Dez milhões de reais. Era uma soma astronômica, um número que pertencia a um universo diferente, não às nossas vidas humildes e batalhadoras. Minha mente disparou, tentando juntar os fragmentos de sua angústia. Bruno, meu irmão prático e trabalhador, nunca se envolveria em algo tão imprudente. A menos que...
"Eu... eu liguei para o Arthur", minha mãe confessou, sua voz quase um sussurro. "Ele é o único que pode ajudar. Ele sempre sabe o que fazer."
Um pavor frio se infiltrou em meus ossos. Minha mãe não sabia. Ela não tinha ideia do caso, da traição brutal e destruidora de almas. Ela ainda o via como o menino de ouro, a figura de irmão mais velho protetor para mim, o homem que me amou.
Um clique. Um som fraco, quase imperceptível na linha. Ele estava lá. Arthur. Ouvindo. Ele havia colocado o telefone no viva-voz, certificando-se de que eu ouvisse cada palavra. Uma percepção arrepiante me invadiu. Isso não era apenas uma crise. Era uma armadilha.
"Sra. Souza", a voz de Arthur, suave e controlada, cortou os soluços da minha mãe. "Este é um assunto complicado. Vou precisar discutir com a Eliana. Nós vamos dar um jeito."
Ele desligou. O silêncio que se seguiu foi pesado, sufocante. Ele apenas me encarou, seus olhos desprovidos de calor, calculistas. Uma ameaça silenciosa pairava no ar.
"Você é esperta, Eliana", ele disse, sua voz suave, quase conversacional. "Você não gostaria de dificultar as coisas para sua família, não é?"
A implicação era clara. Ele havia orquestrado isso. Ele havia encurralado meu irmão, o emaranhado em uma teia de dívidas e perigo legal, tudo para me controlar. Ele estava usando minha família como uma arma.
Minhas mãos se fecharam em punhos, minhas unhas cravando em minhas palmas. A raiva, afiada e quente, lutava com uma impotência esmagadora. Minha família. Minha família vulnerável e confiante. Eu tinha que protegê-los.
"O que você quer?", perguntei, minha voz quase um sussurro.
Ele sorriu então, uma curva lenta e predatória de seus lábios. "Todas as provas, Eliana. Cada pedaço que você coletou. Apague. Desapareça. E nunca, nunca mais tente me expor."
Eu o encarei, o ódio um gosto amargo na minha língua. Mas eu não tinha escolha. Não com a liberdade de Bruno, a paz dos meus pais, em jogo. Lentamente, levantei meu telefone, naveguei até as pastas e, com um dedo trêmulo, comecei a apagar. E-mails, fotos, relatórios de vigilância. Cada clique era um pedaço da minha vingança, da minha autonomia, sendo arrancado.
Quando terminei, levantei o olhar. "Satisfeito?"
Ele simplesmente assentiu, seu sorriso se alargando. Ele se virou e saiu, me deixando sozinha no rescaldo de sua vitória arrepiante.
No dia seguinte, Bruno foi solto. Sem acusações. Sem dívidas. Meus pais, exaustos, mas aliviados, ligaram para agradecer profusamente a Arthur. Ele havia "operado um milagre", disseram eles.
Ele insistiu em buscar Bruno na delegacia pessoalmente. E insistiu que eu fosse com ele. Sentei-me em silêncio em seu carro, uma marionete em suas cordas, enquanto ele desempenhava o papel do salvador benevolente.
"Temos um jantar hoje à noite", ele me informou no caminho de volta, seu tom não admitindo discussão. "Clientes. Muito importantes. Eles valorizam... estabilidade. Valores familiares." Ele olhou para mim, seus olhos frios e inabaláveis. "Você sabe o que fazer."
Eu sabia. Eu deveria ser sua esposa perfeita, sua companheira leal. Um adereço em sua fachada cuidadosamente construída. Assenti, minha mente entorpecida. Esta era minha penitência.
Por semanas, movi-me pelo mundo dele como um fantasma, uma casca vazia de mim mesma. Eu sorria quando ele sorria, assentia quando ele falava, desempenhava o papel da esposa devotada. Seu toque, uma mão possessiva nas minhas costas, um beijo falso na minha bochecha, enviava arrepios de repulsa por mim. Eu me sentia como uma coisa, uma posse, não uma pessoa. O ar ficou rarefeito, as luzes muito brilhantes. Minha cabeça girava.
Uma noite, em um jantar corporativo particularmente luxuoso, cercada por seus colegas bajuladores e clientes radiantes, o mundo inclinou. O opulento lustre acima de mim girou, as vozes ao meu redor se dissolveram em um rugido abafado. Uma onda de náusea me invadiu, suor frio escorrendo pela minha pele. Tentei me firmar, respirar, mas era demais.
A próxima coisa que soube foi que eu estava no chão, os rostos acima de mim um borrão de preocupação.
Acordei em uma cama de hospital, o cheiro de antisséptico pesado no ar. Um médico estava sobre mim, um sorriso gentil no rosto.
"Parabéns, Sra. Montenegro", ele disse. "Você está grávida."
Grávida.
A palavra ecoou na sala estéril, uma reviravolta cruel e irônica do destino. Um filho. O filho dele. Nascido em um casamento que não passava de uma farsa vazia, concebido nos destroços da traição. Meu coração, já um campo de batalha de cicatrizes, se contorceu com uma dor nova e agonizante.
Eu sabia que Arthur desejava um filho. Um legado. Ele frequentemente falava de sua própria infância traumática, o vazio que a morte de sua mãe havia deixado. Ele odiava seu próprio pai, o homem que abusava de sua mãe, mas havia herdado a mesma veia de egoísmo frio e calculista. Um filho, ele acreditava, de alguma forma preencheria o vazio, limparia a linhagem manchada.
Mas eu não queria este filho. Não naquela época. Não naquela vida quebrada e tóxica. Eu imaginei um futuro onde essa alma inocente seria pega no fogo cruzado de nosso casamento envenenado, crescendo em um lar desprovido de amor genuíno, cheio de ressentimentos não ditos. Eu não podia trazer um filho para isso.
Ele, é claro, sentiu minha relutância. Seus olhos, afiados e perceptivos, viram o medo nos meus.
"Nem pense nisso, Eliana", ele avisou, sua voz baixa e ameaçadora. "Pense nos seus pais. Pense no Bruno. Eles já passaram por o suficiente."
Ele me tinha. Ele sempre me tinha. Minha família, meu calcanhar de Aquiles. Eu estava presa.
"Você vai levar esta criança até o fim", ele decretou, seu olhar inabalável. "Você será uma mãe. Mesmo que tenha que fingir."
E assim eu fiz. Pelos meus pais, por Bruno. Eu aguentei.
Ele voltou para o nosso apartamento quando eu estava com cinco meses de gravidez. O novo apartamento, aquele que ele havia "comprado" para nós durante meu exílio. Ele ditava cada movimento meu, cada palavra. "Descanse. Coma bem. Leia para o bebê. Toque música clássica. A criança precisa de estímulo." Ele estava obcecado, uma intensidade maníaca em seus olhos.
A primeira vez que senti o bebê chutar, um tremor profundo dentro de mim, seu rosto se suavizou. Ele colocou a mão na minha barriga, seus olhos cheios de uma ternura que eu não via desde o dia em que salvei sua vida. "Nosso filho, Eliana", ele sussurrou, sua voz embargada de emoção. "Nosso futuro."
Por um momento fugaz e perigoso, eu acreditei nele. Ousei ter esperança. Permiti-me ser embalada em uma falsa sensação de segurança, acreditando que talvez, apenas talvez, pudéssemos consertar o que estava quebrado. Que poderíamos ser uma família.
Mas então, Cassandra reapareceu, uma cobra venenosa no jardim da minha frágil paz. Ela estava nos observando, sua mente distorcida pelo ciúme. Ela encontrou meus pais. Ela despejou toda a história sórdida: o caso, o aborto espontâneo, o esquema de agiotagem envolvendo Bruno. Ela expôs a crueldade manipuladora de Arthur, sua destruição calculada da minha vida.
Quando cheguei, chamada por um vizinho frenético, os rostos dos meus pais estavam manchados de lágrimas, seus olhos arregalados de horror e vergonha. Minha mãe me agarrou, soluçando: "Eliana, minha pobre menina... como pudemos ser tão cegos?" Bruno, caído no chão, enterrou o rosto nas mãos, silencioso, despedaçado.
Cassandra também estava lá, uma imagem de falsa humildade, ajoelhada aos meus pés. "Por favor, Eliana", ela implorou, sua voz pingando lágrimas de crocodilo. "Devolva-o para mim. Não consigo viver sem ele. Vou morrer sem o Arthur."
Suas palavras, seu desespero patético, acenderam uma raiva branca e quente dentro de mim. Meu filho. Meu filho perdido. O filho dele. Tudo isso. A dor, a humilhação, a pura audácia dela exigindo-o de volta, como se ele fosse um brinquedo. Um único e aterrorizante pensamento passou pela minha mente: eu vou matar os dois.
Minha mão voou, um borrão de movimento, estapeando seu rosto. De novo. E de novo. Não parei até minha mão arder, até seu rosto ficar vermelho e inchado. Eu estava gritando, palavras incoerentes de fúria e dor, meu corpo tremendo com a raiva liberada.
E então, ele estava lá. Arthur. Ele irrompeu pela porta, seus olhos caindo sobre mim, minhas mãos ainda levantadas, sobre Cassandra, encolhida e soluçando no chão. Ele não hesitou. Ele correu para Cassandra, me empurrando para o lado com força brutal. Meu corpo grávido bateu contra a borda afiada da mesa de centro. Uma dor lancinante rasgou meu abdômen.
Ele ficou sobre nós, seu rosto uma máscara de fúria fria. "Olhem para vocês", ele zombou, sua voz pingando desprezo. "Todos vocês. Patéticos. Tudo o que vocês têm, tudo o que vocês são, eu dei a vocês. E eu posso tirar tudo. Não pensem por um segundo que vocês têm algum poder aqui. Vocês não são nada sem mim."
Ele pegou Cassandra nos braços e saiu, me deixando sangrando no chão, meus pais chorando histericamente e Bruno olhando para o abismo.
Minha cabeça latejava. A dor no meu abdômen se intensificou, uma dor profunda e enjoativa. Bruno, seus olhos queimando com uma luz aterrorizante, levantou-se. "Arthur!", ele rugiu, um som gutural de pura vingança. Ele se lançou em direção à porta, impulsionado por uma necessidade primal de retribuição.
"Bruno, não!", gritei, uma onda de terror me invadindo. Tentei me levantar, para detê-lo, mas a dor era demais. O mundo girou. Senti um jorro quente entre minhas pernas. Meus joelhos cederam. Caí no chão, minha cabeça batendo no azulejo frio com um baque surdo.
A última coisa que me lembro foi o grito aterrorizado da minha mãe, e então a escuridão abençoada me reivindicou.