no frio cortante, o branco imaculado se tornando escarlate ao meu redor. Meu grito ficou preso na garganta, um soluço sufocado que rasgou meu peito.
Ele se afastou dela, seus olhos encontrando os meus. Por uma fração de segundo, vi pânico, depois raiva. Ele empurrou Cassandra para trás dele, protegendo-a. "Eliana, o que você está fazendo aqui?", ele exigiu, sua voz áspera, acusadora. "Você está tentando estragar tudo?"
Cassandra, com o rosto corado, espiou por trás dele, um sorriso de escárnio nos lábios, um olhar de triunfo em seus olhos. A vítima frágil havia desaparecido. Em seu lugar, havia uma predadora.
Ele a levou embora, me deixando ali, uma coisa quebrada na neve, como um cachorro de rua abandonado em uma rua desolada. O frio se infiltrou em meus ossos, mas foi o aperto gelado em volta do meu coração que realmente me congelou.