A Traição do Amor, a Ironia do Destino
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Capítulo 6

Eliana Ponto de Vista:

O mundo voltou a focar, uma névoa turva de paredes brancas e sussurros abafados. Meu corpo parecia pesado, estranho. Meu rosto era um mapa de pele em carne viva e hematomas, cada centímetro de mim gritando com uma dor surda e latejante. Meus olhos se abriram, a luz muito forte, muito dura.

O rosto de um médico, sombrio e simpático, se inclinou sobre mim. Suas palavras eram um zumbido abafado, mas uma frase cortou a névoa, clara e devastadora.

"Não conseguimos salvar o bebê, Sra. Montenegro."

As palavras me atingiram como um golpe físico, roubando o ar dos meus pulmões. Meu bebê. Se foi. A vida que me foi forçada, depois arrancada com uma finalidade tão brutal. Meu coração, já uma bagunça fraturada, se estilhaçou em um milhão de pedacinhos.

Bruno, seu rosto um eco gritante da minha própria dor, estava lá. Seus olhos, geralmente tão claros, eram agora poços negros de desespero absoluto e ódio ardente. Ele pressionou a testa contra a minha, seu corpo tremendo.

"Ele vai pagar, Eliana", ele sussurrou, sua voz rouca, sufocada por lágrimas não derramadas. "Eu juro por Deus, ele vai pagar por isso."

Ele se foi antes que eu pudesse detê-lo. Um borrão de raiva e dor.

Mais tarde, soube o que aconteceu. Bruno, cego de fúria, bateu sua caminhonete no carro corporativo elegante de Arthur. Não foi um golpe direto, não. No último segundo, meu irmão, ainda inerentemente bom, ainda incapaz de malícia verdadeira, desviou. Ele não conseguiu tirar uma vida. Mas o dano estava feito.

Cassandra, no banco do passageiro, levou a pior. Ela ficou gravemente ferida, em estado crítico. Arthur, o próprio diabo, saiu com apenas arranhões leves, uma zombaria distorcida da justiça.

Bruno? Ele estava na UTI. Múltiplas fraturas, hemorragia interna. Meus pais, já frágeis, desmoronaram. O cabelo da minha mãe, antes com mechas prateadas, pareceu ficar totalmente branco da noite para o dia. Eles se agarraram a Arthur, implorando, suplicando para que ele mostrasse misericórdia, para não apresentar queixa contra o filho deles.

Ele ficou lá, imóvel, seu rosto uma máscara de indiferença gelada. Suas súplicas, suas lágrimas, seu sofrimento, não significavam nada para ele.

Arrastei meu corpo quebrado da cama do hospital, os pontos no meu abdômen repuxando, gritando em protesto. Encontrei-o no corredor estéril, meus pais uma pilha amassada a seus pés. Caí de joelhos, o azulejo branco frio contra minha pele, e curvei minha cabeça até o chão.

"Arthur", sussurrei, minha voz rouca, quebrada. "Por favor. Não faça isso. Não machuque meu irmão. Leve tudo. Leve-me. Apenas... deixe-o ir."

Mantive minha cabeça baixa, a testa pressionada no chão. Repeti minha súplica, várias e várias vezes, minha voz ficando mais rouca, minha garganta em carne viva. Não sei quantas vezes repeti, quantas vezes raspei minha testa contra o chão implacável. O mundo ficou turvo, minha cabeça girava com dor e exaustão.

Ele não se moveu. Ele não falou. Seu silêncio era um cobertor frio e sufocante. Olhei para cima, meus olhos encontrando os dele. Eram gelo, totalmente desprovidos de reconhecimento, de humanidade.

Meu olhar se desviou para o carrinho médico ao lado de seus pés, uma bandeja de instrumentos cirúrgicos brilhando sob as luzes fluorescentes. Um bisturi. Um par de tesouras afiadas. Uma clareza súbita e aterrorizante me invadiu.

Se minha vida era a única moeda que ele reconhecia, que assim seja.

Com uma onda de força desesperada, lancei-me em direção ao carrinho, minha mão trêmula se fechando em torno de um par de tesouras longas e estéreis. Levei-as ao meu pescoço, o metal frio mordendo minha pele.

"Leve!", gritei, minha voz rachando, ecoando pelo corredor silencioso. "Leve minha vida! É sua! Apenas deixe o Bruno ir! Por favor, Arthur, deixe meu irmão viver!"

Uma enfermeira gritou. Meus pais gritaram, um som gutural de puro horror. Mas eu me mantive firme, as pontas afiadas cravando mais fundo.

Seus olhos, pela primeira vez desde que este pesadelo começou, piscaram. Uma rachadura no gelo. Uma sombra de algo. Talvez medo. Talvez surpresa.

"Eliana, pare!", ele finalmente disse, sua voz afiada, autoritária. "Pare com isso imediatamente!"

Ele caminhou em minha direção, sua mão se estendendo. "Tudo bem!", ele disse entredentes, sua voz tingida de veneno. "Uma lousa limpa. Entre nós. Tudo está zerado."

Ele tirou um documento do bolso interno do paletó, uma folha de papel impecável. A assinatura de Cassandra, grande e fluida, na parte inferior. Uma declaração, retirando sua queixa, oferecendo perdão total. Meu irmão estava livre.

Ele se afastou, me deixando encolhida no chão, as tesouras ainda em minha mão. Ele me deixou, mas não se divorciou de mim. O emaranhado legal, o símbolo de nossos votos quebrados, permaneceu. Um fio nos conectando, mesmo quando ele desapareceu do meu mundo.

Eu sobrevivi à tentativa de suicídio. Por pouco. Mas algo dentro de mim, o próprio cerne do meu ser, morreu naquele dia. Meu mundo, antes vibrante, agora jazia em ruínas ao meu redor. Uma terra desolada.

Meu corpo era um destroço. Meu coração, enfraquecido e com cicatrizes, lutava para acompanhar o ritmo. Minha mente, antes afiada, era uma bagunça caótica, uma confusão de memórias fraturadas e vazios agonizantes. Os médicos chamaram de depressão severa. Intratável, disseram eles. "Um coração partido não pode ser consertado com remédios."

Mal me lembro daqueles dias. Apenas imagens fugazes. O rosto magro da minha mãe, seus olhos fundos, avermelhados. Ela nunca saiu do meu lado, sua mão sempre procurando a minha, um apelo silencioso para que eu ficasse. Devo ter dito coisas, palavras desesperadas e sombrias sobre querer morrer. Minha mãe, aterrorizada, amarrava seu pulso ao meu com um lenço de seda à noite, recusando-se a me perder de vista.

Bruno, ainda se recuperando, ainda frágil, sentava-se ao lado da minha cama, sua voz rouca de emoção, me contando histórias, tentando me puxar de volta do abismo. Meu pai, velho além de seus anos, voltou ao trabalho braçal, seu corpo doendo, seu espírito quebrado, apenas para nos manter à tona, para pagar minhas contas médicas intermináveis. Eles, que deveriam estar aproveitando seus anos dourados, eram agora escravos do meu sofrimento.

Eles me arrastaram de especialista em especialista, de um diagnóstico vazio a outro. "Ela perdeu a vontade de viver", suspirou um médico. "Encontrem algo para lembrá-la da vida. Da alegria. Do simples calor humano."

Meus pais tentaram. Eles cozinharam minhas comidas favoritas, me empurraram em uma cadeira de rodas para a luz fraca do sol, sussurraram palavras de carinho, me persuadiram a falar. Eu me forçava a responder, a comer, a fingir, por eles. Eu ouvia seus soluços abafados através das paredes finas à noite, o desespero silencioso que permeava nossa pequena casa. Eles me odiavam por isso. Eles se odiavam por sua impotência.

Eu tentei. Eu realmente tentei. Lutei, gritei, chorei. Mas a escuridão era profunda demais. O peso dela, o vazio interminável e sufocante, estava me esmagando. Eu não conseguia respirar. Eu não conseguia me mover.

Uma noite, o peso se tornou insuportável. Minha mãe, exausta, finalmente caiu em um sono agitado, seu pulso ainda frouxamente amarrado ao meu. Desfiz o nó, meus dedos surpreendentemente ágeis. Saí da cama, meus pés silenciosos no chão frio. A porta da varanda acenava, uma boca escura e escancarada levando ao esquecimento.

O vento noturno uivava, chicoteando minha camisola fina ao meu redor, mordendo minha pele. Meu corpo, um recipiente de dor, latejava com mil dores. Apenas um passo, uma voz sussurrou em minha cabeça. Um passo, e tudo acaba. Chega de dor. Chega de vazio.

Minhas pernas pareciam surpreendentemente fortes. Subi no parapeito, o metal frio mordendo minha pele nua. As luzes da cidade cintilavam abaixo, uma galáxia distante e indiferente. O vento puxava meu cabelo, me puxando para mais perto da beirada.

                         

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